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CAPÍTULO IV – OS CRUCIFICADOS DO BOM JESUS CONSELHEIRO EM

4.2 O CRISTO CRUCIFICADO: ASPECTOS HISTÓRICOS

140 A devoção ao Crucificado ou Bom Jesus foi vulgarizada a partir da Contrarreforma, entretanto sua origem remonta ao período medieval. Antes desse época, essas representações eram vistas com sérios receios.

Na aurora do século IV, a figura do Cristo era representada como o Bom Pastor, carregando no ombro um cordeiro. Com o crucifixo aparece em parcas ocasiões, certamente pelo caráter infame do instrumento de martírio, embora já houvesse uma certa preocupação por parte da igreja em relacionar a cruz com a salvação das almas. Nesse sentido, é mister ressaltar que as cenas referentes à Paixão não eram facilmente encontradas, pois podiam ferir os sentimentos dos precursores do cristianismo.

Na representação da crucificação, era comum encontrar uma infinidade de tipologias tanto da figura quanto dos seus atributos: cabeça declinada à direita ou acompanhando o eixo corporal, com ou sem coroa de espinhos, pés pregados ou separados com um ou dois cravos e repousando ou não sobre supedâneo, braços em diagonal ou horizontal, perizônio longo ou curto, tronco contendo as marcas da lança que tanto pode ser na direita ou na esquerda, com ou sem resplendor, tabuleta e mandorla.

Segundo Maria Jose Assunção da Cunha (O Museu da Inconfidência, 1995, p.90), à volta do crucifixo, aparecem personagens e objetos. Nossa Senhora da Angústia ou das Dores, de joelhos ou em pé, em sofrimento contido, ao lado de São João. Quanto a Maria Madalena, poderá ou não aparecer ao pé da cruz, de joelhos, portando seu atributo – um vaso de perfume. Às vezes surge numa gruta escavada no pedestal em meditação. Uma caveira, ou caveiras e tíbias que se apresentam em certos pedestais têm significado especial: representam o Gólgota, que, segundo a tradição, é a palavra aramaica significando o lugar do crânio. Assegura que Nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado ao lado do sepultamento de Adão.

No tocante à iconografia, existem basicamente duas tipologias do Cristo crucificado: Senhor da Agonia e Senhor do Bonfim ou Bom Jesus (Figuras 68 e 69). No primeiro, nota-se que ele ainda está vivo, de cabeça erguida, olhos voltados para o céu e boca entreaberta. No segundo, evidenciamos um Cristo já morto: corpo repleto de chagas, cabeça caída, tendo os olhos e a boca fechados.

Sendo bastante comuns no mundo lusitano, bem como no Ocidente quanto no Oriente, “as cenas da Paixão de Cristo foram alvo principal da devoção dos católicos de então. Apareciam os Cristos Crucificados isoladamente, ou formando conjunto com N. Sra. Das Dores, S. João Evangelista e Madalena. Esculpiam-se o Cristo Morto e os Passos da Paixão, desde os pequenos conjuntos colocados em oratórios domésticos, quanto sob a

141 forma de imagens de roca, quase de tamanho natural. A imagem principal, no entanto, era a do Cristo Crucificado”. (FLEXOR, 1997, p, 02)

Figura 68: RUBENS, P.P, O Cristo Crucificado, Óleo sobre tela (1610). Disponível em < http://www.pintoresfamosos.cl/obras/rubens-2.htm> Acesso em 25 de junho de 2017.

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Figura 69: VELÁZQUEZ, Diego, Cristo Crucificado. In: La Guía del Prado. Madrid: Museo Nacional del Prado, 2009, p.111. Óleo sobre lienzo (1632).

143 O Crucificado tinha lugar de destaque e era privilegiado em todos os ambientes católicos e devia ser o primeiro da hierarquia celeste na terra. A imagem da cruz e a figura do crucificado criaram uma simbiose com tanta intensidade expressiva que se transformaram na simbologia do sacrifício do redentor.

As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia abordava no seu livro 4o: E no que toca a preferência dos lugares, que entre si devem ter nos Altares, declaramos, que sempre as Imagens de Christo Nosso Senhor devem preceder a todas, e estar no melhor lugar; e logo as da Virgem Nossa Senhora; e depois a de S. Pedro Principe dos Apostolos; e que a do Patrão, e titular da Igreja terá o primeiro, e melhor lugar, quando no mesmo Altar não tiverem Imagens de Christo Nosso Senhor, ou da Virgem nossa Senhora... (CONSTITUIÇÕES, 1853, L.4, p.256, 257).

“Na Bahia, as representações e devoções a Cristo multiplicaram-se de várias outras formas. Como não se davam figuras à Deus e ao Espírito Santo, é o Filho que encontramos nos crucificados barrocos, presentes em todas as igrejas - e obrigatório acima do sacrário no altar-mor – e no lugar mais alto dos oratórios particulares baianos”. De certa forma isso explica as várias invocações que o Cristo Crucificado foi recebendo ao longo do tempo, sendo a mais conhecida na Bahia, a do Senhor do Bonfim (FLEXOR, 1997, p. 3).

As romarias ao Bom Jesus são momentos relevantes no que tange as crenças brasileiras e estabelecem um circuito de fé vivenciado em larga escala pelas gentes brasileiras através das devoções populares. Na voz de Azzi (2001, p. 302), no que se refere a devoção ao Bom Jesus, afirma que “no imaginário popular ela é centrada no mistério da paixão e morte de Cristo, e vivenciada no dogma do calvário. Ainda segundo o autor, o Bom Jesus pode ser representado em cinco iconografias distintas: coroação de espinhos, caminho do calvário, crucificação, morte no calvário e sepultamento”.

Flexor (apud SANTANA, 2009, p.85), nos informa que as várias invocações ao Bom Jesus Sofredor que foram ocorrendo ao longo do tempo, tornaram-se devoções importantes na Bahia. Dentre elas destacam-se o “Senhor Bom Jesus da Cana Verde, Senhor Bom Jesus dos Passos, Senhor Bom Jesus dos Navegantes, Bom Jesus da Lapa, Bom Jesus do Monte Santo e o Bom Jesus do Senhor do Bonfim”, sendo esta última a devoção mais difundida na Bahia. Senhor do Bonfim é a designação dada no período colonial aos Cristos crucificados.

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