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3 DESENHO INSTITUCIONAL DAS OUVIDORIAS DE POLÍCIA, A ACCOUNTABILITY

3.2 O Desenho Institucional mais Significativo para a Accountability Democrática

Após ter feito uma análise pormenorizada das ouvidorias de polícia selecionadas para a pesquisa, tanto da experiência internacional, quanto nacional, em função dos indicadores escolhidos para análise é possível estabelecer o desenho institucional mais significativo para a democracia, que a rigor é o objetivo maior deste trabalho, no sentido de apontar por estudo comparativo, o status quo de nossas ouvidorias de polícia e do mesmo modo, o significado para a democracia.

Isto posto é importante acrescentar que ao longo do capítulo 2 efetivamos a pesquisa das ouvidorias selecionadas, o que nos oportunizou chegarmos aos quadros 2.1 e 2.2, onde de modo sintético, apontamos o nível de ocorrência (Presença, Presença Em Parte e Ausência) dos indicadores selecionados, nas ouvidorias internacionais e nacionais pesquisadas.

Desta forma passamos a discorrer sobre quais desenhos institucionais são mais significativos para a democracia, sobretudo por oportunizar uma accountability responsiva, que como já vimos é relevante para aprimorar as relações entre Governo e sociedade civil, através da melhoria dos serviços públicos, prestados à população, sobretudo, os serviços inerentes à polícia, que por razões de natureza funcional, são imprescindíveis à democracia, uma vez que tem impacto direto quanto ao respeito aos direitos humanos.

Deste modo, passando a analisar as ouvidorias internacionais pesquisadas podemos afirmar que o desenho institucional mais significativo para a democracia é o modelo da Irlanda do Norte, seguido de perto pelos modelos da Suécia e da Espanha. Entretanto, mesmo mais distanciados destes modelos, as ouvidorias pesquisadas do Canadá e dos Estados Unidos, ainda encontram-se com um bom desempenho em relação às ouvidorias nacionais, embora necessário se faça analisar aspectos culturais e contextuais onde elas estão inseridas, conforme veremos.

Assim, como resultante da pesquisa podemos afirmar que a Ouvidoria de Polícia da Irlanda do Norte tem sua origem em antecedentes históricos relevantes quanto à violação dos direitos humanos, a exemplo do que também ocorreu na Espanha, o que dá legitimidade primaz a sua implantação. No caso da Suécia, a própria tradição de controle da administração

pública, mesmo antes do país estabelecer preceitos democráticos modernos, incitou esta legitimidade.

Ademais o Police Ombudsman da Irlanda do Norte é dotado de ampla autonomia política, pois é nomeado pela Rainha com o aval do Parlamento a quem presta contas de suas ações aos representantes do povo, bem como ao Ministro da Justiça e aos Tribunais e, o faz com freqüência anual, dando um forte indicativo de accountability institucional.

Em se tratando de autonomia administrativa, a agência opera com quadro próprio de funcionários com cerca de 100(cem) colaboradores, sendo 80(oitenta) deles investigadores profissionais, alguns dos quais policiais, mas não da Irlanda, que garante com suas experiências profissionais, a qualidade das investigações, mesmo recebendo críticas quanto à isenção, que são desqualificadas em função do alto padrão técnico apresentado.

Quanto à autonomia financeira, o órgão opera com orçamento próprio do qual presta contas anualmente ao Parlamento, sendo após a análise, publicado e amplamente divulgado para que a cidadania tenha dele conhecimento pleno.

Quanto à participação de órgãos vinculados aos direitos humanos na nomeação dos ouvidores, esta vertente imperativa não é uma tradição dos países pesquisados na esfera internacional, mas de resto passam pelo aval dos Parlamentos, sejam nacionais ou regionais, contudo conforme já enfatizamos há uma prestação de contas efetiva aos representantes do povo, acerca das ações desenvolvidas nos campos operacional e administrativo, o que de resto ocorre com todas as ouvidorias internacionais pesquisadas, diferentemente das ouvidorias brasileiras, conforme veremos.

No tocante ao fato da possibilidade de policiais ou ex-policiais serem nomeados como ouvidores isto não ocorre, apesar de que, no caso da Irlanda do Norte existem ex- policiais atuando como investigadores, onde a justificativa é a melhoria da qualidade da investigação, enquanto que nas outras ouvidorias pesquisadas tal possibilidade não existe, o que garante um caráter totalmente isento.

Com relação ao mandato, das ouvidorias internacionais, a da Irlanda, da Suécia, da Espanha e os ouvidores tem mandato fixo, enquanto que os membros do Law enforcement Review Agency (LERA), de Manitoba e os membros do Office of Independent Review (OIR) de Los Angeles, Estados Unidos são nomeados pelos supervisores do condado, permanecendo na função enquanto gozam da confiança dos supervisores, todavia de um modo geral tais

agências tem correspondido à confiança que lhes são atribuídas, o que fica evidente no esforço desprendido para cumprir bem as suas missões.

Em se tratando do poder de investigação das ouvidorias, resta comprovado que todas as agências pesquisadas no âmbito internacional tem como carro chefe de sua existência a função investigativa, ou diretamente, ou paralelamente em caráter revisor, mas todas sem exceção são dotadas de poderes normativos que lhes confere por Lei, amplos poderes de investigação e inspeções.

Com efeito, no Police Ombudsman da Irlanda do Norte esta componente é tão forte que lhe assegura o poder de iniciativa da investigação em situação desfavorável ao serviço público. Além do mais, quanto às denúncias não havendo consenso para resolução informal, o Ombudsman avoca o procedimento e nos casos mais graves a polícia é totalmente afastada do caso.

Acrescido a isso passa a investigar com um corpo técnico altamente especializado e contando com forte apoio dos órgãos independentes de perícia, o que melhora consubstancialmente a qualidade da prova para se chegar à verdade real e se atribuir a devida responsabilização.

A mesma lógica segue o Ombudsman Parlamentar sueco que também é dotado de amplos poderes de investigação e decisão sobre o destino dos implicados, desde advertências por falhas leves e gradativamente punições mais severas, mas um particular realce é dado as condutas recomendatórias decorrentes de cada caso, que no geral serve como correção de rumos com vistas ao aperfeiçoamento das instituições.

Do mesmo modo, El defensor Del pueblo espanhol também tem aporte vital de investigação com viés de responsabilização, respaldado inclusive em autonomia constitucional que lhe oferta a força política e a legitimidade pública para tal, uma vez que o defensor na Espanha goza do status Constitucional de protetor dos direitos humanos e fundamentais.

Na mesma lógica a ouvidoria de Manitoba no Canadá, detém o poder normativo estabelecido por Lei para investigar as queixas do público contra a polícia, através de investigadores profissionais, que após a conclusão dos trabalhos, os remetem a um comissário que: ou arquiva, ou busca a resolução informal por mediação, ou adota as sansões disciplinares ou remete ao juiz se entender que as provas são suficientes para sustentar uma

denúncia em audiência pública. Logo pelo visto fica evidente que a agência tem amplos poderes para responsabilizar agentes públicos e efetivamente o faz, conforme resta evidente nos casos verificados em seus relatórios.

Com relação ao OIR é uma comissão de advogados que tem competência legal atribuída por Lei para fiscalizar a divisão de assuntos internos do Departamento de Polícia de Los Angeles, tendo o dever de discordar dos processos investigativos conclusos ou em andamento, de sorte que é informada formalmente quando da abertura desses procedimentos e procede também, ao acompanhamento das investigações.

Desde modo nota-se que atua no monitoramento e revisões de processos investigativos conclusos. De todo o exposto, as ouvidorias pesquisadas todas elas apresentam um elevado padrão de fiscalização, monitoramento ou revisão de processos, contudo com forte poder de impor sansões e iniciar processos criminais e administrativos com o intuito atribuir responsabilização o que de fato o faz e, desta forma tem um forte significado para a democracia, diferentemente de nossas ouvidorias que não dispõem de capacidade para investigar, mas apenas para encaminhar e, timidamente monitorar os procedimentos, como veremos mais à frente.

Quanto ao monitoramento das práticas policiais com o fito de oportunizar recomendações, grosso modo todas elas fazem apenas com o diferencial que as recomendações terminam por ser amplamente observadas, sobretudo em função de que a lisura dos procedimentos atesta uma forte legitimidade dessas agências frente aos poderes constituídos e a cidadania, o que referenda a possibilidade de ter suas decisões recepcionadas inclusive nas corporações policiais, diferentemente do que ocorre com nossas ouvidorias, que já efetuam, inclusive através do Fórum Nacional dos Ouvidores de Polícia, preceitos razoavelmente relevantes para a segurança pública no país, mas que foram ignoradas por instâncias de governo e mesmo pelas instituições policiais o que por si só é autoexplicativo quanto a fragilidade de nossas ouvidorias.

Outro grande diferencial diz respeito à questão do poder de requisitar documentos necessários para o exercício do mandato dos ouvidores, que nas agências internacionais pesquisadas a autonomia política das ouvidorias implica em uma fortaleza muito grande quanto a ser atendidos nestas solicitações.

No casso da Irlanda do Norte o poder requisitório é tão forte que o trabalho investigativo tem status policial, ou seja, implica em responsabilização penal para quem negligenciar ou reter dados injustificadamente. No desenho institucional sueco, o Ombudsman funciona como um promotor especial com poderes de patrocinar acusações criminais, sendo-lhe assegurados todos os meios possíveis para persecução dos meios probantes, o que oferta grande capacidade de responsabilização dos agentes nocivos.

Do mesmo modo, no desenho institucional espanhol a lógica é a mesma, de sorte que é garantido por Lei com viés de prioridade assistir ao Defensor Del pueblo em todas as suas solicitações com vistas às investigações, inclusive nos casos dos documentos tidos como secretos, que ensejam ressalvas, mas a depender do caso é possível o acesso, via interseção do Congresso e do Senado.

No caso do LERA e do OIR também tem essas agências amplos poderes de requisição de documentos e dados e, até mesmo por tradição cultural, tem uma ampla possibilidade de ser atendidas em função da legitimidade que gozam perante as instituições em geral.

Quanto ao acesso irrestrito, a qualquer momento e sem necessidade de autorização a todas as instalações e dados policiais, na experiência internacional assim não ocorre. A capacidade de solicitar é grande e em o fazendo são atendidas, mas em todas elas impera a necessidade de solicitação prévia, ou seja, o acesso é amplo e possível, mas não irrestrito e a qualquer momento, o que é válido lato sensu até para as inspeções.

Quanto a publicação de relatórios, da mesma maneira todas elas assim procedem, com o diferencial que estas publicações são prescritos em norma e são vistas como prestações de contas, tanto perante os órgãos aos quais estão diretamente vinculadas quanto aos Parlamentos e Câmaras Legislativas.

Por outro lado, tais relatórios são densos e apontam o resultado do esforço laboral no período considerado e também a prestação de contas orçamentárias, além dos relatos dos casos investigados e, consequentemente, as orientações normativo-doutrinárias correspondentes, que como já salientamos tem grande possibilidade de serem adotadas como doutrinas nos órgãos policiais. Ademais, mesmo não sendo dotados de poder legislativo o conceito destes ombudsman perante a cidadania, sobretudo os modelos da Irlanda do Norte, da Suécia e da Espanha, implica na aceitação para a análise pelos Parlamentos dos

dispositivos de alteração legais por eles sugeridos, o que demonstra o efetivo poder disciplinar de correção de rumos que detém essas agências.

No que se reporta às pesquisas de opinião de satisfação dos usuários e razões pelas quais as vítimas de abusos não recorrem às ouvidorias temos que, no primeiro caso − pesquisas de opinião com viés avaliativo − estão presentes no desenho da Irlanda e da Espanha, nas demais não detectamos esta componente, contudo pelo grau de aceitação e legitimidade que gozam estas instituições perante as instâncias de governo, as corporações policiais e a cidadania, inclusive com as prestações de contas públicas e alta performance quanto aos resultados apresentados, são por si só, um garante de avaliação constante da cidadania.

Do mesmo modo, a questão do levantamento do porque as vítimas de abusos policiais não recorrem às ouvidorias com certeza não tem ressonância, em função de que, em ocorrendo tais abusos essas agências de pronto ou procedem diretamente à investigação ou, as registram e acompanham os procedimentos até o final, quando por fim tem a obrigação de dar uma resposta ao usuário em tempo razoável, tornando concreto o feed back aos interessados, não tendo como escapar desta realidade, diferentemente das ouvidorias brasileiras que dependentes das corregedorias não tem de forma efetiva como garantir um retorno aceitável as vítimas.

Quanto ao intercâmbio com outras ouvidorias ou instituições congêneres, além de órgãos vinculados a causa dos direitos humanos, temos que em todas as agências pesquisadas isto é uma práxis, de sorte que participam lato sensu de amplas redes nacional, internacional e supranacional como é o caso do Ombudsmn do Parlamento Europeu, contribuindo doutrinariamente neste sentido com a modernização das práticas de monitoramento e investigação das corporações policiais, conforme vivenciamos na analise per si de cada uma delas.

Ademais é preciso levar em consideração que o ombudsman sueco nasceu da tradição de fiscalizar as instituições públicas garantindo aos cidadãos uma prestação de serviço sintonizada com os direitos e garantias individuais. Na Irlanda, o Ombudsman de polícia nasceu da luta pelos direitos e garantias dos cidadãos contra os abusos policiais e o modelo espanhol, da mesma forma como garantia dos cidadãos contra as posturas dos governos autoritários.

Seguindo a mesma lógica, no Canadá e nos Estados Unidos em termos de abusos policiais, restando que em todas essas agências de um modo ou de outro vamos encontrar na condução de seus serviços, autoridades vinculadas e consagradas na luta pelos direitos humanos, como é o caso dos advogados que compõe o Office Independent Review de Los Angeles que tem um grau considerável de relevância para a democracia.

Quanto à existência de acesso direto do ouvidor com o cidadão concluímos que não é muito da tradição dessas agências o contato direto ouvidor-cidadão, como também abrir processo investigativo sobre denúncias anônimas, pois todo processo investigatório em cada uma delas deve ser precedido de denúncia por escrito.

Entretanto, todas essas agências dispõem dos mais modernos meios tecnológicos para auscultar as denúncias da população e a partir daí determinar as providências cabíveis. Contudo, o contato pessoal com funcionários das agências é perfeitamente possível para tal fim, do que após o registro seguem-se as providências cabíveis, mas a lógica de atender diretamente o cidadão pelo ouvidor é mais da tradição brasileira, sobretudo em casos mais impactantes conforme analisaremos.

Tal preceito, entretanto, não tem o aspecto valorativo destas agências, pois como vimos os cidadãos após o registro das denúncias tem in totum a garantia de uma resposta seja ela arquivamento e – daí se explica as razões − ou responsabilização dos prepostos policiais, ou mesmo, como é o caso, uma crítica ao denunciante, quando os aspectos da denúncia restar totalmente inconsistentes.

Isto posto fica evidente o grande poder fiscalizador que detém essas agências pesquisadas, o que decorre, sobretudo, do poder de monitoramento das práticas policiais e de investigações próprias, podendo inclusive avocar processos sob investigação dos órgãos internos, ou discordar abertamente deles revertendo as decisões iniciais.

Por outro lado, o conceito histórico dessas agências advêm do trabalho sério, responsável e isento, que as legitima inclusive no âmbito das corporações policiais, que são alvo das investigações, bem como das instâncias de governo e dos representantes do povo, em razão de seu aspecto corretivo-reparador com viés doutrinário, que tem como resultante a extrema melhoria dos serviços policiais à sociedade, que atesta o forte significado das agências para se chegar a uma accountability responsiva, que é extremamente significante para a democracia.

3.3 – O Status Quo das Ouvidorias de Polícia no Brasil e seu Significado para a