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“Por ter de relance se visto de corpo inteiro ao espelho, pensou que a proteção também seria não ser mais um corpo único: ser um único corpo dava-lhe, como agora, a impressão de que fora cortada de si própria. Ter um corpo único circundado pelo isolamento, tornava tão delimitado esse corpo, sentiu ela, que então se amedrontava de ser uma só, olhou-se avidamente de perto no espelho e se disse deslumbrada: como sou misteriosa, sou tão delicada e forte, e a curva dos lábios manteve a inocência.

Pareceu-lhe, então, meditativa, que não havia homem ou mulher que por acaso não se tivesse olhado ao espelho e não se surpreendesse consigo próprio. Por uma fração de segundo a pessoa se via como um objeto a ser olhado, o que poderiam chamar de narcisismo mas, já influenciada por Ulisses, ela chamaria de: gosto de ser. Encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, é verdade que eu não imaginei: eu existo.“ (Clarice Lispector, 1982, p. 19).

Ao longo da realização do trabalho de campo da pesquisa Homens e Saúde, o tema do corpo foi ganhando forma e consistência nas falas dos sujeitos entrevistados e dos usuários dos grupos focais realizados. Do paradoxo da universalidade aos processos de significação dos corpos presentes nos discursos do Sistema Único de Saúde, percebi- me envolvida com as questões que diziam do corpo, e que agiam sobre as análises do material textual, deslocando-me, muitas vezes, das confortáveis posições interpretativas em que estava, a tal ponto de eu desconhecer minhas verdades. Ao falar de cuidados com a saúde, os sujeitos da pesquisa falaram de corpos e, por eles e a eles eu me deixei levar. Portanto, o objetivo deste capítulo é o corpo. Primeiramente, serão tecidas considerações acerca da noção de corpo em Psicanálise – qual o lugar do corpo do qual

se diz, em Psicanálise?57, a partir da eleição de alguns textos de Freud e pontuações

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Agradeço a Laureci Nunes por me mostrar que o corpo que se apresenta ao SUS encarna marcas de gozo, introduzindo, na escrita de meus trabalhos na EBP Seção SC, a dimensão clínica da formação em Psicanálise, para além do manejo dos conceitos da teoria psicanalítica na escrita de minha dissertação.

sobre o corpo nos três registros: Real, Simbólico e Imaginário, em Lacan58. Feito isto, proponho uma articulação entre o corpo do qual se fala em relação ao conceito de saúde do SUS, articulado às falas dos sujeitos da pesquisa. Explorando em que sentidos os significados de gênero afetam os corpos presentes nas falas analisadas, proponho uma discussão pelas inteligibilidades do sujeito universal do cuidado do SUS.

O corpo (ainda corpo) em psicanálise

O pulso ainda pulsa, o pulso ainda pulsa...

Peste bubônica, câncer, pneumonia, raiva rubéola, tuberculose, anemia Rancor, cisticircose, caxumba, difteria,

encefalite, faringite, gripe, leucemia, E o pulso ainda pulsa,

E o pulso ainda pulsa...

Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria Sífilis, ciúme, asma, cleptomania

E o corpo ainda é corpo, e o corpo ainda é pouco Assim...

Reumatismo, raquitismo, cistite, disritmia Hérnia, tuberculose, tétano, hipocrisia Catapora, culpa, câimbra, cárie, cleptomania

58 “Simbólico: termo introduzido (na sua forma de substantivo masculino) por J. Lacan, que distingue no campo da psicanálise três registros essenciais: o simbólico, o imaginário e o real. O simbólico designa a ordem de fenômenos de que trata a psicanálise, na medida em que são estruturados como uma linguagem. Este termo refere-se também à idéia de que a eficácia do tratamento tem seu elemento propulsor real no caráter fundador da palavra” (Laplanche & Pontalis, 1992, p. 480).

“Imaginário: na acepção dada por J. Lacan, este termo (então usado a maior parte das vezes como substantivo) é um dos três registros essenciais da psicanálise, caracterizado pela preponderância da relação com a imagem do semelhante” (Laplanche & Pontalis, 1992, p. 233).

“Real: introduzido em 1953 e extraído, simultaneamente, do vocabulário da filosofia e do conceito freudiano de realidade psíquica, para designar uma realidade fenomênica que é imanente à representação e impossível de simbolizar” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 644).

O pulso ainda pulsa, e o corpo ainda é pouco Ainda pulsa, ainda é pouco

Assim...

(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Toni Beloto).

A escrita de qualquer história e de qualquer verdade implica um corpo. O que a escrita porta “desde sempre” é sua insistência, letra a letra, e a escrita se dá via corpo. Via crucis, conforme Clarice Lispector. Mas que corpo é este que pulsa, que transborda seus contornos e extravasa sua própria biologia discursiva, constituinte? Qual o lugar do corpo do qual se diz em Psicanálise? É no encontro entre o corpo que escreve ao inscrever-se na escrita, que localizo este texto. Nas palavras de Iordan Gurgel:

o corpo é (...) escrito por significantes, que são encravados na carne para sempre. A carne, nossa natureza animal – morre, surgindo em seu lugar a linguagem, que faz o corpo viver e, a partir daí, tanto a anatomia quanto a fisiologia ficarão à mercê do Outro. O corpo ao qual a psicanálise se refere não é o corpo “biológico” (Gurgel, 2005, p. 35).

Inicialmente, apoio-me no texto de Freud (1910), A Concepção Psicanalítica da

Perturbação Psicogênica da Visão59. Talvez o que este texto delimite seja a existência de

diferentes corpos, o biológico (corpo orgânico), e o corpo psicanalítico, e a relação de conflito estabelecida entre ambos. Nele, o autor apresenta os mecanismos da conversão histérica relacionados ao ver e ao não ver, no nível consciente e inconsciente, no duelo entre as pulsões sexuais e as pulsões do eu (ou de auto-conservação). Destaco o modo pelo qual Freud fala do corpo erogeneizado, de sua fragmentação e seu caráter parcial, Segundo ele:

Tanto as pulsões sexuais como as pulsões do ego, têm, em geral, os mesmos órgãos e sistemas de órgãos à sua disposição. O prazer sexual não está apenas ligado à função

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Segundo nota do editor, a importância deste texto de Freud reside na utilização, pela primeira vez, do termo pulsões do eu, identificando-as como pulsões de auto-conservação, e atribuindo-lhes papel vital na função da repressão. A importância reside, ainda, na noção de clivagem entre o inconsciente e o consciente, em relação à perturbação psicogênica da visão descrita por Freud. Segundo Freud (1910, p. 198): “experiências apropriadas demonstraram que as pessoas que ficam cegas em virtude da histeria vêem, não obstante, em certo sentido, mas não completamente. As excitações no olho cego podem provocar certas conseqüências psíquicas (por exemplo, podem provocar emoções) muito embora não se tornem conscientes. Assim, as pessoas histericamente cegas só o são no que diz respeito à consciência; em seu inconsciente elas vêem. São observações como estas que nos levam a distinguir os processos mentais conscientes dos inconscientes”.

dos genitais. A boca serve tanto para beijar como para comer e para falar; os olhos percebem não só alterações no mundo externo, que são importantes para a preservação da vida, como também as características dos objetos que os fazem ser escolhidos como objetos de amor – seus encantos (Freud, 1910 [1970], p. 201).

Nas elaborações de Freud a respeito da sintomatologia da “cegueira histérica”, pode-se apreender que o que está em questão é a erogeneização de um corpo que rompe os limites de suas “funções vitais”, mas que, fundamentalmente, (sobre)vive corpo pelo que esta biologia extravasa em seu processo de significação. O corpo orgânico parece ser a superfície dinâmica da qual a linguagem se alimenta – fragmentos de corpo pulsional investido de sentido, à revelia de sua descontinuidade biológica, como a boca que deseja comer além da fome, ou como os olhos que vêem, no/ ao olhar.

Entre a superfície do orgânico e do psíquico, do corpo da anatomia e do corpo da psicanálise, uma série de disjunções pode ser lida em diferentes momentos da teoria freudiana. Embora não seja meu objetivo debruçar-me exaustivamente sobre o lugar do corpo em Freud, considero importante mapeá-lo em linhas gerais – da dimensão erógena de suas partes (corpo fragmentado) ao corpo auto-erótico (corpo unificado pelo narcisismo).

Com a teoria do narcisismo, Freud (1914 [1974]) introduz uma divisão para além daquela presente nas elaborações a respeito da ação das pulsões sexuais e as de auto- conservação, nos mecanismos histéricos estudados no texto citado inicialmente. A dialética das pulsões sofre remanejamentos impostos pelo narcisismo, bem como introduz a primordial função da imagem corporal no tocante à libido objetal e libido do eu. No texto

O eu e o isso (Freud, 1923 [1976] p. 40), o autor afirma: “o eu é, primeiro e acima de tudo,

um eu corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície”. E se o eu anuncia a não totalidade do corpo, então se pode pensar que sobre a superfície corporal se inscrevem marcas de sujeito, para além do que o corpo orgânico pode suportar e, também, elaborar, sobre os limites do psíquico e do somático, em uma referência ao conceito de pulsão. É antes ao desejo do que à necessidade que o corpo em psicanálise cede, embora a dupla inscrição realizada pela pulsão (somática e psíquica), nos permita conceber o corpo como também efeito deste duplo movimento constitutivo do sujeito – pois o corpo tanto anuncia quanto participa da alteridade entre ambos, sujeito e corpo. Em nota de rodapé acrescida ao texto, afirma Freud:

Isto é, o eu em última análise deriva das sensações corporais, principalmente das que se originam da superfície do corpo. Ele pode ser assim encarado como uma projeção mental da superfície do corpo, além de, como vimos acima, representar as superfícies do aparelho mental (Freud, 1923, p. 40).

Em outras palavras, embora o corpo que interessa à psicanálise não seja o corpo orgânico, biológico, é esta a superfície mesma sobre a qual agem as relações entre a fonte da pulsão e sua finalidade. Arrisco pensar o corpo, entendido sob este prisma, como sendo o campo que se oferece à dinâmica do orgânico da biologia, o veículo do desejo e do inconsciente, ao mesmo tempo em que a ilusão de unidade sobre a qual se sustenta o sujeito do inconsciente.

No Seminário 1, Os escritos técnicos de Freud, Lacan retorna à questão do ego corporal em Freud (1923 [1974]), para elaborar suas teorizações sobre a assunção do sujeito ao seu próprio corpo. Com relação à superfície do corpo a que se refere Freud, Lacan (1986 [1954], p. 197) afirma que “não se trata de superfície sensível, sensorial, mas dessa superfície enquanto está refletida numa forma. (...) uma forma é definida pela superfície - pela diferença no idêntico, quer dizer, a superfície”. Estas discussões são fundamentais, pois, além de marcar a dependência da imagem do sujeito à imagem do outro, lugar de seu desejo alienado, demarca a territorialidade corporal deste, quando estabelecida “a relação com o fora do dentro através de que o sujeito se sabe, se conhece como corpo” (Lacan, 1986 [1954], p. 197). Lacan (p. 197) continua, e não poderia deixar de citá-lo: “o homem se sabe como corpo, quando não há afinal de contas nenhuma razão para que se saiba, porque ele está dentro”. Dedico-me a estas questões, pois entendo que são germinais no entendimento dos conceitos de eu e de sua dependência ao corpo e à superfície, e no que esta trama conceitual indica os caminhos para se refletir sobre o corpo que se tem, e não o que se é.

A partir de 1933 Lacan, em diálogo com Hegel, interroga-se sobre a gênese do eu, por intermédio de uma reflexão filosófica concernente à consciência de si (Roudinesco & Plon, 1998, p.194). O corpo, para Lacan, é o corpo marcado pelo significante, “encarnado” por ele, libidinal, corpo erógeno e singular. Corpo de desejo e, portanto, de gozo60. Baseado na idéia de que o eu se constrói primeiramente a partir do outro, em especial a

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“Raramente utilizado por Sigmund Freud, o termo gozo tornou-se um conceito na obra de Jacques Lacan. O conceito de gozo implica a idéia de uma transgressão da lei: desafio, submissão ou escárnio (...). Posteriormente, o gozo foi repensado por Lacan no âmbito de uma teoria da identidade sexual, expressa em fórmulas da sexuação que levaram a distinguir o gozo fálico do gozo feminino (ou gozo dito suplementar)” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 299).

partir da imagem que lhe é devolvida pelo outro, Lacan marca o desconhecimento e a alienação como constitutivos do eu. As formulações posteriores, sobre o sujeito, a linguagem e o Outro, apontam para a importância do nascimento do sujeito como submetido à linguagem. Assim, pode-se pensar o corpo a partir da concepção lacaniana dos três registros fundamentais61: o corpo do ponto de vista do Imaginário - o corpo como imagem; do ponto de vista do Simbólico - o corpo marcado pelo significante; e do ponto de vista do Real - o corpo como sinônimo de gozo.

Tendo como referência os textos O estádio do espelho como formador da função do

eu (1998 [1949]), e A tópica do Imaginário (1986 [1954])62 pode-se pensar o corpo do ponto

de vista do Imaginário, considerando-se a forma como a imagem do corpo próprio, a partir do outro, marca a constituição subjetiva e a imagem de si assumida pelo sujeito. O que o próprio termo estádio evidencia é a tensão erótica que intervém nesta formação, e o fato de que "todo equilíbrio puramente imaginário com o outro está sempre condenado por uma instabilidade fundamental" (Lacan, 1998 [1949], p.110). Com a introdução do grande Outro, o estádio do espelho é articulado ao registro do Simbólico (meados de 1953). A alienação na imagem é substituída pela alienação estrutural ao Outro da cadeia significante.

Quando articulado ao registro do Real, Lacan introduz o olhar como objeto a63 no lugar do Outro. Para se constituir, é preciso que a criança seja objeto do olhar e tenha um lugar no campo do Outro, cujo reconhecimento, na medida em que o outro a nomeia, permite sua entrada no registro Simbólico. Lacan (1985 [1975]) afirma: “o que há sob o hábito, e que diz chamamos de corpo, talvez seja apenas esse resto que chamo de objeto a” (p. 14). E, adiante, continua: “o que faz agüentar-se a imagem, é um resto” (1985 [1975], p. 14). É em Função de Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise (1978 [1966]) que Lacan estabelece a relação entre fala-linguagem-corpo, sobre a qual vou me deter neste capítulo. Segundo Lacan:

a fala com efeito é um dom de linguagem, e a linguagem não é imaterial. Ela é corpo sutil, mas é corpo. As palavras são tomadas em todas as imagens corporais que cativam o sujeito;

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Observa-se, neste primeiro ensino de Lacan, caracterizado pelo retorno à Freud, a primazia do registro do Simbólico em relação ao Imaginário e ao Real, bem como a ênfase na cadeia significante, nos conceitos de metáfora e de metonímia.

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“Termo introduzido por Jacques Lacan, em 1960, para designar o objeto desejado pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não representável, ou de se tornar um ‘resto’ não simbolizável. Nessas condições, ele aparece apenas como uma ‘falha-a-ser’, ou então de forma fragmentada, através de quatro objetos parciais desligados do corpo: o seio, objeto da sucção, as fezes (matéria fecal), objeto da excreção, e a voz e o olhar, objetos do próprio desejo” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 551).

elas podem engravidar a histérica (...), representar o fluxo da urina da ambição uretral, ou o excremento retido do gozo avarento (Lacan, 1966, p. 165).

Neste sentido, o corpo do ponto de vista do Simbólico está referido para além de sua “função” no corpo vivo, biológico. Um corpo que, à mercê dos processos de significação, sofre a ação e os efeitos da palavra – “essa roda de moinho por onde incessantemente o desejo humano de mediatiza, entrando no sistema da linguagem (Lacan, 1986 [1954]). O que Lacan deixa claro na citação acima é a relação de dependência estabelecida entre o sujeito e a linguagem, entre o sujeito e o significante e, em última instância, entre o sujeito e seu próprio corpo. Desta última relação, destaco a disjunção primordial entre o sujeito e seu corpo. Se, em Psicanálise, se diz que o sujeito tem um corpo, e não que ele é um corpo, é porque entre um e outro há a linguagem. Nosso acesso ao corpo se dá pela palavra, pelo ato significante que, ao matar a “natureza” – o que o biológico encarna de “factual”, vale-se disto para narrar a história do sujeito, a partir do “fato de se ter um corpo mais que o de ser um organismo” (André, 1986, p. 99).

Em relação ao Real, ao longo do Seminário 20 - Mais, Ainda, Lacan articula a noção de corpo ao conceito de gozo. Nas palavras de Lacan (1985 [1975], p. 35), “a substância do corpo, com a condição de que ela se defina apenas como aquilo de que se goza. Propriedade do corpo vivo, sem dúvida, mas nós sabemos o que é estar vivo, senão apenas isto, que um corpo, goza-se disso”. Assim, em relação ao real, o corpo, além de ser afetado pela linguagem, goza. Miller (1998) retoma as afirmações de Lacan de que "é preciso que haja um corpo para gozar, somente um corpo pode gozar" (p. 93), lembrando que a conseqüência dessa evidência é que o corpo não deve ser só pensado como simbolizado, porque “simbolizado quer dizer mortificado" (p. 95). Para gozar, é necessário o corpo vivo. Assim, amplia-se o lugar do corpo na teoria lacaniana na medida em que ele é repensado à luz do Real e do gozo.

O corpo em psicanálise encarna marcas de gozo, e diz da “corporificação do significante, ou seja, a forma pela qual o significante afeta o corpo”, nas palavras de Maria do Rosário Barros (p.153). Se, conforme Lacan, o sujeito não é um corpo, mas ele o tem, considero importantes e pontuais as palavras de Jacques-Alain Miller:

Muitas vezes fiquei impressionado por Lacan fazer questão de que se dissesse que o homem ‘tem’ um corpo, e não que ele ‘é’ um corpo. Acredito ter entendido o porquê. É porque, para o homem, não se pode fazer equivaler ser e corpo (...). Não podemos evitar o paradoxo do corpo humano vivo e falante (Miller, 1999, p. 130).

A relação entre corpo/ fala/ gozo denuncia a hiância constituinte desta relação, que se conjuga em tempos verbais em desalinho, retomando esta idéia de um capítulo anterior: “eu fui isso somente para tornar-me o que eu posso ser” (Lacan, 1966 [1978], p. 116). Esta afirmação dá continuidade às reflexões e complexas interpretações desenvolvidas por Lacan a respeito da expressão de Freud (1933 [1932]), “Wo es war soll Ich werden”, no texto A decomposição da personalidade psíquica64, traduzida como “onde

o Isso está, o eu deve advir”.

Na assertiva de Lacan (1985 [1975], p. 161), no Seminário 20, ao dizer que “falo com meu corpo, e isto, sem saber”, está posta a presença de uma impossibilidade: o corpo do ser falante diz da impossibilidade de ser, apenas de ter é que se trata o falasser65.

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Texto de Freud referente à 31ª Conferência das Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise, vol. XXII, Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Freud.

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A questão do conceito de falasser me conduziu a outras, durante a última Jornada do Curso de Formação em Psicanálise (EBP/ Seção SC em formação). Foram elas: entendo que o conceito de falasser implica o corpo à noção de gozo, à falta estrutural deste gozo que se dá pelo corpo do outro, de um corpo que goza com o corpo do outro. Em relação ao conceito de sujeito, o de gozo diz de um corpo que este sujeito tem? São conceitos tomados em relação às diferentes prevalências dos registros R S I, nos diferentes ensinos de Lacan, então pode-se pensar que o corpo do falasser diz do gozo, e que temos acesso a este modo de gozar pela via significante, que produz seus efeitos no corpo do sujeito, afeta-o. Se o falasser combina significante e gozo, então é do ponto de vista do real que o significante passa a ter outros efeitos que não somente os de significar, mas de significar modos de gozo, pelo que o real insiste em se fazer presente. Finalmente, o que marca o conceito de sujeito é o significante, e o que marca o de falasser, é o gozo. Uma passagem conceitual efetuada por Lacan em relação às diferentes primazias do Imaginário sobre o Simbólico, do Simbólico sobre o Imaginário e do Real sobre o Simbólico. (considerações tecidas também durante as aulas do curso de Formação em Psicanálise, EBP Seção SC).

O corpo-efeito da integralidade do conceito de saúde do SUS

Retomo aqui a escrita do site do Ministério da Saúde, no setor “O SUS de A a Z”, em que a saúde é entendida como:

Direito universal e fundamental do ser humano, firmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e assegurado pela Constituição Federal, que estabelece a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, garantido mediante políticas sociais e econômicas

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