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6.2 AS PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS

6.2.2 A ADESÃO AO TRATAMENTO

6.2.2.1 O desejo de viver

a) Tratamento e vida

No que diz respeito aos significados atribuídos ao tratamento da TBMR, aponta-se, em primeiro lugar, que está associado à “vida”, através da reconquista de algo que foi perdido: a “saúde”, considerada pelos pacientes, a primeira necessidade e valor humano (B39; C41; D31,34,36,37; E29,42; F33; G25; J8,27,29; M97; Q36; T22). Assim, superar a doença significa a chance de permanecer vivo, o que advém do cuidado, obtido pelo seguimento correto do tratamento (A19,31; B29,39; C11,12,37,48; D7,25,26,28,37; E11,34,41,42; F33,35; G10,17,25; I11; J3,7,8,29; L9,28; M121,126,175; P88; Q31,35,37; R5,17,18; S21; T22,48,52).

Na mesma lógica, o seguimento do tratamento está associado à “força de vontade”, admitindo-se que o objetivo maior é “querer viver” (A19; B17,27,43; C39, 48,51; D15,27,30,34,37; E29,34,42,44;

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F13,16,32,37; G12,19,28; H20,28; I12,15,43; J4,13,15; K13; M150,166,170,172; N31,37; O62,82,84,90,96; P32,94; R19,20,22,50; U26). Segundo os sujeitos, o desejo de viver, que “vem de dentro” do indivíduo doente, é essencial para a adesão e, dentre os outros elementos que também são essenciais, este deve estar “em primeiro lugar”, pois é a força motriz que permite enfrentar os obstáculos impostos pela doença, mantendo-se “firme” no tratamento (B23,39; C10,38,34; F20,30; I36,37,39,43; K28; O83,92,96; Q34; T26). Entretanto, figuram entre os principais obstáculos, aqueles que se referem ao próprio tratamento, como: as injeções e comprimidos (B17,27; C39; F32,37; G28; J13; R22), o longo tempo de tratamento (B17,27; H28; I12), além das dificuldades para a realização do TDO e comparecimento às consultas mensais no centro de referência (E42; N31; P32; R50).

Ao desejo de viver, associa-se a crença na possibilidade de cura, admitindo-se que, para a adesão ao tratamento, também é preciso “ter muita fé, (...) acreditar que, tomando os remédios direitinho, (...) vai melhorar da doença e curar-se”, pois somente assim é possível “lutar, (...) batalhar”, para superar as dificuldades, além da persistência, já mencionada anteriormente (B35,43; C38,55; D25; E43; F37; G11,12,16,27; H28; N40; O72,80,81,96).

Aponta-se que a “vontade de viver” está diretamente relacionada ao fato de apreciar a vida, de “gostar de viver” as coisas boas que só a vida pode proporcionar, tais como passear, viajar, divertir-se, trabalhar (E44; M92,94,95,96,97; P90); ou relaciona-se ao fato de considerar-se “muito novo” e que a “vida é maravilhosa para morrer jovem”, pois sentem que “ainda não tinha aproveitado nada da vida” (E29; J24), bem como não conquistaram projetos, tais como, casar-se, ter filhos, casa e carro próprios (E24,44; F26; J24; U27).

O desejo de lutar contra a TBMR e manter-se vivo também se relaciona à família: filhos, esposa, pais e netos, principalmente por não querer deixá-los órfãos, já que se sentem provedores e responsáveis por

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apoiá-los financeiramente (A22; B24; C27; E17,18; G19; M58,59,61; P85,86,87; Q24,35,36; S51; U27); mas, também, por não querer que os familiares sofram com a perda de um ente querido (A22; S52) ou por vê-lo doente (O84); ou, até mesmo pela alegria, pelo prazer de estar em família (B44; D27).

Com tais pensamentos, todos os sujeitos deste estudo aderiram ao tratamento e, de maneira geral, referem-se à adesão ao tratamento medicamentoso da TBMR, utilizando termos ou expressões, tais como: “sempre seguiu tudo à risca”; “tomar os remédios era religioso, (...) nunca falhou ou deixou de tomar por, sequer, um dia”; “sempre tomava os remédios, não parava dia nenhum”; “tomou as injeções, tomou os remédios tudo certinho”; “fez tudo direitinho, (...) como os médicos ordena”; “nunca jogou um remédio fora, tomou tudinho”; “cumpriu tudo certo, nunca faltou nenhum dia”, sequer naqueles dias mais difíceis para comparecer ao TDO, como nos dias chuvosos ou que sentiam-se “muito mal”, principalmente, devido aos sintomas da doença (C10,12,48; D15,19,34; F13,35; G10,14; H11; J7,8; K5; M29; N31; O62,66; R50; T46,48).

Em outra linha, mas retomando os significados atribuídos ao tratamento da TBMR, um paciente admite uma singularidade, ao apontar que está associado à reconquista da “beleza”, perdida devido ao extremo emagrecimento, que desconfigura o doente, “com o rostinho bem miudinho, a barriga só o coro”, o que é “muito difícil”, dado que suscita sentimento de derrota pela doença (M93,99,100,151,173,174).

b) TBMR e morte

A TBMR é admitida como doença “severa” (M175), que “derruba (...), maltrata muito” o doente, devido aos sintomas provocados (F21), que embora sejam praticamente os mesmos da TB, causam “mais transtornos”, por serem muito mais graves e intensos, o que leva a considerar que a TBMR é pior e mais letal do que a TB (S24).

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A grande maioria dos sujeitos refere que os fortes sinais e sintomas da TBMR, como falta de ar (C23; L1; S21), ausência de apetite (C23; L1,16; P67), emagrecimento (C23; D28; E31; F21; L1; R17,20) e fraqueza (A12; E31; F21; L1, R17), muita tosse (L1), vômito (L1), tontura (L1) e escarro sanguinolento (R20), os deixam acamados (E30; L16; M175; P67,75), sem capacidade física para desenvolver qualquer atividade, por mínima que seja: andar ou banhar-se (E30,31; M175; P75; O78,80), sem ânimo (F21; R17,20), sem vontade, inclusive de viver (L1).

Considera-se que os sinais e sintomas da TBMR causam “agonia no corpo”, fazem parecer estar morrendo (M16,175), “muito ruim, (...) muito doente, (...) praticamente morto”, o que os leva a admitir que a morte parece ser algo inexorável (C23; E30; J8; L1,16; S21,24; R20; P49,67). A inevitabilidade da morte também é admitida pelas pessoas que acompanham o paciente, pois a gravidade da doença se exterioriza principalmente através da debilidade física (L1; M99,101).

Assim, alguns pacientes clamam ao Divino pela morte que, por ser inevitável, a desejam que ocorresse o quanto antes, para aliviar o sofrimento (L1; M128; P67). Outro paciente, “chorando”, solicita ao médico para desenganá-lo, dizendo a verdade, dizendo que “não iria mais se curar, que iria morrer, (...) que não tinha mais jeito”, que o tratamento não teria resultado positivo (P124,125).

A percepção da inevitabilidade da morte, principalmente, nos primeiros meses de tratamento para TBMR, leva alguns sujeitos a “jogar tudo para o alto”, desistir de tudo, inclusive do tratamento e se “entregar à doença, (...) à morte, (...) pois não queria ficar sofrendo, pegando agulhadas em tudo quanto é canto, porque iria morrer mesmo” (E27; M56,57; R23; T10).

Admite-se que a abordagem do médico deve ser orientada para dizer ao doente, de forma clara e sincera, que a doença é “séria (...), grave, (...) complicada” e que pode “levar à morte”, em caso de não adesão ao tratamento, mas que é passível de cura, quando se realiza o “tratamento

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certinho” (H8). Advoga-se que obter do profissional a confirmação sobre a gravidade da doença, com possibilidade de “morte” amedronta; e a perspectiva de cura, em contrapartida, proporciona esperança, corroborando o seguimento correto do tratamento (H8; P112,113,115).

Frente à gravidade da TBMR e à percepção sobre a inexorabilidade da morte, há necessidade de fazer algo para evitá-la, sendo a superação da doença um objetivo a ser alcançado. Tendo em vista que são “os remédios que curam”, o tratamento medicamentoso é tido como a única ferramenta capaz de interromper a evolução da doença e promover a cura, contudo, para que isso ocorra, é essencial a adesão ao tratamento (B6,27,39; C26; D25,34,26; G14,26; H11, 12; I15; J3,8,27,29; K23,24; L15,28; M169; N32; Q31,36; R7,18; T41,52).

A ideia de que se promove a cura e evita-se a morte, somente através da adesão ao tratamento, advém da orientação do profissional de saúde, centrado no trabalhador médico (H8,9; P124,125; R18).

A associação da TBMR com a morte, em caso de não adesão, também decorre de experimentar a evolução para o óbito de parentes ou pessoas conhecidas que não seguiram o tratamento adequadamente (M168; S21,41,50; U26).

A ideia sobre a doença é que ela não se reduz ao órgão acometido, mas se amplia para a totalidade do corpo, interpretando-se que a TBMR faz perder totalmente a saúde, como bem expressa o excerto abaixo:

“ (...) cheguei a um ponto que eu estava emagrecido, tanto, que dava um ventinho e parecia que eu ia cair. Então, a doença tava me comendo: que de 56 kg ir para 47 kg! Eu cheguei a pesar 47 kg! 47 kg! (...) Parece que, quando ela é multirresistente, ela penetra no sangue, (...) ela vai tomando conta do corpo da gente tudinho! Por inteiro! Não é só no pulmão, é no corpo inteiro, ela come tudo, vai comendo a carne e tudo, né, e se der no osso é

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pior ainda (...) ela dá no osso também, aí, é pior ainda, é mais difícil de tratar; enquanto tá na carne, tá no sangue, ainda é bom, porque o remédio vai combatendo, mas, se deixar pegar no osso, é bem pior, (...) a pessoa (...) não aguenta mesmo e morre, (...) a doença mata (...)” (D28). Também aponta-se que, em caso de escapar à morte, pode-se evoluir para invalidez, devido ao comprometimento pulmonar provocado pela doença, acreditando que “perderia 70% do pulmão”, materializado pela falta de ar (C24).

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