• Nenhum resultado encontrado

O debate da Humanização no campo da saúde coletiva

1.3 A Política Nacional de Humanização

1.3.1 O debate da Humanização no campo da saúde coletiva

A Saúde Coletiva no Brasil foi um espaço de debate organizado no cerne do Movimento de Reforma Sanitária. Na acepção de Fleury (apud PAIM & ALMEIDA FILHO 1998, p. 309), discutida na América Latina, a saúde coletiva é definida como “área de produção de conhecimentos que tem como objeto as práticas e os saberes em saúde, referidos ao coletivo enquanto campo estruturado de relações sociais onde a doença adquire significado”.

Para Canesqui (1995, p. 26), no entanto,

inegavelmente Saúde Coletiva é uma invenção brasileira. A origem dessa denominação partiu de um grupo de profissionais, durante o processo de distensão do regime militar e do reordenamento de um conjunto de práticas relacionadas com a questão da saúde, no fim da década de 70, combinando com preocupações de conferir maior organicidade à formação de pessoal no nível de pós-graduação stricto sensu e lato sensu, à produção de conhecimentos, à formulação da política de saúde e de reunir corporativamente distintos profissionais, pertencentes ao tradicional campo institucionalizado da Saúde Pública e das áreas acadêmicas de Medicina Preventiva e Social, Medicina Social e outras denominações congêneres.

Segundo Silva Junior (2006), no bojo da discussão da Saúde Coletiva, em meio à crise do governo militar, surgiram três relevantes propostas referentes à política de saúde, ancoradas em três vertentes teóricas. Estas vertentes vêm influenciar o debate sobre saúde e, subseqüentemente, sobre a integralidade, a humanização e o acolhimento.

A primeira proposta citada por Silva Junior (2006) é a da Silos. Originariamente baiana, tinha como eixo central

as recomendações da Comissão Nacional de Reforma Sanitária (1986), que indicavam um processo de regionalização das ações de saúde por meio de Distritos Sanitários como uma forma de descentralizar decisões, compreender os problemas locais e permitir maior acesso da população aos serviços de saúde (PAIM, 1995, apud SILVA JUNIOR, 2006).

Como concepção de saúde, esta corrente utilizou-se das propostas da epidemiologia social latino-americana, correlacionando a saúde com as condições de vida, ou seja, suas dimensões biológicas, ecológicas, da consciência, da conduta e dos processos econômicos, com base no conceito de reprodução social (CASTELLANOS, 1990, apud SILVA JUNIOR, 2006, p. 77). São adicionadas, ainda, as reflexões de Mario Testa, com a incorporação do Pensamento Estratégico em Saúde e, mais tarde, as diretrizes da Carta de Otawa, de 1986.

A segunda proposta é a da “Saudicidade”, de Curitiba, com origem no final da década de 1970, e que tem como lema: “Saudicidade: Saúde para a cidade, saúde para os

cidadãos que nela possam potencializar a plenitude da vida, isto é, o oposto da patogenicidade”, embasada pela

[...] discussão de Atenção Primária à Saúde e de Medicina Comunitária, foram propostas modificações na atuação das Unidades Municipais de Saúde [...] A saúde era entendida como determinação social e seus determinantes deveriam ser discutidos. As Unidades de Saúde foram organizadas segundo áreas de abrangência e seus serviços tomaram a forma de Programas (SILVA JUNIOR, 2006).

A tradição da epidemiologia social latino-americana forneceu o pensamento inicial sobre saúde e doença, e posteriormente, com a aproximação com a proposta baiana, essa concepção foi ampliada, justapondo-se, portanto, às diretrizes da Carta de Otawa e do Movimento de Cidades Saudáveis da Organização Mundial da Saúde-OMS (SILVA JUNIOR, 2006).

A terceira proposta foi lançada pelo Laboratório de Planejamento e Administração em Saúde-LAPA, no final da década de 1980, por um grupo de profissionais que ali desenvolviam suas atividades. Autores, como Emerson Merhy e Gastão Wagner Campos, iniciaram discussões acerca do processo de trabalho em saúde, do conceito de humanização em saúde, da necessidade da criação do vínculo e da responsabilidade pelos usuários, bem como do acolhimento como forma de humanizar as relações entre usuários e profissionais (SILVA JUNIOR, 2006).

Essa corrente teve como influência pensamentos diversos, tais como os de Carlos Matus, Mario Testa, Foucault, Guatari, Deleuze, da teoria da ação comunicativa de Habermas e Castoriadis. Mas no tocante à concepção de saúde, a terceira proposta utilizou-se de discussões que vinham ocorrendo na América Latina, levantando, entretanto, dois questionamentos acerca desta concepção:

Um, com relação à subjetividade e à individualidade, uma vez que essas não são valorizadas na percepção dos problemas de saúde. Refere-se à limitação da epidemiologia em perceber os aspectos individuais do adoecer, os desejos e interesses articulados na composição da demanda aos serviços. [...] O outro [...] diz respeito aos usuários e à incorporação de novos sujeitos sociais na luta em Defesa da Vida (SILVA JUNIOR, 2006, p. 103).

Assim, a corrente em Defesa da Vida recebe destaque no âmago da Saúde Coletiva, com suas publicações referentes, primeiramente, à integralidade, e posteriormente, à discussão da humanização. Esta última começou a ser discutida em meados da década de 1990, quando se iniciou o debate sobre o modo como estava se configurando o atendimento dos profissionais de saúde e aos usuários que acessavam este mesmo sistema. Uma vez que esta corrente determinou como um de seus princípios norteadores: “o serviço público de saúde voltado para a defesa da vida individual e coletiva”, foi defendida a idéia de que a humanização das relações seria condição essencial para a melhoria da qualidade do atendimento prestado. Para este grupo, a humanização é conceituada como “a garantia de acesso ao serviço e a todos os recursos tecnológicos necessários para defesa da vida, de forma imediata; à informação individual e coletiva, e à equidade no atendimento a todos os cidadãos” (SILVA JUNIOR, 2006).

1.3.2. A institucionalização da Humanização como estratégia