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Ilustrações 49 – Alunos do 5º ano vespertino montando o tangram

4 CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA SÓCIO-INTERACIONISTA DE LIE

4.2 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO SEGUNDO VIGOTSKII

4.2.1 O desenvolvimento e os planos genéticos

Uma forma interessante de entrar no que Vigotskii concebeu como desenvolvimento é conhecer o que ele chamou de planos genéticos de desenvolvimento, uma ideia de que o mundo psíquico, o funcionamento psicológico não é inato, não nasce com as pessoas, nem tampouco está acabado, mas que também não é recebido pelo sujeito como um pacote pronto do meio ambiente.

Por isso Vigotskii é chamado de interacionista, por considerar o que vem de dentro do sujeito e o que vem do ambiente. Mas a postulação interacionista de Vigotskii ganha vida a partir dos planos genéticos que ele postula, quando ele fala das quatro entradas do desenvolvimento que juntas caracterizam o funcionamento psicológico do ser humano: a filogênese, história da espécie humana; a ontogênese, história do indivíduo da espécie; a sociogênese, história do meio cultural no qual o sujeito está inserido; e a microgênese, um aspecto mais microscópico do desenvolvimento.

A filogênese trata da história de uma espécie animal. Toda espécie animal tem uma história própria e essa história define limites e possibilidades do funcionamento psicológico, ou seja, algumas coisas o sujeito é capaz de realizar, outras não. O ser humano, por exemplo, é bípede, por ter os membros superiores liberados pode realizar outros tipos de atividades e movimentos finos como a pinça, ou seja, possui uma série de características do corpo humano, do organismo, que juntas vão fundamentar o funcionamento psicológico. Outra característica muito importantes da espécie animal humana é a plasticidade do cérebro. O ser humano tem um cérebro extremamente flexível e adaptável às mais diversas circunstâncias diferentes. Isso está ligado ao fato de que a espécie humana não nasce pronta, ou seja, o ser da espécie humana é o menos pronto ao nascer. Por isso, por possuir

uma parte do desenvolvimento tão em aberto, o ser humano tem um cérebro tão flexível, porque ele vai se adaptando e funcionando de determinadas formas de acordo com o que o ambiente vier a lhe fornecer.

O segundo plano genético postulado por Vigotskii é o chamado ontogênese, que trata do desenvolvimento do ser, de um determinado indivíduo de uma determinada espécie. Em cada espécie o ser tem um determinado caminho de desenvolvimento, desde seu nascimento à sua morte, seguindo um determinado ritmo de desenvolvimento, em uma determinada sequência. Por serem de natureza biológica e tratarem da pertinência do homem à espécie, ontogênese e filogênese estão fortemente ligados. Cada espécie tem seu próprio percurso. Ana espécie humana, por exemplo, a criança nasce e só fica na posição deitada. Algum tempo depois ela aprende a sentar, depois a engatinhar, depois a andar e assim por diante, mas nessa sequência. Várias coisas são determinadas pela passagem daquele indivíduo da espécie por uma certa sequência de desenvolvimento.

O terceiro plano genético que Vigotskii postulou, a sociogênese, também chamado plano histórico cultural, que nada mais é que a história da cultura na qual o sujeito está inserido, não no sentido cronológico, mas trata da história das formas de funcionamento cultural, que interferem no funcionamento psicológico e que definem, de certa forma, o funcionamento psicológico. Sendo assim, essa questão da significação pela cultura tem dois aspectos: a cultura funciona como um amplificador das potencialidades humanas, como por exemplo, o homem anda mas não voa, porém agora pode voar porque criou o avião.

O outro aspecto da cultura é o modo como cada sociedade organiza o desenvolvimento de maneiras tão diferentes, ou seja, a passagem pelas formas de desenvolvimento é lida e relida pelas diferentes culturas nas mais variadas formas. Um exemplo bem clássico é o da adolescência. A puberdade é um fenômeno biológico. É fato que todos os seres humanos passam pela puberdade, amadurecem sexualmente, aparecem caracteres sexuais secundários, mudanças no corpo, entre outros aspectos. Mas historicamente, a puberdade é compreendida formas muito diferentes em cada cultura. Portanto, o conceito de adolescência passa a ser um conceito cultural, apesar de fundamentado no conceito biológico de puberdade. A nossa cultura é um exemplo disso. A cada geração a adolescência se torna um período bastante estendido. Atualmente ela é muito mais estendida do que era a cinquenta anos atrás. Hoje é muito provável que uma menina de nove anos já tenha

desenvolvido sua vaidade o suficiente para se preocupar em se arrumar, em ter um namorado, mas em contrapartida ela pode morar junto com os pais até os 30 anos e ter uma relação de filha adolescente.

E o quarto plano genético é a microgênese, que diz respeito ao fato de que cada fenômeno psicológico tem a sua própria história. O termo micro não é necessariamente no sentido de pequeno, mas de um foco bem definido. A microgênese vai analisar o espaço entre saber algo e não saber. Por exemplo, entre uma criança não sabe escovar os dentes e aprender a escovar os dentes, algo aconteceu e um tempo passou. Para compreender o fenômeno “aprender a escovar os dentes” é preciso olhar de uma forma micro para esse fenômeno. Então como a criança aprendeu a escovar os dentes é a microgênese do aprender a escovar os dentes.

O mais interessante a respeito da microgênese é que ela abre as portas da da teoria para uma visão não determinista. A filogênese e a ontogênese são carregadas, de certa forma, de um certo determinismo biológico, pois o sujeito está atrelado às possibilidades da sua espécie, do seu momento de desenvolvimento como um ser daquela espécie. A sociogênese apresenta uma tênue característica determinista em termos socioculturais, pois a cultura está definindo através de onde o sujeito pode se desenvolver, traçando limites e possibilidades históricos de desenvolvimento. Mas a microgênese aponta para o fato de que cada pequeno fenômeno tem a sua história e como não existem dois sujeitos com histórias iguais, surge a construção da singularidade individual e da heterogeneidade entre os seres humanos.

Assim, se um professor tem em sua classe duas crianças, ambas com 10 anos, ambas originárias de família de classe média, ambas com pais alfabetizados, sendo que as duas estão naquela escola, naquela sala e naquele bairro, apesar de ser tudo tão parecido, as crianças não são iguais, simplesmente porque elas têm experiências diferentes, famílias diferentes, ou seja, existem fatos na história de cada uma que vão definir a singularidade a cada momento de sua vida.