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Nível 4: Proposta de novos cenários que correspondam ao estilo de vida

2.4 ATIVISMO DE MODA MAIS SUSTENTÁVEL

2.4.2 O designer ativista transformando as práticas de moda

Kate Fletcher e Lynda Grose (2011) afirmam que o designer de moda pode atuar em quatro frentes em relação à sustentabilidade e assim transformar as práticas de moda vigentes. Ao revisitar setores existentes da indústria da moda com uma nova perspectiva, os designers tem oportunidade de aplicar seus conhecimentos e habilidades em benefício da ecologia e da sociedade. As autoras determinaram as seguintes categorias: designer como educador-comunicador, como facilitador, como ativista e como empreendedor. A seguir, serão expostas as definições de cada um.

O designer como educador-comunicador não é necessariamente um professor em sala de aula. Ele pode manifestar-se através de novos protótipos de negócios, com uma perspectiva diferente sobre a moda, ou de produtos e serviços que interrompem as formas de pensar atuais e ao mesmo tempo criam novas formas; oficinas práticas, competições na internet e chamadas à ação.

O designer como facilitador desenvolve estratégias para transformar a indústria e o negócio de moda, criando oportunidades para as pessoas trabalharem de forma completamente nova. As autoras destacam que “o papel do facilitador tende a enfatizar o processo, em detrimento do resultado, e redesenha as fronteiras do ego dos designers, por entender o ‘sucesso’ como esforço coletivo, não de talento isolado” (FLETCHER; GROSE, 2011, p. 162). Nessa categoria estão inclusos, por exemplo, o design colaborativo e o intercâmbio de roupas.

O design colaborativo segue um caminho diferente do que é tradicionalmente associado ao designer de moda. Ao invés de desenhar para o usuário, o designer desenha com o usuário, e gera no processo de inclusão e ação participativa, um maior senso de democracia e autonomia e um menor senso de dominação. De acordo com as autoras sua proposta se refere ao fato de que “aqueles que usam um produto têm o direito de opinar sobre sua criação e de que, quando partes interessadas e seus interesses modelam o processo de design e contribuem para este, o design ganha em qualidade” (FLETCHER; GROSE, 2011, p. 144).

O designer como ativista pratica o ativismo em prol da sustentabilidade. Ele pode trabalhar tanto na esfera privada, atuando independentemente, através do trabalho freelance e colaboração entre grifes e ONGs, ou na esfera pública através de parcerias com o governo e ONGs.

O designer como empreendedor vai além da ação de criar empresas para fabricar produtos inovadores para a indústria de moda convencional, a qual foca especificamente no conceito de maximizar a produção e desempenho econômico, visando abrir tantos mercados quanto possível. Esses designers, no entanto, trabalham dentro da lentidão e do trabalho manual, do processamento natural e da pequena escala.

A seguir serão apresentados cinco (5) exemplos de iniciativas inovadoras estabelecidas no Brasil e que estão transformando a prática do design e do consumo de moda. São elas: a Re-Roupa, o Moda Limpa, o Banco de Tecido, a Roupateca e o Roupa Livre.

Re-Roupa

A Re-Roupa foi fundada por Gabriela Mazepa, que realiza um trabalho de upcycling de produtos novos, antigos ou com defeito e os transforma em produtos de vestuário com valor de moda e de sustentabilidade. Ela oferece uma oficina onde proporciona aos participantes a oportunidade deles mesmos modificarem a roupa antiga, através de técnicas de corte e costura, e desta forma possam reaproveitar a peça que seria descartada. Além de promover uma conscientização sobre a vida útil das peças de vestuário, a Re-Roupa provoca um senso de criatividade nos participantes e gera novos significados no artefato.

Percebe-se aqui, que no caso da Re-Roupa, o designer atua no papel de facilitador, ajudando no design colaborativo e possibilitando ação e mudança por parte dos participantes. Além disso, pode-se perceber a atuação do designer como educador-comunicador em cursos para artesãs de comunidades carentes para que estas possam gerar renda, através da criação de uma linha de produtos que utilizam resíduos doados por malharias e fabricantes de tecidos. Os produtos são então vendidos na própria cooperativa das artesãs e em uma rede de lojas. A figura 3 mostra a técnica de upcycling desenvolvida durante uma oficina da Re-Roupa.

Figura 3 – Técnica de upcycling aplicada à moda e realizada na oficina da Re-Roupa.

Fonte: site da Re-Roupa. Disponível em http://www.roupalivre.com.br/evento//re-roupa-em-sp

Moda Limpa

O Moda Limpa é uma plataforma virtual colaborativa, administrada por Marina de Luca,Kaio Freitas e Julio Almeida que apresenta uma série de listas de fornecedores de vários tipos (tecidos, aviamentos, tingimento etc.), os quais obedecem à diversos critérios sustentáveis de produção e que podem ser selecionados pelo usuário, a fim de encontrar a melhor opção que se encaixe no seu perfil. Como é uma plataforma colaborativa, qualquer pessoa pode deixar as indicações de fornecedores de todas as partes do Brasil. Desta forma os fornecedores cadastrados no site não necessariamente possuem certificação. O site afirma que a “certificação” da responsabilidade sustentável e ética cabe a cada usuário. Existem várias tags, ou etiquetas de classificação, para esclarecer ao usuário acerca das várias definições existentes na moda mais sustentável.

No quadro 3 são apresentadas as etiquetas de classificação do site Moda Limpa (2019):

Quadro 3 – Etiquetas de classificação para uma moda mais sustentável.

Etiquetas de classificação

Definições

Vegano Não utiliza nenhuma matéria prima de origem animal (exemplo: couro, seda, pêlo, pele, cascos, garras ou dentes, penas, cola a base de proteínas animais, etc).

Orgânico Limpo, cultivado sem agrotóxicos e sem fertilizantes químicos.

Provêm de sistemas agrícolas baseados em processos naturais, que não agridem a natureza e mantêm a vida do solo intacta.

Justo Produtos comercializados por preços justos, pagando um valor justo aos trabalhadores, e todos os envolvidos na cadeia de produção. Também pode significar uma distribuição mais equilibrada dos lucros e pagamentos ao longo da cadeia de produção

Reciclagem Recuperação da parte reutilizável dos dejetos do sistema de produção ou de consumo, para reintroduzi-los no ciclo de produção de que provêm, através de transformação. Exemplo:

fibras que foram descartadas na costura ou na tecelagem, quando misturadas a novas fibras viram um tecido novo, ou garrafas pet descartadas após seu uso, são trituradas e derretidas e misturadas a outras fibras se transformam em tecido.

Upcycling É o processo de transformar resíduos ou produtos inúteis e descartáveis em novos materiais ou produtos de maior valor, uso ou qualidade. Utiliza materiais no fim de vida útil na mesma forma que ele está no lixo para dar uma nova utilidade.

Exemplo: usar retalhos pequenos de tecidos para costurar gravatas borboleta.

Pequeno produtor

Produtor com poucos funcionários, ou sozinho, que trabalha em casa ou pequenos espaços, e que fornece em quantidades limitadas devido ao seu tamanho. Normalmente não tem pedidos fixos por mês, causando instabilidade e dificuldade no planejamento financeiro. Pode ser desde uma costureira que trabalha em casa, até uma pequena fábrica ou escritório com produção local. Pequeno pode ter tamanhos diferentes dependendo do setor de atuação, por isso não vamos colocar número mínimo de funcionários ou peças/mês. Hoje o considerados “pequenos produtores” somam mais de 10 milhões, entre microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. Além de 4,2 milhões de produtores rurais. Juntos, são eles que mais geram empregos no Brasil. Isso faz muita diferença para milhões de trabalhadores que tiveram o primeiro emprego em um pequeno negócio e para milhões de brasileiros que sustentam suas famílias a partir do trabalho em uma pequena empresa.

Apoio à técnicas tradicionais

Utiliza ou apoia técnicas de artesanato, manuais, ou que representem alguma tradição local, étnica ou de algum tipo de agrupamento social. Exemplo: pinturas a mão, rendas manuais, cerâmica, crochê e tricot, bordados manuais, tecelagem e tear de madeira manual, etc…)

Biodegradável Produtos que podem ser decompostos ou destruídos pela ação de agentes biológicos (microrganismos, bactérias etc.).

Quando jogados no aterro sanitário, ou em algum ambiente específico para, se decompões e vira alimento para a terra, em um tempo hábil para que nosso planeta não seja abarrotado de lixos não decompostos.

Feito no Brasil Produtos, serviços e materiais que tenham a sua última etapa de produção no Brasil. Exemplo: Um tecido que foi tecido no Brasil com fio da Índia pode estar nessa classificação, pois ele usou matéria prima estrangeira porém o produto final foi produzido no Brasil.

Apoio a grupos vulneráveis

Trabalhos com profissionais vulneráveis, geralmente sozinhos, que trabalham em casa e que não tem constância de pedidos. Nessa classificação podem entrar pessoas que trabalham sozinhas também, pois fazem parte do grupo social classificado como vulnerável. Cooperativas de costureiras também. Ao contactar um profissional que trabalha sozinho leve em conta o tempo de produção de cada peça e de um pedido, leve em consideração que trabalhando de casa eles têm questões como cuidar de filhos, da casa, entre outras, que podem interferir em horários de reunião ou entregas. Saiba ter cuidado ao tratar com essas pessoas, vamos re-criar as relações Cliente+Fornecedor, considerando o respeito como coisa mais importante nessa relação.

Social Nessa classificação se encaixam: sistema chamado “one to one”, em português “um por um” onde cada produto vendido gera uma doação, trabalhos voluntários, trabalhos com comunidades carentes , ajuda alguma ong e outros possíveis trabalhos sociais que uma empresa possa fazer atrelada ao seu serviço convencional.

Menor impacto ambiental

Algum tipo de economia de água, energia, menor emissão de CO2, redução do descarte de resíduos e da geração de lixo.

Sustentável de alguma maneira para o meio ambiente.

Educacional Tem a missão de disseminar o conhecimento e a informação sobre a moda sustentável, novos comportamentos de consumo, apresentar soluções e engajar pessoas.

Fonte: adaptado de Moda Limpa (2019). Disponível em http://modalimpa.com.br/como-funciona

Figura 4 – Plataforma Moda Limpa para encontrar fornecedores mais sustentáveis no Brasil.

Fonte: website Moda Limpa. Disponível em http://modalimpa.com.br/

A figura 4 mostra a página inicial do site Moda Limpa. Neste caso, os designers são educadores-comunicadores e ativistas, segunda a classificação de Fletcher e Grose (2011).

Banco de Tecido

O Banco de Tecido funciona como uma loja de tecidos, onde são guardadas mais de duas toneladas de tecidos. A iniciativa proporciona o reaproveitamento de tecidos, que de outra maneira seriam descartados. Através de um sistema de crédito, o estoque da loja é colocado em circulação.

Fundada por Lu Bueno, figurinista e cenógrafa, o Banco de Tecidos partiu do problema que ela mesma tinha em lidar com um estoque de tecido de 800 quilos, fruto do trabalho de 20 anos no cinema, teatro e televisão. Tem-se aqui o caso do designer como empreendedor, na visão de Fletcher e Grose (2011), o qual se engaja em um modo inovador de pensar e capaz de transformar a própria indústria.

Figuras 5 e 6 – Banco de Tecido - pesagem de tecidos e estoque.

Fonte: site do Banco de Tecido. Disponível em http://bancodetecido.com.br/sobre

Roupateca

A Roupateca trabalha com o sistema de aluguel de roupas ou, como a empresa define a si mesma, um “guarda-roupa compartilhado”, o qual funciona através de uma assinatura mensal. O consumidor escolhe um plano com um valor mensal, podendo levar de 1 a 6 peças por vez, e pode trocar as peças todos os dias (ou até mais de uma vez ao dia). Com isso, interrompe-se a relação de “uma peça por usuário”, e maximiza o número de usuários por peça. Desta forma, cada peça é utilizada o máximo possível antes de ser descartada. A figura 7 exibe algumas peças do acervo da Roupateca, em São Paulo – SP.

Figura 7 – Roupateca - aluguel de roupas por valor mensal.

Fonte: site do Hypeness. Disponível em

http://www.hypeness.com.br/2016/02/roteiro-hypeness-conheca-a-roupateca-um-guarda-roupa-comunitario-cheio-de-pecas-bacanas-em-sp/

Roupa Livre

O Roupa Livre é um movimento que busca integrar pessoas e empresas apoiadoras do consumo consciente. O grupo responsável pelo movimento realiza uma série de eventos, palestras, workshops, cursos e oficinas na cidade de São Paulo e em outras capitais para difundir os valores de sustentabilidade na moda. O Roupa Livre também desenvolveu um aplicativo de celular que tem o objetivo de proporcionar trocas de roupas usadas entre os usuários. Há ainda o “Mapa da Mina”, espaço colaborativo no site, onde é possível ver uma lista de brechós, coletivos,

cursos, costureiras e fornecedores, entre outros. As funções predominantes do designer, neste caso, são as de ativista e facilitador.