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PROBLEMÁTICAS DO FIM DA VIDA

2.1. Os seminários sobre a morte e o morrer

2.1.2. O cunho da esperança

Em todas as fases descritas pela autora há um traço comum que está presente em todos os doentes: a esperança. Segundo Kübler-Ross,

In listening to our terminally ill patients we were always impressed that even the most accepting, the most realistic patients left the possibility open for some cure, for the discovery of a new drug [...] (Kübler-Ross, 1969: 148).

A esperança é um sustentáculo para os doentes num nível tal que permite que se sujeitem a mais e mais exames médicos, sempre com a

expectativa de encontrarem uma derradeira cura para os seus problemas de saúde. Esta esperança poderia assumir variadas formas, como constatou Kübler-Ross:

It may come in form of a new discovery, a new finding in a research laboratory, a new drug or serum, it may come as a miracle from God or by discovery that the X-ray or pathological slide really belongs to another patient.It may come in form of a naturally occurring remission, [...] but it is this hope that should always be maintained whether we can agree with the form or not (Kübler-Ross, 1969: 264).

Para além desta defesa de manutenção da esperança do doente, Kübler-Ross constatou que, quando os doentes deixavam de apresentar sinais de esperança, encontravam-se preparados e, pouco tempo depois, morriam. Para além deste facto, Kübler-Ross também evidenciou dois tipos de esperança: a esperança inicial, que está relacionada com a possibilidade de encontrar-se uma terapêutica curativa, e uma esperança tardia, de curto prazo, que o doente sente quando se apercebe de que a terapêutica já não é eficaz e envereda então por uma esperança numa vida após a morte e/ou uma esperança dirigida para as pessoas que irá abandonar a curto prazo. Kübler-Ross exemplifica:

[...] a young mother who was dying changed her hope shortly before her death with the statement, “I hope my children can make it.” Another woman, who is religious, said to me, “I hope God will accept me in His garden” (Kübler-Ross, 1969: 158).

Ainda a propósito da esperança, Kübler-Ross refere alguma conflitualidade que, por duas razões básicas, poderá ocorrer entre a pessoa doente e as pessoas que a rodeiam:

- quando os técnicos de saúde e a família já não acreditam na cura e o doente ainda precisa que lhe acalentem alguma esperança para continuar a viver e não se sentir desamparado;

- quando a família se agarra a uma esperança férrea e é incapaz de aceitar o fim do seu ente querido numa altura em que o próprio doente já não espera mais nada excepto o seu fim (cf. Kübler-Ross, 1969: 149; Kübler- Ross, 1974: 81).

Para Kübler-Ross, esta conflitualidade seria evitada através do acompanhamento do doente, isto é, mesmo quando a situação é profundamente grave e não há perspectiva de cura, há que afirmar junto do doente: “To my knowledge I have done everything I can to help you. I will continue, however, to keep you as confortable as possible” (Kübler-Ross, 1969: 150).

Ainda na mesma linha, Kübler-Ross indica-nos outro aspecto essencial no bem-estar da pessoa em fase terminal: a comunicação sobre a morte. Numa primeira abordagem, pensaríamos que os doentes em fase terminal não desejam falar sobre a morte. Contudo, Kübler-Ross revela-nos o contrário:

They all expressed their appreciation of sharing with us their concern about the seriousness of their illness and their hopes. They did not regard their discussious of death and dying as either premature or contraindicated in view of their “comeback”. [...] Several of them asked to meet with their family in our presence before going home, in

order to drop the façade and to enjoy the last few weeks together fully (Kübler-Ross, 1969: 150).

Deste modo, Kübler-Ross defende com veemência a ideia de falarmos sobre a morte e o morrer nas nossas vida, não escamoteando o tema:

It might be helpeful if more people would talk about death and dying as an intrinsic part of life [...]. If this were done more often, we would not have to ask ourselves if we ought to bring this topic up with a patient, or if we should wait for the last admission (Kübler-Ross, 1969: 150).

A sua convicção neste ponto é suficientemente forte para a levar a pensar que faremos mais mal em evitar abordar a temática do que em disponibilizarmos tempo para ouvirmos e partilharmos o assunto, especialmente junto de alguém que está próximo da morte. Muitos dos moribundos desejam comunicar, partilhar sentimentos ou simplesmente desabafar, e quando nos sentamos ao seu lado e nos dispomos a ouvi-los, a reacção é de alívio e de maior esperança.

A experiência que, como profissional de enfermagem, pude obter durante sete anos, permite-me confirmar estas afirmações de Kübler-Ross. De facto, os doentes em fase terminal são ávidos de relação humana e temem o abandono. O estabelecimento de uma relação mais profunda com alguém é o ponto de partida para a compreensão das necessidades do doente e a garantia de que a pessoa não é abandonada27.

27

Para uma visualização actual do morrer e das necessidades dos moribundos, veja-se p.ex. HENNEZEL, Marie (1997). Diálogo com a morte. É um relato acerca dos que morrem nas

Contudo, a situação que se vive nas unidades de saúde actuais não é animadora, isto é, os cuidados prestados à pessoa no fim da vida não estão acompanhados pelas ideias de Kübler-Ross. Esta situação é devida em grande escala ao escamoteamento da morte do discurso da sociedade. Na senda do que foi afirmado por Kübler-Ross, é imprescindível falarmos da morte como algo intrínseco à vida.

Exorcizar ou ignorar a morte, gera uma sociedade neurótica e traumatizada, enquanto que pensar no sentido da vida e da morte, e assumi-la como constituinte natural da vida, conduz à maturidade e ao equilíbrio (Barros de Oliveira, 1998: 18).

Este é um ponto crucial para a nossa sociedade, reintroduzir a morte no seio da comunidade. Como nos afirma Hennezel, é necessário “Uma sociedade que, em vez de negar a morte, aprenda a integrá-la na vida” (Hennezel, 1997: 13).

Partilhamos da ideia que Herbert Hendin, a propósito do suicídio assistido, expressa no seu livro Seduced By Death, de forma categórica:

We need public education courses in how to manage the last phase of life – course that cover every aspect from aging and terninal illness to living wills and the right to sedatin if pain is intractable. Such an education process will need the involvement of public officials as well as lawyers, ethicists, and doctors (Hendin, 1998: 248).

unidades de cuidados paliativos. Algumas das descrições concordam com as ideias de Kübler-Ross, nomeadamente as que dizem respeito à necessidade de comunicação, relação e acompanhamento do doente em fase terminal.

Esta situação é mais grave quando pensamos sobre a nossa morte ou quando somos atingidos pela morte de algum ente querido e nos confrontamos com a fragilidade, o efémero do nosso ser e revisitamos as nossas dúvidas mais profundas. Afinal, o que somos? Porque morremos? Haverá vida após a morte? Penso que na impossibilidade de comprovarmos cientificamente a vida para além morte, pelo menos temos a possibilidade de compreender o morrer e ajudar os que estão próximos da morte. Contudo, não esqueçamos que os que morrem têm família e amigos, e esses deverão ser um epicentro de cuidados.

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