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O DANO EXTRAPATRIMONIAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

De certo, a Lei da Reforma Trabalhista, como é chamada a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, procurou regular aspectos do contrato de trabalho anteriormente sem normatização explícita. Desta forma, pode-se apontar que esta Lei veio suprir lacunas existentes na ordem jurídica do País.

Entretanto, no preenchimento dessas lacunas normativas, o fato é que o novo diploma legal buscou, em praticamente todas as situações contempladas, assegurar uma padronização de proteção e garantias ao valor trabalho e à pessoa humana, que foi o que ocorreu em alguns dos artigos implementados no Título ll-A - Do Dano Extrapatrimonial -, composto pelos arts. 223-A até 223-G.

De fato, o tema “dano extrapatrimonial”, incluindo moral, estético e existencial, bem como o material, ainda não haviam sido normatizados pelo texto da Consolidação das Leis do Trabalho. Entretanto, esta ausência de normatização trabalhista específica não trazia qualquer dificuldade ou problema significativos, em vista da evidente aplicação das regras constitucionais e civilistas existentes para os casos de danos similares na esfera trabalhista.

À vista disso, a Lei nº 13.467/2017 optou por realizar uma regulação específica frente ao assunto, interposto pela inserção de um novo segmento na CLT, o Título ll-A - Do Dano Extrapatrimonial -, composto pelos artigos 223-A até 223-G, com diversos parágrafos e incisos. Eis o conteúdo do novo texto normativo, o qual será o objeto de estudo deste capítulo:

TÍTULO II-A

DO DANO EXTRAPATRIMONIAL

Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste

Título.

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.

Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física. Art. 223-D. A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.

Art. 223-E. São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.

Art. 223-F. A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.

§ 1o Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.

§ 2o A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais. Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I - a natureza do bem jurídico tutelado II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III - a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII - o grau de dolo ou culpa;

VIII - a ocorrência de retratação espontânea;

IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X - o perdão, tácito ou expresso;

XI - a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII - o grau de publicidade da ofensa.

§ 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

§ 2o Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.

§3o Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.

Inicialmente, o legislador no art. 223-A tentou isolar a nova regência normativa inserida no Título II-A da CLT das demais legislações que envolvem o tema “dano extrapatrimonial”, tais como a Constituição da República, os diplomas internacionais, além dos diplomas normativos externos à Consolidação das Leis do Trabalho, tal como, ilustrativamente, o Código Civil Brasileiro de 2002.

Quanto a este ponto, o ilustre doutrinador Mauricio Godinho Delgado pondera que “mediante a interpretação científica dos dispositivos analisados, com o concurso dos métodos lógico-racional, sistemático e teleológico fornecidos pela Hermenêutica Jurídica, ao invés de se ater o intérprete à mera leitura gramatical e literalista dos preceitos componentes do novo Título II-A da Consolidação das Leis do Trabalho”28 é possível superar esta determinação de utilização de apenas dispositivos elencados no título em análise.

Desta feita, uma interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do preceito legal demonstra que existem normas gerais e superiores, dadas pela Constituição de 1988 e pelas normas internacionais de direitos humanos vigorantes no Brasil, que incidem na regulação da matéria incluída por esse título especial recentemente implementado na Consolidação.

Ademais, as regras sobre indenizações por dano moral tipificadas no Código Civil Brasileiro e em outros diplomas normativos da República, respeitada a compatibilidade de tais regras externas com os princípios e a lógica jurídica estrutural da Consolidação das Leis do Trabalho incidirão caso haja necessidade de integração jurídica.

Em análise contínua, conforme o que reputam Vólia Bomfim e Leonardo Borges “O art. 223-B da CLT excluiu a coletividade como sujeito de direito, pois afirmou que "são as titulares exclusivas do direito a reparação...”

28 DELGADO, Mauricio Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no

a pessoa física ou jurídica vitimada. Logo, eliminou a possibilidade de reparação do dano coletivo.”29

No que tange aos artigos 223-C e 223-D, estes trazem os bens juridicamente tutelados, respectivamente, em relação à pessoa física e à pessoa jurídica. Em uma análise literal, aparentemente estes artigos tentam apresentar um rol exaustivo. Entretanto, a interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica dos artigos supracitados constata-se que se trata de um rol meramente exemplificativo.

O que restou estabelecido no art. 223-E da CLT não é nenhuma novidade na legislação, tendo em vista que o texto desta norma encontra previsão no artigo 942 do Código Civil Brasileiro, em que estabelece que “São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932”. Diante desta previsão, o art. 932, III, do mesmo diploma legal, dispõe que o empregador responde pelos atos praticados por seus empregados, no exercício do trabalho, ou em razão dele. Ou seja, este dispositivo em análise veio apenas ratificar na legislação específica trabalhista, o que já restava tipificado no Código Civil de 2002.

O art. 223-F também não traz à CLT significativas inovações, tendo em vista que a possibilidade de cumulação de indenizações já era anteriormente consagrada no ordenamento jurídico, à luz do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal e da Sumula 387 do Superior Tribunal de Justiça. Conforme explica Gustavo Cisneiros em seus comentários à Reforma Trabalhista, “A cumulatividade é possível porque para cada lesão corresponderá uma reparação, afinal é com a lesão que nasce a pretensão (art. 189 do Código Civil).”

Quanto a discriminação pelo juiz do valor de cada indenização, a depender de sua natureza, tornou-se uma exigência processual com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, tipificada no artigo 292, inciso V, e aplicável ao processo trabalhista, nos termos no inciso IV do art. 3º da IN 39/2016 do TST).

29 CASSAR, Vólia Bomfim. BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Reforma Trabalhista. 1.

Em última e principal análise, tem-se um dos artigos mais polêmicos implementados com a Lei nº 13.467/2017, que trata dos critérios de apreciação do juízo frente ao dano extrapatrimonial, bem como uma espécie de tarifação da quantificação do dano extrapatrimonial, o art. 223-G.

Quanto ao caput do artigo supra, este traz aspectos objetivos e subjetivos que podem agravar ou abrandar a indenização, refletindo nitidamente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, essenciais para uma análise do caso concreto e posterior juízo de valor quanto ao dano em cada situação.

Uma das grandes inovações implementadas neste Título acerca do dano extrapatrimonial é o que vem disposto no § 1º do artigo em análise.

É notório que nestas disposições da Lei nº 13.467/2017, é uma espécie de tarifação acerca do dano extrapatrimonial, em que o legislador estabelece para a fixação da indenização devida aos ofendidos, dependendo da natureza da ofensa configurar-se como leve, média, grave ou gravíssima, um quantum tendo como base de cálculo o último salário contratual do ofendido.

Posto isto, criou-se uma situação de constitucionalidade contestável, pois a lei terminou por quantificar o dano às pessoas e aos direitos a ela inerentes, de acordo com um critério econômico da relação de trabalho.

Ao criar tal diferenciação, essa regra afrontou o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos presentes na Constituição Federal de 1988 (art. 1º, III, Constituição Federal), além de ofender o princípio da igualdade, insculpido no art. 5º da Carta Magna, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Pouco tempo após a vigência da Lei da Reforma Trabalhista, a MP nº 808/2017 alterou a redação do § 1º do art. 223-G, para tomar como base de cálculo, para a fixação da indenização, o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.

Apesar de aparentemente minorar essa desigualdade cometida pela reforma trabalhista, a alternativa proposta pela Medida Provisória ainda não é a solução ideal para o problema.

Ao perseverarem esses parâmetros, os direitos inerentes à pessoa, se ofendidos na relação de trabalho, serão limitados em relação aos direitos

que qualquer pessoa tem como cidadão ou consumidor, pois nem o Código Civil nem o Código de Defesa do Consumidor impõem tais limitações. Isso é uma diminuição da condição de trabalhador, o que não é admissível diante dos fundamentos de nossa Constituição, em especial quando se refere aos valores sociais do trabalho.

Diante do encerramento da vigência da Medida Provisória nº 808/2017, a Lei nº 13.467/2017 retorna a sua plena eficácia, com o critério estabelecido da forma como o projeto foi inicialmente aprovado.

Um primeiro problema a ser enfrentado quanto a estes critérios estabelecidos, vem a ser a limitação em razão da natureza da ofensa, natureza esta que, por mais que o legislador tenha tentado objetivar, não definiu quais ofensas seriam leves, média, graves ou gravíssimas; razão esta que coloca os critérios no campo da subjetividade.

Em um caso concreto, em que determinado juízo entenda que determinado resultado de um acidente de trabalho tenha natureza média, e em outro juízo, o mesmo resultado também decorrente de um acidente de trabalho semelhante, seja considerado de natureza grave. A insegurança jurídica que circunda essa suposta objetividade de limitação pode gerar divergências, em que pelo menos neste ponto, apenas uma atuação legislativa, sanando esta lacuna, seria suficiente para dar uma melhor aplicabilidade destas normas.

Outro ponto no que tange a quantificação do dano extrapatrimonial na Justiça do Trabalho é a adoção do critério do último salário contratual do ofendido.

Notou-se que, mesmo bastante criticado após alteração legislativa estabelecendo o critério salarial como parâmetro, este critério já vinha sendo adotado por muitos juízes, como forma de quantificar o dano extrapatrimonial.

A adoção do critério supracitado se mostra claramente inconstitucional. Estes parâmetros estabelecidos violam o princípio da isonomia, com previsão no caput do art. 5º da Constituição Federal, restringindo a extensão do dano ao padrão remuneratório de cada empregado, de forma a violar os incisos V e X do art. 5º da CF.

Em um simples exemplo, analisado abstrativamente, percebe-se o quanto pode restar injusta a aplicabilidade do critério salarial como parâmetro para a quantificação do dano extrapatrimonial.

Supondo-se que caso duas empregadas sejam vítimas de assédio moral praticado pelo chefe destas, e considerando que uma ganha o dobro do salário da outra, ajuizando uma reclamação em litisconsórcio ativo. Levando- se em consideração que o juiz se convence do ato ilícito e condena o empregador a pagar uma indenização por dano moral a cada uma das empregadas; claramente não seria justo uma receber o dobro da indenização da outra, tendo restado prejudicadas em uma mesma situação, pelo único motivo da base de cálculo indenizatória estabelecida pela lei ser o último salário destas.

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