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O desenvolvimento dogmático das teorias neoconstitucionais

UMA REALIDADE SISTÊMICA 1 Proposta do capítulo

3. O desenvolvimento dogmático das teorias neoconstitucionais

3.1. Notas Introdutórias

Se fosse possível perguntar a qualquer operador do direito qual a expressão que melhor retrataria o fenômeno do neoconstitucionalismo, certamente a maioria não deixaria de fazer referência ao princípio da dignidade. Com toda razão, afinal, essa teria sido a chave utilizada para destrancar o contrato social, apresentando-lhe novas possibilidades hermenêuticas depois da Segunda Guerra Mundial. Tanto que Daniel Sarmento, em estudo relacionado ao tema, observa que a categoria atualmente integra 149 de um total de 194 Constituições no mundo938. O que não deixa de ser uma leitura reducionista, já que muitas destas não passam de um signo simbólico, a exemplo do artigo 33, seção 1, da Constituição da Síria e do artigo 24 da Constituição afegã. Não se está a falar em nada próximo do que acontece com o artigo 1º da Constituição de 1947 do Japão, na qual se reconhece que o imperador é um símbolo nacional. Aqui, queira-se ou não, estamos diante de um aspecto cultural que, no mínimo, em razão de sua marcha histórica, tem aptidão de projetar feixes culturais que, mesmo em grau tênue, delimita a hermenêutica jurídica. Por outro lado, países como os Estados Unidos, que não fazem qualquer referência explícita ao princípio, não deixam de promover importantes incursões no que toca ao tema939.

936Cf. Juan Carlos Scannone, “La Filosofía...”, pp. 62-70.

937Cf. Manfredo A. de Oliveira, Reviravolta..., p. 397.

938Cf. Daniel Sarmento, Dignidade da Pessoa Humana: Conteúdo, Trajetórias e Metodologia, Belo Horizonte,

2016, pp. 13-14.

939 Cada vez mais a doutrina norte-americana vem se dedicando mais ao tema (cf. Jeremy Waldron, “Dignity and

Defamation: The Visibility of Hate”, in Harvard Law Review, vol. 123, 2010, pp. 1.596 ss.). Dentre várias publicações recentes, a Harvard Law Review apresentou um estudo sobre o direito das minorias e o perigoso retrocesso das políticas afirmativas nos Estados Unidos nesses períodos de avanço de uma direita para lá de direita (cf. Elise C. Boddie, “The Future of Affirmative Action”, in Harvard Law Review, vol. 130, 2016, pp. 38- 50). Emily Chertoff vai mais longe na Yale Law Review e avalia a violência de gênero praticada pelo Estado

165 Diante desse cenário, somos convidados a refletir o que estaria por trás do fenômeno e se foi ele realmente localizado pelas teorias neoconstitucionais. Ainda que Jorge Reis Novais insista na tese de que estaríamos diante de uma categoria jurídica nova, acredita-se que nada há de novo, pelo menos no que se refere ao parâmetro adotado, qual seja a estruturação do próprio Estado940. Essa tese de inauguração com data marcada não resiste à publicação veiculada no The Yale Law Journal, onde seus articulistas conseguem demonstrar que o conceito de dignidade, por mais fluídico que seja, sempre esteve relacionado à evolução dessa estrutura941. Leitura que se confirma ao se tomar como exemplo a etapa gestacional do habeas

corpus, cuja vocação se destinava ao tema do excesso de tributação instituída pelo rei Carlos

Stuart ante os nobres locais, ou seja, sua proposta cingia-se ao equilíbrio de poder entre pessoas seletas de um dado momento da história, perfil concertado do contrato social naquele estágio da humanidade942.

Ajustando-se, ainda que de forma inadvertida, ao texto Dignitatis Humanae de Papa Paulo VI, parece-nos crível que o conceito moderno atribuído ao princípio da dignidade, ao se propor destravar as engrenagens do contrato social943, deu-se no desenvolvimento de uma dogmática capaz de corporizar minimamente o programa constitucional, cujo parâmetro passou a ser a cláusula da não coisificação do homem944, construção que se foi buscar em Kant945. O interessante é que mediante essa aproximação insólita à Kant o direito não deixa de repensar a dogmática que se relaciona aos direitos fundamentais. A margem da discricionariedade política é colocada em discussão na medida em que se percebe que os direitos fundamentais não se prestariam apenas para afastar riscos de lesões, tal qual

Islâmico (cf. “Prosecuting Gender-Based Persecution: The Islamic State at the ICC”, in Yale Law Review, vol. 126, nº 4, fev. 2017).

940 Cf. Jorge Reis Novais, vol. I, Dignidade e Direitos Fundamentais, Coimbra, 2016, p. 84. Do mesmo autor, Os

Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2014, pp. 51-100.

941 Cf. Lawrence G. Sager, “Congress´s Authority to Enact the Violence Against Women Act: One More Pass at the missing Argument”, in The Yale Law Journal Online, vol. 121, abr.2012, pp. 629-638 (disponível online). 942 Cf. Christopher Hill, O Século das Revoluções: 1603-1714, trad. por Alzira Vieira Allegro, São Paulo, 2012, pp. 51-60.

943 O grau de ativação da força ilocucionária do conteúdo constitucional, o que pode demandar forçada reestruturação do contrato social, depende, sobretudo, do nível de distanciamento que o contexto encontra-se do texto. Nesse aspecto se compreende porque os juristas lusitanos, em sua maioria, não admitem que a Constituição parametrize diretamente relações entre iguais (cf. José João Nunes Abrantes, A Vinculação das

Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais, Lisboa, 1990, p. 106; Paulo Mota Pinto, “A Influência dos Direitos Fundamentais sobre o Direito Privado Português”, in Direitos Fundamentais e Direito Privado: Uma

Perspectiva de Direito Comparado, António Pinto Monteiro/Jürg Neuner/Ingo Sarlet (orgs.), Coimbra, 2007, p.

154). Diferente é a percepção da doutrina brasileira que, ante a apatia crônica do legislativo e do executivo, compreendem que a vocação dos direitos fundamentais seria a de garantir não o direito em si, como acredita Novais (cf. A Dignidade da Pessoa Humana, vol. I..., p. 84), mas o próprio bem material.

944 Por todos, cf. Daniel Sarmento, Dignidade..., pp. 101-131.

945 Cf. Immanuel Kant, Fundamentos da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos, trad. por Leopoldo Holzbach, São Paulo, 2011, p. 59.

166 imaginadas no constitucionalismo clássico, mas deveriam ser concretizados para satisfazer o mínimo existencial, sob pena de abrir espaço para que o Poder Judiciário pudesse atuar supletivamente946. Leitura que se ajusta às propostas da Teoria Crítica latina e cujos reflexos dogmáticos se fizeram sentir nos seguintes planos: (a) contrato social; (b) teoria da norma jurídica; (c) teoria dos valores; e, (d) teoria da argumentação.

3.1.1. Os reflexos das teorias neoconstitucionais no contrato social

Já tivemos a oportunidade de dizer que os Estados Unidos e a América Latina, aparentemente submetidos a contextos próximos, seguiram por padrões de evolução distintos. O que não se disse é que essa dicotomia de desenvolvimento estaria intimamente associada à teoria do contrato social, situação que se clarifica quando se presta atenção a dois luminares da independência, George Washington, na América do Norte, e Simon Bolívar, na América do Sul. Enquanto nos Estados Unidos se procurou construir um constitucionalismo endógeno, que reproduz o contrato social de Rousseau, Bolívar, mesmo tendo recebido influências da Revolução Francesa, deixou-se seduzir pelas ideias de Hobbes, o que teria feito toda diferença947. Basta darmos uma rápida olhada na Constituição da Colômbia de 1828, introduzida pelo Decreto Orgânico da Ditadura.

Para que se tenha uma ideia, o artigo 18 desse documento foi hábil em retirar quaisquer direitos fundamentais nos casos de crime contra o Estado, delito que se afigurava extremamente aberto. A situação piora quando se constata que o artigo 1º (5) do mesmo texto outorga aos decretos executivos mais força do que aquela ostentada pela própria lei. Embora não se pretende fazer qualquer juízo de valor a respeito dessa opção, uma justificativa para que surgissem modelos de contratos sociais tão distintos pode ser buscado de Leo Strauss, quando nos leva a pensar que um protomaterialismo dialético já se fazia sentir em Hobbes, em especial porque lhe coube, antes de muitos, aquilatar a dimensão ideal do sistema com a dimensão prática. De fato, ao perceber que a tradição clássica fracassara em fornecer respostas convincentes, compreendeu que somente o aparato de organização do sistema social

946 Cf. Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade (da Pessoa) Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal

de 1988, 10ª ed., Porto Alegre, 2015, pp. 143-147. Sobre a impossibilidade de se retirar esse mínimo pela

política, Cristina Queiroz, “Direitos Fundamentais Sociais: Questões Interpretativas e Limites de Justiciabilidade”, in Interpretação Constitucional, Virgílio Afonso da Silva (Org.), São Paulo, 2007, pp. 165- 216. Para contraponto, Alexandre Sousa Pinheiro, “A Jurisprudência da Crise: Tribunal Constitucional Português (2011-2013), in Observatório de Jurisprudência Constitucional, ano 7, nº 1, Brasília, jan./jun. 2014, pp. 168-189 (disponível online).

167 operado diretamente pelo homem poderia de alguma forma revelar o conceito de justiça948. Mas o interessante é que mesmo em Hobbes é possível ver como esse conceito de justo contratual seria justificado. Lembremo-nos de que já tivemos a oportunidade de sustentar que Hobbes, no ano de 1675, avança em seu projeto teorético na medida em que lhe permitiam as circunstâncias, muito embora já estivessem disponíveis no ano de 1649 as informações necessárias para compreender como as engrenagens do sistema funcionariam. Com efeito, hoje, ao se debruçar sobre algumas passagens do processo judicial as quais o rei Carlos Stuart fora submetido, fica-se surpreendido com a incredulidade do rei, já que para ele a legitimidade de suas ações tinha ascendência divina949. O que o rei não percebe é que foi a própria Bíblia que fora sacada para condená-lo à morte. Afinal, em suas passagens não havia nada que autorizasse ser um homem melhor que os demais950. Nesse contexto, supõe-se que Hobbes tenha percebido que a principal relação que força a promoção do contrato social não seria a do sujeito-sociedade, mas a relação sujeito-sujeito, não deixando de ser curioso que a própria organização topográfica de sua obra é iniciada com o título, Do Homem951.

Esse plano de investigação talvez consiga justificar a diferença do perfil do contrato social que surgiu em ambos os contextos. Diferentemente dos Estados Unidos, que contavam com uma população com intenções e projetos mais ou menos uniformes, na América Latina o que se tinha era um substrato cultural e populacional altamente diferenciado que precisava ser orquestrado de alguma forma, não se tendo surgido outra ideia senão a invocação da tutela da força. Somente quando se percebe a falência desse modelo, não sem antes ter feito escola pelos diversos Estados-nações da região, é que ajustes à teoria constitucional aparecem.

Não deixa de ser curioso que a atuação supletiva do judiciário, embora levada ao extremo em alguns países da América Latina, já ensaiava movimentos na common law952, e é esse o caminho que se utiliza para reequilibrar as relações intersubjetivas no bojo do contrato social. Mas que para isso fosse possível, seria preciso desenvolver uma nova teoria normativa, que, apenas em aparência, pode buscar similitudes com o que se viu na common law.

948 Cf. Leo Strauss, Direito..., pp. 205-217.

949 Cf. Claude Bertin, “Maria Stuart-Carlos I”, in Os Grandes Julgamentos da História, tradutores não indicados, São Paulo, 1978, pp 162-163, 212-213 e 231.

950 Cf. Christopher Hill, O Século..., pp. 187-188. 951 Cf. Thomas Hobbes, Leviatã..., pp. 18-135.

952 Cf. Laurence H. Tribe, “Transcending the Youngstown Triptych: A Multidimensional Reappraisal of Separation of Power Doctrine”, in The Yale Law Journal, vol. 126, jul.,2016, pp. 86-106 (disponível online). Tese reconhecida pela Corte Constitucional brasileira no julgamento de relatoria do Min. Carlos Britto, na Adin 2.911/ES, publicado no DJU, de 2 de fevereiro de 2007 (disponível: www.stf.jus.br).

168 3.1.2. Revolução da teoria normativa: o surgimento dos princípios e seu suposto ponto de partida moderno

Para muitos teria sido Dworkin, lá nos idos de 70 do século passado, quem primeiro teorizou que os princípios pertenceriam à classe das normas jurídicas. Um equívoco que precisa ser desmontado se se quiser avançar na compreensão de um fenômeno que o jurista norte-americano teve o mérito de elucidar e que há muito se apercebia no direito anglo-saxão. Tomá-lo como ponto de partida, como parece ser praxe na Ciência do Direito, é querer que o operador do direito extraia do processo classificatório um instituto altamente operável no sistema jurídico sem tomar o cuidado de investigar as características e os potenciais que foram sendo conformados à categoria ao longo de sua existência.

Ao observarmos a historiografia inglesa no entorno do século XV, perceberemos que, tão logo a chegada dos Stuarts ao trono inglês, por conta de sua origem escocesa, criou-se um desconforto cultural953 que, pelo menos no plano do direito, afigurou-nos de todo hábil para cadenciar a marcha de desenvolvimento da common law. Com efeito, a dinastia Stuart, com características perdulária e autoritária, chega ao poder instituindo políticas de exações desmedidas954, descompasso que leva o parlamento a propor medidas de reequilíbrio como a adoção de uma “constituição compartilhada” ou alusões à lei fundamental como limitadora do poder régio, embora desconhecesse como conceituar o que seria essa norma donde todas as demais derivariam955. Talvez uma medida desesperada para conceder ao contrato social o mesmo padrão de equilíbrio que até então vinha sendo compassado. Mas, uma vez deflagrada a crise, uma classe intermediária, os levellers, que também procuravam se estabelecer entres os detentores do poder956, aparecem como alento à força do parlamento que se opunha ao fortalecimento do poder régio, mas não sem reclamarem seu naco e consequente reajuste no contrato social que, para eles, até então, não passa de uma peça de ficção957. Entre idas e vindas, ao se perceberem que todos sairiam perdendo, surge a Revolução Gloriosa de 1688 com a proposta de equalizar o interesse de todos. Com isso a carta de direitos que dela deriva ao mesmo tempo em que bloqueia os abusos do rei, permite-lhe o retorno ao trono958.

953 Para uma visão dessa fusão de estilos e cultura, com repercussões em diversos setores da política inglesa, cf. Perry Anderson, Linhagens do Estado Absolutista, trad. por Renato Prelorentzou, São Paulo, 2016, pp. 145-153. 954 Cf. Christopher Hill, O Século..., pp. 59 ss.

955 Ibidem, pp. 72-73. 956 Ibidem, pp. 139 ss. 957 Ibidem, p. 140. 958 Ibidem, pp. 295 ss.

169 Ficou estabelecido que os tribunais judiciais continuariam sendo exercidos pelos juízes locais, pois imersos na cultura doméstica, com a diferença que agora não poderia haver qualquer ingerência régia959. Isso é deveras importante na medida em que a manutenção do cargo pelos juízes não era proveniente da discricionariedade real, mas das contas que prestavam de seus desempenhos. Os juízes deveriam respeitar a evolução da cultura e da ética local, desviando-se dos mandos régios960. A partir dessa reviravolta, o direito passa a caminhar por uma marcha de desenvolvimento independente de qualquer manifestação prévia do legislativo, o que não quer dizer que o parlamento não atuaria como uma corte constitucional para acomodar essa evolução dentro das estruturas do contrato social. Foram esses os haveres que chegam aos Estados Unidos para daí ganhar vida própria.

Cabe registrar que o juiz da Suprema Corte norte-americana Oliver W. Holmes Jr. já teria tangenciado essa forma de evolução ao realizar um estudo comparativo com o direito romano em 1881961, leitura que se tornou mais evidente quando, no ano de 1897, publica um artigo na Harvard Law Review com a intenção de demonstrar que o direito, se por um lado não deve ser tratado como uma matéria matemática, também não pode se descolar da tradição e história962. Foi essa tecnologia que permitiu aos cientistas do direito dos países em desenvolvimento encontrar o cabedal para levar a civil law a destravar o direito positivo. 3.1.2.1. A teoria dos princípios segundo a teoria neoconstitucional

Como categoria normativa, sabemos que os princípios podem ser sistematizados dentro de um cardápio de opções para todo paladar científico. Seja como for, podemos dizer que os adeptos da teoria desse novo constitucionalismo parecem buscar na concordância dos modelos de Dworkin e Alexy uma terceira figura. Enquanto naquele se buscaria a tecnologia para acompanhar a velocidade do mundo, em Alexy o mecanismo para tornar operável a teoria de valores. Com isso, se antes até já vislumbrava pouquíssimas incursões políticas pelos Tribunais Constitucionais, como nos casos das sentenças aditivas, em que o âmbito de aplicação da norma é expandido para abarcar casos supostamente esquecidos pelo legislador

959 Ibidem, p. 124.

960 Ibidem, pp. 305 ss. 961 V. infra, nº 53.

962 Cf. Oliver Wendell Holmes Jr, “The Path of the Law”, in Harvard Law Review, nº 110, 1897, pp. 457-478. De qualquer forma, essa engenharia de adaptação concertada do direito diante das novidades, sequer pode ser atribuída a Holmes, que só se prestou a conceder claridade ao fenômeno (cf. Allen Mendenhall, “Oliver Wendell Holmes Jr. and the Darwinian Common Law Paradigm”, in European Journal of Pragmatism and American

170 em desrespeito ao princípio da igualdade963, com o desenvolvimento dogmático em tela esse perfil não só se vulgariza, como também se alastra aos juízes das instâncias ordinárias, que agora se veem libertos para realizarem diretamente o programa constitucional naqueles casos de injustiça ou de apatia política, alterando-se até mesmo a caracterização conceitual da força normativa da Constituição imaginada por Hesse964.

Nessa variante, a estrutura da norma jurídica – Se A então B senão C -, deixa de ser considerada um juízo hipotético, convolando-se em juízos imperativos no formato Se A, então

B, senão C, senão D, onde D passa a ser interpretado como sendo uma atuação substitutiva e

supletiva do Poder Judiciário no universo político. Com essa estrutura, o perfil normativo se remodela para incorporar e incrementar o conceito eficácia reforçada da norma jurídica formulada por Bobbio965, isto é, normas cujos efeitos são garantidos institucionalmente. Por mais que a doutrina especializada se entusiasme ao falar que o constitucionalismo praticado nos países da América Latina tem se aproximado da common law966, as leituras que vêm sendo realizadas aos princípios jurídicos deixariam os mais criativos constitucionalistas estadunidenses assustados. Ainda que por lá exista controvérsia sobre até onde a teoria da linguagem pode ir para correlacionar a semântica constitucional e a pragmática do mundo967, não se consegue imaginar que a Constituição possa ser considerada como sendo um cardápio de valores à disposição do intérprete968.

963 Cf. Alexandre Antonucci Bonsaglia, Sentenças Aditivas na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, São Paulo, 2010, Especialização (Monografia em Direito) – SBDP – Sociedade Brasileira de Direito Público, pp. 21-22.

964 Cf. Marco Aurélio Marrafon, “Texto Constitucional não é Norma, mas Vincula”, in Revista Consultor

Jurídico, publicação diária e unicamente virtual disponibilizada aos 28/dez./2015; Celso Ribeiro

Bastos/Samantha Meyer-Pfug, “A Interpretação como Fator de Desenvolvimento e Atualização das Normas Constitucionais”, in Interpretação Constitucional, Virgílio Afonso da Silva (Org.), São Paulo, 2007, pp. 145- 164. Para um estudo comparativo entre o constitucionalismo espanhol, francês, italiano e costa-riquenho, Víctor Eduardo Orozco Solano, La Fuerza Normativa de La Constitución frente a las Normas Preconstitucionales, Ciudad Real, 2010, doutoramento (tese em direito), Universidad de Castilla - La Mancha. Rodolfo Vigo relata que a marca do constitucionalismo operativo que tomou conta da América Latina nos últimos anos é sua aproximação com a moral (cf. “Derecho y moral em el estado de derecho constitucional (proyecciones teóricas: iuspositivismo, neoconstitucionalismo y realismo jurídico clásico”, in Prudentia Iuris, nº 74, 2012, p. 58 (disponível online). Para grau máximo de força constitucional, Diego A. Dolabjian, “La Fuerza Normativa de la Constitución”, in Revista sobre Enseñanza del Derecho, año 12, nº 24, Buenos Aires, 2014, pp. 273-351 (disponível online).

965 Cf. Norberto Bobbio, Teoria da Norma..., p. 161.

966 Reclamação nº 4335/Acre, de 20/03/2014, voto-vista do Ministro Teori Zavascki, p. 3. A doutrina também comunga dessa leitura, cf. Lenio Luiz Streck, “Neoconstitucionalismo, Positivismo e Pós-positivismo”, in

Garantismo, Hermenêutica e (Neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli, Luigi Ferrajoli/Lenio

Luiz Streck/et. al. (orgs.), Porto Alegre, 2012, p. 61.

967 Cf. Willian Baude/Stephen E. Sachs, “The Law of Interpretation”, in Harvard Law Review, vol. 130, nº 4, feb., 2017, pp. 1.079-1.147 (disponível online).

968 Cf. Saikrishina Bangalore Prakash, “A Fool for the Original Constitution”, in Harvard Law Review, vol. 130, nº 4, nov., 2016, pp. 24-37 (disponível online).

171 Não deixa de ser notável que não só os países em desenvolvimento se afeiçoem a esse perfil normativo singular. Evidentemente com tonalidades mais tênues, não é outra coisa que se vê em Jürg Neuner quando afirma que os direitos fundamentais não só podem operar naquelas hipóteses de anomia, como também serviriam até mesmo de parâmetro para corrigir a ordem jurídica posta969. Algo similar é visto até mesmo em Canotilho, pois, se num primeiro instante se restringe a dizer que a força normativa constitucional é um conceito de estruturação do sistema jurídico970, em outros momentos nos revela como essa força se projetaria no mundo real, em especial nas relações do dia-a-dia, naquelas mantidas entre os