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3 CAPÍTULO 2: UM EDUCADOR SOB A LENTE DOS SEUS DISCÍPULOS

3.4 O declínio do Educandário São José e a aposentadoria do Mestre

O prof. Clementino é um símbolo e o seu nome equivale a uma legenda sugestiva. O peso dos anos ainda o não abateu para uma deserção. Retirar-se êle definitivamente do ensino seria um golpe traumático no fio de sua preciosa existência. (REVISTA EVOLUÇÃO, 1931, N°3, p.9).

Apesar do discurso que exalta o sujeito e suas habilidades enquanto educador, já havia algum tempo que Clementino Procópio analisava a possibilidade de deixar o magistério, não por não gostar mais de ensinar, e sim pelas condições financeiras que não permitiam mais que o Professor mantivesse o seu Educandário. As especulações sobre o encerramento das atividade do Colégio São José iniciara no começo da década de 1920. O próprio preceptor confidenciou sua intenção para Lino Gomes63, que expôs através de um artigo publicado pelo Jornal A Razão a intenção do mestre.

Há pouco visitando esse acreditado educandário, tive ocasião de ouvir o seu provecto diretor coronel Clementino Procópio, a respeito da carestia da vida. Dizia-me aquelle Professor: ah! meu amigo; tenho, com grande desprazer, de fechar o collegio, devido a carestia da vida. Há 48 annos que ensino, mantendo sempre o mesmo preços para seus alunos internos e semi internos, no entanto, já tendo sacrificado parte do que possuía no propósito de não aumentar as mensalidades, vejo agora que me é impossível continuar (JORNAL A RAZÃO, 1920, N°31)

63 Natural de Campina Grande, Lino Gomes da Silva nasceu 23 de setembro de 1864. “De origem humilde,

trabalhou como vendedor ambulante e carregador de água, tornando-se um grande comerciante na cidade. Político, foi vice prefeito de Cristiano Lauritzen”, em Campina Grande também militara na imprensa, além de ter sido um dos fundadores da Loja Maçônica Regeneração Campinense em 1923, falecendo em 1924. Ver: (MEMORIAL URBANO DE CAMPINA GRANDE, 1996, p. 164)

Todo o esforço do Professor para manter os preços das mensalidades iguais ao da fundação da sua instituição escolar, já vinha fazendo o educador se desfazer de alguns imóveis que possuía. Era necessário aumentar a mensalidade, todavia, o educador não queria fazer isso. Para Clementino Procópio, era melhor fechar do que estender os preços que os pais iriam pagar para matricular e manter o seus filhos. O educador se sentia “acanhado” em promover esse aumento, temendo ser visto pelos os familiares dos seus discentes enquanto um “explorador”. Lino Gomes convenceu o mestre a mudar de ideia, e a sua justificativa era a importância da casa de ensino para Campina Grande, sendo naquele momento o único colégio da cidade que abrigava o ensino secundário. Logo, o cerramento de suas portas significaria um prejuízo para a cidade, e os argumentos proferidos pelo colega fariam com que o educandário permanecesse ativo. Inclusive nesse mesmo jornal é veiculada uma propaganda do Colégio com os preços a serem pagos para os interessados em matricular os seu filhos. Confira a seguir:

Figura 2- Anúncio sobre as mensalidades do Colégio São José

Fonte: JORNAL A RAZÃO, 1920, N°31

O anúncio veiculado pelo Jornal A Razão não era novo e estava desde de 1918 sendo repetidamente publicada, inclusive o colégio permanecia com o mesmo tempo de atuação quando foi impresso pela primeira vez. Apesar de estar dissuadido da ideia de fechar o educandário, Clementino Procópio não aumentara de imediato as mensalidades da sua casa de ensino, em virtude da proximidade do cinquentenário do São José que seria comemorado em 1922. Após essa data não haveria mais impedimentos para se fazer o reajuste necessário para manter as portas abertas da instituição, e uma carta foi escrita pelo mestre para explicar os motivos que o levaria a promover os reajustes.

Há 48 anos completos hoje, abrimos o “Colégio São José”, com as mensalidades que ainda hoje cobramos, e que apesar da alteração natural que o correr dos tempos faz no valor de tudo, apesar das secas continuas que nos têm afligido, e não obstante a alta descomunal que o flagelo da guerra mundial elevou o preço dos gêneros alimentícios e da vida em geral por toda parte, nunca as aumentamos, desejando sempre, pelo contrário, mantê-las inalteradas até 1922, quando, queremos Deus, pretendemos festejar o jubileu da instalação do colégio. (ALMEIDA, 1978, p.318)

Os pretextos apontados para reajustar as mensalidades de acordo com Almeida foram aceitos, considerando que a manutenção do colégio estava acima do que era cobrado, e por esse motivo ameaçava fechar o educandário. Mas, por que esperar as comemorações do cinquentenário do São José para reajustar as mensalidades? Sobre esse assunto as fontes não nos apresentam uma resposta, contudo, através de uma pequena biografia do escritor João Norberto da Nobrega, nascido em Patos-PB publicada em um jornal do Recife em 1951, destaca que:

Escolas não existiam. Professores particulares eram raríssimos, mantinham colégios de que ainda se fala, a distância e preços impossíveis: Antonio Gomes no Brejo da Cruz e em Campina Grande, Clementino Procópio. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1951, N° 102)

As tarifas cobradas pelo Educandário São José não eram tão acessíveis como deixa transparecer os discursos que dão voz a Clementino Procópio. Todavia, com o passar dos anos e as mudanças ocorridas na economia mundial, que afetavam logicamente Campina Grande os valores para 1920 se tornaram obsoletos. Levando em conta que quando o educador ministrou suas primeiras aulas com essas tarifas, o espaço ocupado era o da sua residência, havia poucos alunos e não 120 discentes com o comparecimento de 80 anualmente64. Essa quantidade de alunos aumentava os gastos assumidos pelo mestre que em 1920 não conseguia mais fechar a conta com as tarifas que eram cobradas anteriormente.

Com muito esforço o Educandário São José conseguira comemorar os seus 50 anos, uma grande festa foi montada para comemorar essa data festiva, o paço municipal de Campina Grande conclamou a cidade para uma sessão especial para homenagear Clementino Procópio. Se fizeram presente alunos e ex-alunos, inclusive o escritor Hortênsio Ribeiro que discursara e entregara para seu antigo mestre uma condecoração do município pelos seus serviços prestados para o magistério campinense, se tratava de uma medalha de ouro.

64 Informações retiradas do Annuário de Campina Grande de 1925 para 1926, quando indica a capacidade de

Muito emocionado com a honraria recebida, o Professor agradeceu as palavras das gerações que passaram por suas mãos, manifestando em público o seu testamento “Dou alma a Deus, em que creio piamente. Dou os meus cincoenta annos de serviços à pátria. Dou meu corpo aos discípulos, inclusive filhos e netos. Dou a minha família o meu nome e minha memória” (ANUARIO DE CAMPINA GRANDE, 1925, P.176). Dessa forma, o discurso proferido pelo educador aponta que o mesmo desejava construir uma imagem que o colocasse na condição de defender que o seu trabalho estava voltado para os interesses da pátria, no desejo de disciplinar os jovens da nação para respeitar as hierarquias do Brasil, consolidando o projeto nacional instituído no período imperial, a qual se dar o início da sua carreira no magistério. Porém, este também revela o amor que sente em trabalhar com a mocidade, tanto que este afirma doar o seu próprio corpo a este ofício por longos anos. É provável que seja por esse motivo que o mesmo não reajustou as mensalidade de sua casa de ensino em 1920, aguardando passar o momento festivo. A documentação pesquisada não aponta se após as comemorações do cinquentenário Clementino Procópio aumentou as mensalidades, pois nesse período festivo o educador recebeu uma notícia importante advinda do governo do Estado. O presidente da Paraíba Sólon de Lucena65 tinha concedido um aumento da aposentadoria do mestre

Em 1922, estava eu no palácio, conversando com o Presidente Solon de Lucena, quando perguntou-me qual era a situação de meu pai, como Professor público aposentado de Campina Grande. Contei-lhe que êle havia ensinado durante 40 anos desde a monarquia quando moço, fizera concurso para cadeira primária daquela cidade, tendo se aposentado com cem mil réis. O presidente achou ridícula a remuneração. Dias depois, sem que eu lhe tivesse pedido a Assembléia do Estado votava uma lei mandando dar ao Professor Clementino Procópio uma pensão de 300 mil réis. (PROCÓPIO, 1962, p.147-148).

O aumento da pensão promoveria a continuidade do educador a frente do magistério campinense, dando suporte para a manutenção do Educandário São José. O colégio permaneceria ativo até 1932, quando fecharia as suas portas, ficando na lembrança daqueles que passaram por aquele ambiente. Os motivos que levaram ao fim do Educandário mais antigo de Campina Grande, seria a competição de novos educandários com estruturas melhores e com uma qualidade de ensino que seria superior a instituição do mestre, que sofria já algum tempo com a competição de outros colégios. A idade do Professor que superava os

65 Natural de Bananeiras-PB, Sólon Barbosa de Lucena nasceu no ano de 1878, foi um político que por duas

vezes esteve à frente do Governo Paraibano, a sua primeira oportunidade ocupando a cadeira de gestor da Paraíba, foi em 1916 de primeiro de Julho a 22 de outubro desse ano. Voltando a ocupar esse cargo em 1920, a qual permanecera até 1924, inclusive foi nesse ano em que falecera.

75 anos era outro empecilho, e a sua saúde estava comprometida, e dessa maneira era difícil para o mesmo assumir a instrução de tantos jovens. Um outro fato que culminaria para o encerramento das atividades do São José, foi uma comissão formada em 1930 para investigar atos considerados suspeitos por essa incumbência na gestão do ex-presidente João Suassuna66. Todavia, essa comissão acabaria suspendendo o reajuste feito por Sólon de Lucena na aposentadoria do educador. Esse ato foi considerado por Severino Procópio como insatisfatório, tendo em vista que o mesmo apoiava o governo vigente. O filho do mestre demostra a sua insatisfação com essa ação “O que deveriam fazer de importante não fizeram por covardia, ou conveniência suspeita. Elementos da comissão estavam agindo com sabedoria perniciosa e maléfica. (PROCÓPIO, 1962, p.148). Essa ocorrência teria um efeito danoso para o educador, com o desfalque financeiro que tinha sido emposto, o Professor se atolaria em dívidas. Até mesmo sua biblioteca seria vendida em 1938 para a prefeitura campinense pela sua esposa para suprir as suas necessidades, após a morte do educador.

Nesse sentido, o fim do São José, forçou Clementino Procópio a se aposentar, apesar de ter assumido outras identidades ao longo de sua vida. Era enquanto Professor que o sujeito se reconhecia. Por isso a Revista Evolução é feliz na sua afirmação, quando destaca que retirando o preceptor do ambiente que o mesmo estava habituado, era pôr fim a existência do homem. Foi encerrar as suas atividade e Clementino Procópio morrera aos 80 anos em 1935. Fechava assim um livro, que por muito tempo passara seus ensinamentos para os jovens do interior paraibano. Nesse Capítulo apresentamos as lentes que registraram a história da educação campinense, foi através de alunos e familiares que refletimos sobre diferentes aspectos que estão intimamente relacionados com o papel do educador que o sujeito exerceu na sociedade como um todo através do magistério. No próximo capítulo iremos analisar a produção de lugares de memória para o Professor e como esses espaços também acabam se transformando em espaços de esquecimento.

66 Natural de Catolé do Rocha-PB, João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna nasceu em 19 de Janeiro de

1886. Foi um político que governara a Paraíba entre os anos de 1924 a 1928. Falecera em 9 de Outubro de 1930, tendo sido assassinado no Rio de Janeiro, o político era pai do também falecido Escritor Ariano Suassuna.

4 CAPÍTULO 3: NÃO HÁ CORPO, NEM MATÉRIA, SÓ EXISTE AGORA