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O CORPO EM PERFORMANCE: FIGURINO E ESPAÇO CÉNICO

1.1 Leituras Conceptuais do Figurino 1.2 Linguagens Plásticas do Corpo Performativo 1.3 Na Primeira Pessoa: a Experiência dos Performers/Encenadores

11 1.1 LEITURAS CONCEPTUAIS DO FIGURINO

A moda e corpo: bidireccionalidade na performance

O carácter transitório entre corpo e meio é expresso pela segunda-pele que o reveste. Nela se espelham indivíduo e sociedade, dada a função significante que o material têxtil comporta. A moda, como emblema de um discurso que se entrelaça, pode, “tal como a arte, ser uma linguagem, um sistema de comunicação capaz de reflectir sonhos, desejos, realidades, fantasias, memórias, valores, mudanças e até consciência crítica” (Celant & Gugggenheim Museum Soho, 1997:31). Pela proximidade com o corpo, é ela própria o

elemento mais imediato de comunicação com o próximo. Franz Erhard Walther, em 1967, no seu vídeo Andar como Escultura (fig. 1), utiliza então uma singela faixa de tecido a ligar nove pessoas a caminharem juntas, para mostrar que “o tecido, como as roupas e a pele, é frágil e expressa a qualidade única do transitório.” (Fricke, Honnef & Shneckenburger, 2005:550).

A moda, tendo o corpo como suporte na performance, contempla nessa conexão, uma relação bidireccional que conjuga a percepção de duas unidades de contemplação: a que reveste e a que se encobre/revela. Ambas alimentam a criação de linguagens expressivas que inferem fenómenos colectivos, traduzindo-se em formulações de juízos estéticos e emotivos, preferencialmente desprovido de considerações morais, porque assim pressupõe a autonomia ética da arte (Santos, 2008:67). No entanto, a moda vive na dependência das conotações culturais dadas à roupa nos meios sociais em que se insere, onde corpo e objecto estético tanto se complementam como se separam no acto de se revelarem: uma peça de vestuário que se mostra desprovida do suporte, continua a contê-lo; a importância do corpo despido exprime a sua equivalência à roupa daquele circuito social que a criou. E a moda “assim se converte no corpo, numa passagem de igual para igual” (Celant & Gugggenheim Museum Soho, 1997:29).

No momento hipermoderno em que nos encontramos, da singularidade, competitividade, auto-superação, de um mundo rendido à fugacidade das coisas

Fig. 1. Franz Erhard Walther

Andar como Escultura: Antes de Escurecer nº1/32 (1967) Fonte: Arte do Séc. XX, vol. II, p.604

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(Lipovetsky & Charles, 2004:6), as práticas artísticas que enquadram a moda dentro do contexto performativo não têm limitações. As suas regras e procedimentos não encontram lugar numa corrente de pensamento, são antes intuitivos e em sintonia com o âmago da vida. Se Duchamp demonstra que a arte pode definir-se como «anti-arte», o vestuário, como «anti-moda», pode exprimir “o pensamento do indivíduo, neste universo artístico constituído por uma vaga de experimentações.” (Cabral, 2010:44). Estas tendências conceptuais da actualidade são o reflexo de uma indústria cultural aberta à diversidade de indústrias criativas, nas quais a moda se insere.

Hoje, “moda e arte vivem em paralelo, caminhos traçados com a passerelle de um lado e o museu do outro, e que por vezes, se entrelaçam e até se permutam” (Cabral, 2010:47), mas se analisarmos o que fica entre eles, encontramos uma outra conjugação de tempo, espectador e performer. Essa é a do contexto da performance artística, o da demora em torno de uma acção e de um gesto, essa demora que permite um “metamorfoseamento [que] é o mote para a renovação vivencial de cada humano” (Vasco, 2009:258), distante das apresentações das colecções de moda, mas que por vezes as intersecta. Nessa experiência, o figurino tem um papel essencial, é ele próprio parte do processo criativo que é revelado, e com ele é levado aos limites da imprevisibilidade envolvida na própria acção. Assim, moda e corpo unem-se como objecto estético, porque como menciona Santos (2008:43), o performer usa o corpo para “transformá-lo em puro material para significar, colocando o homem no mesmo plano dos signos”.

Corpo e figurino num só

De facto, o uso do corpo na performance artística, enquanto um conceito herdado da década de 1970, está focado na consciência das suas próprias potencialidades na comunicação. Desde então, os contributos conceptuais em torno de alterar o modo como o corpo se move, centram-se em noções de movimento ou quietude do corpo, na sua linguagem e poesia, de modo a transmitir um certo ponto de vista, sendo assim a performance considerada um estado de espírito, de acordo com Emmett Williams (como citado em Ruhrberg et.al, 2005:588). A prática da performance também tem vindo a questionar o uso e a leitura do corpo e focamo-nos assim na ideia do corpo imaginado como o ponto de partida da actuação de um performer. Tal advém do modo como o corpo foi colocado como um objecto do lado

13 da cultura e não apenas do lado da biologia (Ingold, 2000:170), sendo então usado e modelado a nosso bel-prazer, em tantos modos quanto os válidos meios de expressão em que se tornou, tal como acontece em qualquer outro no campo da arte.

Leigh Bowery é exemplo de uma dimensão de contemplação que coloca o espectador a reflectir sobre o corpo como meio de expressão, sem que seja possível evitar o questionamento entre o que distancia o corpo observado no palco e o seu próprio corpo, por si sentido. Modificado através da roupa, o corpo do performer surge deformado (fig.2), levando a que, como espectadores, “a nossa percepção (…) [seja um] jogo feito na dimensão do abstracto e do psicológico, onde interrogamos as fronteiras entre corpo e roupa, entre sujeito e objecto” (Cabral, 2010:55). Essa manipulação do corpo afecta a nossa percepção da

sua forma original e corrobora a busca incessante que o homem parece ter em pensar nos limites da sua própria condição física e psicológica: “O que é o ser humano? O que nos permite os ensaios às sensações? Quais são os limites do eu?” (Guedes & D’Almeida, 2012:2). Na condição em que corpo e objecto estético se fundem, pensamos em moda e em arte e citamos Santos (2008:11): “Marina Abramovic, Orlan e Stelarc (…) demonstram interesse em redesenhar o corpo, a arte e a identidade do sujeito.”.

Sendo a performance um artifício camaleônico, “uma forma altamente reflexiva e volátil - que os artistas usam para se articular com e responder à mudança”1 (Goldgerg, 2011:249), consideramos, ao analisar as conquistas recentes em tecnologia, que o mundo virtual e as ferramentas de design auxiliadas por computador influenciaram os artistas com uma nova sensação de liberdade em relação à transformação e reinterpretação do corpo. Além da tecnologia digital, os desejos da mente na projecção do corpo mental são agora mais fáceis de alcançar, quando eles também podem (efectivamente) ser colocados em prática com a cirurgia plástica, como aconteceu nas nove performances cirúrgicas realizadas entre 1990 e 1993 por Orlan, nas quais a artista alterou o seu corpo. Vemos que, nelas, “o corpo é reparado depois de modificado ou pode ser moldado para novas experiências. (…) É sobre a dimensão

1 T.l. de: “a highly reflexive, volatile form – one that artists use to articulate and respond to change”

Fig. 2: Leigh Bowery

Future Juliet (1989)

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corporal da plasticidade e sobre a plasticidade da experiência corporal”, como De Preester (2007:359) sublinha.

Mudanças no corpo podem ser feitas também através da moda, sendo a moda também profundamente relacionada à noção do «self», de alguma forma ligada a “uma consistência assertiva entre aparência e atitude” (Goffman, 1990:29), que aqui é exposta pela performance artística. De repente, confundimos a transformação do corpo com a customização feita dele através dos têxteis, quando a moda se cruza com a arte e os limites conceptuais se tornam difíceis de delimitar. Vejamos os sapatos masculinos de Pierre Cardin (1986), por exemplo, um par de sapatos que se assemelham a um par de pés, uma vez inspirados em The Red Model (1935) de René Magritte, e certamente perguntaremos se “é o objeto que reflete a mente, ou a mente que reflecte o objeto?” (Cabral, 2010:60). O que expressaríamos usando esses sapatos? Ou seriam os sapatos antes a representar aquilo que somos?

Sally E. Dean explica como ela percebeu uma mudança na sua forma de ver os figurinos e a percepção do corpo como uma ferramenta, quando viveu em Java em 2007-08 e viu os seus movimentos constrangidos pelo figurino de dança javanês. Ela diz-nos que “o figurino em si criou uma experiência cinestésica de 'contenção' do meio para a parte inferior do corpo”2 e que a experiência inspirou novas reflexões sobre o papel do figurino – nomeadamente enquanto “permitia a cada um encontrar gestos e qualidades de movimento que pudessem, de outra forma, estar em falta no seu repertório”3 (Dean, 2011: 169). Ela acrescenta que “em diferentes culturas, do ballet à dança balinesa, o treino da dança é tipicamente feito em indumentária semelhante à usada em performance, e influencia o tipo de movimento possível”4 (Dean, 2011:168). Isso leva-nos ao cerne da nossa pesquisa, que é centrada no utilizador, embora de enfoque teórico, em conceitos que implicam abordagens experimentais da performance artística que exploram a percepção do corpo através das potencialidades plásticas dos figurinos e até mesmo das suas restrições. Reconhecemos, portanto, a definição de ergonomia da International Ergonomics Association, como uma disciplina

2 T. l. de: “the costume itself created a kinaesthetic experience of 'containment' in the mid to lower body” 3 T. l. de: "supporting people to find gestures and movement qualities that might otherwise be missing from

their repertoire."

4 T. l. de: "from ballet to Balinese dance, dance training is typically done in attire similar to that used in

15 “preocupada com a compreensão das interacções entre seres humanos e outros elementos de um sistema”5 (Falzon, 2005:2), quando se refere à funcionalidade do vestuário e particularidades cognitivas do performer, que ligamos à auto-expressão e auto-imagem durante uma performance. Essa auto-imagem e auto-expressão tendem a ser lidas pelos espectadores não apenas como uma exibição exterior, mas também como uma identidade e emoção interiores, uma vez que se misturam com as acções do performer, relacionando a expressão artística com a noção clara do «eu» deste enquanto personagem. Nesse processo, a comunicação com o espectador está obviamente envolvida.

Comparamos então o contributo do espectador de uma performance com o do fruidor de uma obra de arte numa exposição, pois essa, segundo Eco (1972), completa-se no momento da confrontação, a sua compreensão advém do diálogo indispensável com ele. Relativamente ao aspecto formal do figurino, cabe então ao designer compreender o seu contexto de uso para poder contribuir simultaneamente para a comunicação do performer e proporcionar o entendimento do

público, pois o figurino “é responsável por delinear a futura forma na qual o usuário encontra informações, realiza leitura, estabelece relação entre elementos, interage com a interface e compreende a comunicação” (Formiga & Waechter, 2012:2). Ainda que esta presunção seja, segundo Eco, relativa, porque a obra de arte é aberta, estabelecendo uma “dialética de «definitude» e «abertura» (…) como facto comunicativo” (Eco, 1989:154). No caso particular de Brízio, em Renewable Dress (2005-2008), o vestido não está completo sem a acção do espectador, que acontece ser, simultaneamente, fruidor e utilizador (fig.3). Gerar sentimentos no espectador pressupõe então a criação de um pensamento afectivo (Santos, 2008:143) e compreender a audiência significa adequar o desempenho performativo à mesma. Em situações de aparente inadequação, é suposto que a audiência se aperceba da

5 T. l. de: “discipline concerned with the understanding of the interactions among humans and other elements

of a system”

Fig. 3: Fernando Brízio

Renewable Dress (2005-2008)

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provocação, tal como na composição musical de John Cage intitulada 4’3’’ (1962), onde este não tocou piano, levando a audiência a tomar “consciência de que (…) ia surgindo um ruído cada vez mais intenso e que era ela própria que o estava a produzir” (Fricke, Honnef & Schneckenburger, 2005:582). Se assim for, Santos (2008:69) considera que o espectador observou atentamente a produção e se deixou absorver, portanto, conseguindo frui-la.

A moda, que é em si compreendida como uma forma de arte contemporânea (Cabral, 2010), está, no design de figurinos, ao serviço de outras. Se o vestuário usado pelo performer é a ampliação da superfície do seu corpo, correspondendo ao desafio dos seus limites físicos, o papel do designer de moda na sua conceptualização é também de interpretação do que tal instigou – porque “as relações entre organismo e objecto são os conteúdos do conhecimento que denominamos consciência” (Damásio, 2000:47), aquela implícita na personagem interpretada pelo performer. Por outro lado, se na moda “a performance é o designer.”6 (English, 2007:146), podemos acrescentar que, nesta posição em que colocamos o design de moda, a performance é também o espectador. O papel do designer está em compreender tanto o performer e a obra artística que este interpreta, como o campo em que a performance tem lugar; porque se o espectador se revê no performer, entrando na dimensão conceptual do espectáculo que assiste, ele «veste» também o figurino: “o espectador entra na peça por ter entrado na sala em si.”7 (Pachicara, 1995:33). Esta conjugação de elementos que se posicionam entre si numa unidade de espaço e tempo que lhes dá significado é já de si referida por Marcolli em Teoria del Campo (1981).

Vestir e habitar o espaço

O encenador e figurinista António Lagarto considera a beleza um valor altamente subversivo, sendo que alterar a forma e a proporção do corpo é algo que ele explora na sua actuação (Santa Clara, 2009:148). Rey Kawakubo, pela Comme des Garçons, com Body Meets Dress, Dress Meets Body (1997) (fig. 4), sugere-o com a deformação do corpo, cristalizando a moda como o espelho da alma, já que reforça aspectos de imaterialidade implícitos nessa acção poética de combinar dada sugestão de corpo com certas valências têxteis. Sugere também que qualquer alteração do corpo implica uma intromissão no espaço. Assim, ao nos referirmos ao vestuário sobre o

6 T. l. de: “the performance is the designer”

17 corpo em performance artística, necessitamos de

discutir o corpo no espaço, pois para além das roupas, o espaço pode ser um prolongador simbólico do corpo, por se contextualizarem mutuamente – sendo o corpo envolvido numa relação ergonómica com ele. Vemos que o que mais tem unificado as tentativas conceptuais de transformar a moda numa forma de arte é do uso do corpo como meio de expressão, abordagem compartilhada com outras artes contemporâneas, na exploração de novos limites. Aparentemente, “uma das experiências mais fundamentais foi a descoberta do corpo como um meio, (...) a interacção entre as percepções físicas e espaciais” (Ruhrberg et al., 2005:548).

Stephens (2011:165) descreve os projetos de Baskt de 1915 por permitirem interacções entre a figura humana e os figurinos, no sentido em que vários apêndices, como penas ou jóias, prolongavam e enfatizavam os gestos e movimentos de uma bailarina. Além disso, também Rebecca Horn explora o corpo no espaço, no modo como o corpo pode ocupá-lo, de modo a compreendê-lo, e usa isso como uma ferramenta para também se descobrir e se exprimir. As Finger Gloves (1972), luvas que mais parecem próteses feitas de longos dedos em forma de tubo, expunham uma suposição artística ao proporcionarem uma sensação táctil cativante, permitindo que ela alcançasse tudo, sentindo o espaço vazio envolvente como completamente acessível e fisicamente preenchido por ela.

Na década de 1920, há também exemplos de experiências sobre o espaço de acção relativamente ao corpo que o ocupa e vice-versa. Goldberg descreve uma palestra de Schlemmer em que este explora a dimensão cúbica do espaço em diferentes estágios, através da movimentação do corpo dentro de uma sala dividida por uma teia de fios, e refere-nos o uso de figurinos nesse cenário: “A fase dois acrescentou figurinos, enfatizando várias partes do corpo, levando a gestos, caracterização e harmonias abstractas de cores fornecidas pela indumentária colorida”8

8 T. l. de: “Phase two added costumes emphasizing various parts of the body, leading to gestures,

characterization, and abstract color harmonies provided by the coloured attire”

Fig. 4: Comme des Garçons

Body Meets Dress, Dress Meets Body (1997)

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(Goldberg, 2011:104). Isso significa que, para além de compreenderem o espaço, os gestos e espírito humanos foram confrontados com formas, texturas e cores designadas a lhe definirem uma dada personalidade – ou seja, personagem. Schlemmer também explorou a ideia de unidade entre corpo e espaço na sua dança Slat (1927). Envolveu tábuas nos membros, tronco e cabeça, de modo a restringir o corpo e delinear uma relação entre ele e o espaço circundante. À sua semelhança, também Speed usou figurinos híbridos e escultóricos, cuja relação com o espaço Warr (2013) esclarece: “O trabalho de Speed retrata o corpo movimentando-se pelo meio do espaço, definindo-o e definindo-se”9.

A ideia de nos transferirmos fisicamente para os objectos acaba por ser plausível, já que aparentemente somos “capazes de mudar o nosso mapeamento de um senso de pertença e actividade para corpos alterados”10 (De Preester, 2007:363). As experiências de Schlemmer assemelham-se às de Rebecca Horn em Finger Gloves (1972), que De Preester (2007:359) descreve da seguinte forma: “As luvas tanto a capacitam como a desabilitam, e é como se ela procurasse as possibilidades e impossibilidades da extensão de seu esquema corporal e do seu corpo sensível e sensorial”11. Isso nos leva-nos a Grotowski quando professa o conceito de “teatro pobre”, defendendo que “no actor, no seu corpo, reside o teatro todo (...) ou seja, o teatro todo através do actor no seu todo”12 (Grotowski, 1969). Não consentindo o uso de figurinos elaborados ou adereços, defendia que um actor tinha de usar o espaço para envolver o público na peça de teatro, mas também devia usar figurinos específicos para esse efeito, apesar de minimalistas – deveria ser um actor capaz de transmitir todo o teatro através da sua habilidade.

Tanto o espaço como o figurino tornam-se projecções fictícias dos limites do corpo, pois são intervenções conceptuais e extensões físicas de um performer. Corpo e mente, roupas e espaço formam uma unidade de acção juntamente com a audiência, sob a contextualização particular da performance artística. Portanto, a interacção social, tal como já aflorado, é chamada à discussão, no sentido em que os códigos da

9 T. l. de: “Speed’s work depicts the body moving about in the midst of space, defining, and being defined” 10 T. l. de: “able to change our mapping of a sense of ownership and agency onto altered bodies”

11 T. l. de: “The gloves both enable and disable her, and it seems as if she is looking for the possibilities and

impossibilities of the extension of her body schema and of her sensitive, sensory body.”.

12 T. l. de: “In the actor, in his body, there is the entire theatre (…) that is, the total theatre through the total

19 moda são interpretados simultaneamente com os gestos do artista, durante a sua actuação. O corpo no espaço e o vestuário sobre o corpo tornam-se, simultaneamente, noções pessoais e sociais, e isso significa que para procedermos a uma leitura acerca de habitar o espaço através do uso do figurino, temos de considerar o ato de vestir no seu impacto sobre o outro, como uma linguagem codificada. Assim, um performer (bem como um figurinista), ao escolher de forma deliberada um objecto significante para a sua performance, está a aludir a uma determinada dimensão interpretativa de carácter social.

Isso está presente em Segunda Pele (2007), de Diana Silva (fig.5), uma peça feita de látex cor-de-rosa. A sua textura e escala representam a pele de uma cobra e é como se ela deixasse o passado para trás ao vesti-la: “A ideia principal

era proteger-me do mundo exterior. A camisa (…) parece uma armadura (…). Mas como o material é semelhante à pele humana, é como a minha metamorfose em serpente. As mangas compridas (…) simbolizam as memórias de que não me consigo desprender” (Cabral, 2010:253). Vemos que o ato de usar essa roupa está intimamente ligado ao simbolismo socialmente construído sobre suas características, ou seja, a conotação da mudança de pele de uma cobra. Mas com esta obra podemos criar significação na relação que a artista estabelece com o espaço envolvente, ao vesti-la numa performance por si criada. Diana Silva decide ser filmada enquanto caminha num espaço vazio, como se interpretasse uma catarse introspectiva, longe da presença dos outros. Tal escolha de cenário não invalida que ela não tenha criado uma relação com o espaço, caso contrário não poderíamos fazer estas leituras específicas da sua actuação; ou que ela não estabeleceu uma relação com os outros, já que queria ser observada através do vídeo que ela própria gravou. Com este exemplo, podemos resumir duas qualidades simultâneas nos figurinos, que são vestir e habitar e poderíamos também dizer, seguindo a opinião de Merleau-Ponti (como

Fig. 5. Diana Silva

Second Skin (2007)

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citado em Battcok & Nikas, 2010:5), que: “O nosso corpo não está no espaço como as

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