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O desenvolvimento da memória: algumas considerações

MEMÓRIA: ALGUMAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS

2.3 O desenvolvimento da memória: algumas considerações

Na área de pesquisa da memória infantil, a abordagem do processamento da informação constitui uma das principais estratégias para o estudo do desenvolvimento cognitivo (MELO, 2008).

Considerações lógicas e uma grande quantidade de pesquisas indicam que os bebês têm certa capacidade de memória, pois eles acabam por reconhecer pessoas, objetos e eventos familiares - rotinas diárias. A imitação e a busca de objetos escondidos - permanência do objeto - também requerem a memória de eventos prévios.

A memória não somente existe desde muito cedo na vida infantil, como também foi comprovado, por meio de experimentos, que os bebês têm habilidades de retenção de informação consideráveis.

Em um experimento de Fagan (1973 apud FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999, p.221), “bebês de 5 meses expostos a uma fotografia de um rosto, por apenas dois minutos, deram evidências de reconhecê-lo até duas semanas mais tarde”.

Embora a memória possa ser operativa e efetiva muito precocemente, ela não demonstra todo seu poder desde o início. Os bebês mais velhos conseguem reter informações por períodos mais longos de tempo do que os menores. Eles também requerem menos exposição inicial, ou menos tempo de estudo, para colocar um estímulo ou evento na memória.

Com o desenvolvimento, eles passam a codificar mais e mais informações de qualquer experiência em particular; à medida que suas habilidades cognitivas aumentam, tornam-se mais sensíveis aos aspectos cada vez mais complexos e sutis do mundo à sua volta, o que aumenta a probabilidade de relembrá-los.

Além disso, um ato de reconhecimento em um bebê mais velho ou em uma criança pequena, sem dúvida, inclui processos que não são encontrados no bebê pequeno. Quanto mais velhos, os indivíduos tendem a estar explicitamente conscientes do fato de que o objeto, ou evento, que eles reconhecem, é familiar e já foi experimentado.

Os bebês são capazes de reconhecer, mas não de recordar porque esta estratégia requer habilidades simbólico-representacionais que eles ainda não têm. Como muitos aspectos da teoria piagetiana, a afirmação de que recordar é impossível antes dos 18 meses de vida começou a ser contestada nos últimos anos.

A partir de então, os trabalhos sobre imitação adiada representam um grande desafio, pois ela não é a única indicação de que a capacidade de recordação pode emergir mais cedo do que acreditava Piaget. A busca por objetos desaparecidos oferece outra fonte de evidências.

A recordação implica na capacidade do bebê de lembrar as localizações típicas de objetos familiares, ao longo de períodos extensos de tempo, por exemplo, engatinhar até o armário onde fica seu cereal favorito, embora ele não tenha sido visto por vários dias. A maioria dos bebês demonstra essa memória de longo prazo para localizações de objetos familiares ao fim do primeiro ano de vida.

Outros estudos sobre o desenvolvimento da memória (MELLO; MIRANDA; MUSZKAT, 2005), também, demonstram que desde os primeiros dias de vida, os bebês mostram-se capazes de reconhecer a voz da mãe. A partir de então, é possível verificar que a memória explícita melhora substancialmente, até os 10 anos de idade. Em contrapartida, a memória implícita permanece relativamente constante até a fase adulta.

Os três componentes da memória operacional - alça fonológica, esboço visuoespacial e central executiva - também se tornam progressivamente mais eficientes. A ocorrência de ensaio subvocal é observada em crianças a partir dos 4 anos de idade, em tarefas de recordação livres de palavras. Nessa faixa etária, verifica-se uma maior eficiência da alça fonológica, associada a uma capacidade mais ampla de articulação das palavras, que tem papel fundamental na aquisição do vocabulário. As habilidades estratégicas de aquisição e recordação também melhoram continuamente, até atingir um nível de funcionamento típico do adulto, por volta dos 12 anos de idade.

De acordo com os autores (op.cit., p.115): “evidências experimentais de diferenças de desempenho relacionadas ao gênero também são consideradas, levando em conta as diferenças do desenvolvimento neurobiológico”. As meninas, frequentemente, obtêm melhores resultados em tarefas de memória verbal do que os meninos, pois elas têm uma evolução mais precoce das áreas relacionadas à linguagem.

Outro fator importante no desenvolvimento das estratégias de aquisição ou recordação de informações é o conhecimento de mundo do sujeito. Então, quanto mais as crianças estiverem familiarizadas com as relações de significado, existentes em um material verbal, mais facilmente estas relações são percebidas e usadas como meio de memorização.

Retomando Koch & Travaglia (1999), o conhecimento de mundo corresponde a todas as informações adquiridas e armazenadas na memória do indivíduo, e este conhecimento é que vai permitir a realização de processos cruciais para a compreensão.

Retemos, aqui, o que significa o conhecimento linguístico:

é um saber implícito que faz com que um indivíduo verbalize uma língua como falante nativo; abrangendo desde o conhecimento sobre como pronunciar o português, passando pelo conhecimento do vocabulário e das regras da língua para o seu uso. Permite a percepção dos vocábulos e sua organização em frases, identificando categorias como sintagma nominal, sintagma verbal e funções como sujeito e objeto (Fávero, 1999, p.71).

Ao adquirir, não só os conhecimentos de mundo e linguístico, como também o conhecimento partilhado, e aprender a fazer inferências no discurso interativo - com o outro -, a criança vai construindo gradativamente sua memória.

Segundo Flavell, Miller e Miller (1999), o conhecimento adquirido influencia, fortemente, o que as pessoas armazenam e o que elas recuperam. Assim, informações que têm pouco sentido para os indivíduos - que não se encaixam, prontamente, em sua estrutura de conhecimento adquirido, que não podem ser facilmente assimiladas em seus esquemas cognitivos existentes - tendem a ser difíceis de armazenar e recuperar.

A partir de então, levantamos a hipótese de que as crianças podem ser capazes de ter um desempenho melhor do que o dos adultos em uma tarefa de memória, se tiverem mais conhecimento do que eles em relação ao conteúdo a ser lembrado.

Lindberg (1980 apud FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999, p.205) descobriu que “crianças da terceira série (9 anos) tinham desempenhos melhores do que os universitários, em um teste de recordação livre, que continha itens altamente salientes e familiares para elas como personagens de histórias em quadrinhos”.

Nesta perspectiva, os autores afirmam que o conhecimento de conteúdos de uma criança é, muitas vezes, uma espécie de dicionário mental de objetos e das relações entre os mesmos.

E este conhecimento pode ajudar na recordação da criança, sobretudo, de três modos: primeiro, ele pode tornar itens específicos mais acessíveis, talvez porque eles sejam mais ricamente representados, por exemplo, com mais características; segundo, um sistema de conhecimento bem desenvolvido facilita a recordação, ativando as associações entre conjunto de itens de forma, relativamente, automática e sem esforço; e terceiro, ele pode sustentar estratégias, processos metacognitivos e o processamento de materiais em um nível categórico mais abstrato, que ajuda na recordação.

Considerando o conhecimento como a base de qualquer estratégia de memória que o sujeito possa usar, retornamos à ideia de Olson (1997), citada no item 1.2.1, sobre a compreensão na criança dos estados mentais intencionais, que ocorre por volta dos 4 ou 5 anos, em que ela passa a entender a possibilidade de que alguém possa acreditar em uma falsidade, começa a atribuir pensamentos a si mesma e as outras pessoas, surge aqui a referência sobre os estudos da teoria da mente.

Vale ressaltar que os primeiros estudos sobre a compreensão que as crianças têm sobre a mente foram desenvolvidos por Piaget (1982), no âmbito da psicologia desenvolvimental e constitui um dos temas mais pesquisados desde a década de 80.

Neste sentido, tomando como ponto de referência Dias (1993, p.588) “a Teoria da Mente é a capacidade de levar em consideração os próprios estados mentais como também os das outras pessoas, com a finalidade de compreender e predizer o comportamento”. Segundo a autora, entendemos, aqui, que esta teoria se baseia nas considerações das intenções daquele que apresenta seu discurso, o narrador, como também, o da outra pessoa na interação, o interlocutor.

Perissinoto (2006, p.4-5) lembra que, “as crianças, sem esforços ou instrução formal, descobrem que as pessoas têm ideias e objetivos, e que seus comportamentos expressam seus pensamentos, crenças e desejos”.

A autora enfatiza que as habilidades de concepção da Teoria da Mente, em altos níveis, ocorrem apenas por meio da linguagem, ou seja, somente ela propicia a compreensão de proposições de dupla interpretação, de ironias, de metáforas, e de paradoxos verbais.

Como nossa intenção, neste tópico, consiste em abordar o desenvolvimento da memória na criança, levamos em conta também o aspecto sobre as falsas crenças ou crenças de segunda ordem, que a criança é capaz de atribuir a si mesma e/ou ao outro na interação, e tem sido fonte de estudo de psicólogos desenvolvimentistas, cognitivistas e de psicolinguistas.

Partindo do pressuposto de que a interação entre as pessoas é baseada pela interação das mentes, as quais só podem ser corretamente compreendidas quando se leva em conta o que as pessoas pensam sobre eventos reais - crenças de primeira

ordem; e também sobre o que elas pensam sobre os pensamentos de outras pessoas - crenças de segunda ordem - e até o que as pessoas pensam que as outras pensam sobre

seus pensamentos - crenças de ordem mais elevada, apresentaremos, a seguir, uma experiência realizada por Perner e Wimmer (1985).

A finalidade dos autores, na referida experiência, foi estabelecer um paradigma experimental para investigar a compreensão nas crianças do primeiro passo na conceitualização da interação social.

A compreensão das estruturas de crenças de segunda ordem, por crianças de 5 a 10 anos de idade, foi avaliada em histórias encenadas (experimento 1), nas quais dois personagens, John e Mary, foram informados, independentemente, sobre uma inesperada transferência de um objeto - uma camionete de sorvete - para uma nova localização.

Tanto John quanto Mary sabiam onde a camionete de sorvete estava, mas havia um erro na crença de segunda ordem de John a respeito da crença de Mary: “John pensa que Mary pensa que a camionete de sorvete ainda está no antigo lugar”. Essa crença de segunda ordem foi estabelecida pelo fato de que, ambos, os personagens sabiam que a camionete de sorvete estava no a camionete de sorvete tinha ido para igreja (2º local). Sendo assim, não teria como John saber que Mary sabia o lugar, atual, da camionete de sorvete.

Então, a compreensão das crianças sobre essa crença de segunda ordem foi testada pela pergunta: “Onde John pensa que Mary vai buscar o sorvete?”. Respostas corretas só poderiam ser dadas se a crença de segunda ordem de John fosse representada, enquanto que o raciocínio baseado em crenças de primeira ordem poderia ter conduzido à resposta errada.

Dessa forma, o experimento 1 pôde avaliar a idade em que as crianças se tornam capazes de representar estruturas de crenças de segunda ordem, e usá-las na sua argumentação sobre a crença de um personagem. Isto foi testado usando a história da camionete de sorvete (experimento 1).

Usando as versões de “falsa crença” (baseada na crença de segunda ordem de John) e de “conhecimento” (baseado no fato real, mudança do lugar onde a camionete de sorvete estava) da história, o experimento também tentou demonstrar, empiricamente, o resultado teórico de que a utilização de falsas crenças, ou crenças de segunda ordem, é essencial para evitar falso-positivos, ou seja, que na versão de “conhecimento” podem ser dadas respostas corretas, com base em uma estratégia de primeira ordem, sem utilizar a estrutura da crença de segunda ordem.

De acordo com os autores, os resultados sugerem uma competência em torno dos 6 e 7 anos de idade, demonstradas quando a inferência sobre as crenças de segunda ordem foi verificada.