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4. ASPECTOS DA CARNAVALIZAÇÃO E AS CATEGORIAS EM

4.4. O destronamento

A ação carnavalesca que melhor evidencia esta categoria é a coroação bufa e o posterior destronamento do rei do carnaval. De acordo com o pensador (BAKHTIN, 1997, p.124)

Este ritual de coroação e destronamento do rei do carnaval reside o próprio núcleo da cosmovisão carnavalesca: a ênfase das mudanças e transformações, da morte e da renovação. O carnaval é a festa do tempo que tudo destrói e tudo renova. [...] A coroação e o destronamento é um ritual ambivalente, biunívoco, que expressa a inevitabilidade e simultaneamente, a criatividade da mudança e renovação, a a alegre relatividade de qualquer regime ou ordem social, de qualquer poder e posição(hierárquica). [...] O carnaval triunfa sobre a mudança, sobre o processo propriamente dito de mudança e não precisamente sobre aquilo que muda. O carnaval, por assim dizer, não é substancial, mas funcional. Nada absolutiza, apenas proclama a alegre relatividade de tudo.

O destronamento esta relacionado à última categoria aqui analisada, fazendo um percurso na obra analisada de Chico, em que se pode encontrar traços relativos ao ritual de destronamento. Esse é o momento auge, quando a força da união e a concretude das ideias se cruzam para colocar em prática o rompimento com o sistema que ora os oprime, ora os explora.

Um dos aspectos do destronamento é formado pelos “sacrilégios carnavalescos, por todo um sistema de descidas e aterrissagens carnavalescas, pelas indecências carnavalescas,

relacionadas com a força produtora da terra e do corpo”, inclusive pelas próprias paródias carnavalescas dos textos sagrados e sentenças Bíblicas. (BAKHTIN, 1997, p. 123).

Portanto, o destronamento simboliza a perda do poder real, do sistema oficial, dos rituais, das liturgias, das regras impostas, das obrigações, entre outras, evocando assim a mudança, o rompimento com o status vigente, conclamando o povo a liberdade de expressão e de atitudes carnavalescas. Observa-se no trecho a seguir (HOLLANDA, 2013, p.24)

TODOS:

Quatro juntos, braços dados, damos o fora nesses safados, braços dados, juntos quatro, chutar os safados pra fora do teatro, dados juntos, quatro braços, e esses safados já 'tão no bagaço. Quatro braços, dados juntos, e esses safados vão virar presunto.

Em os Saltimbancos, é notório esse sentimento de mudança, de liberdade, através do qual os animais entendem que é preciso uma união de todos eles para, enfim, romper com o sistema de exploração e descaso imposto por seus donos. É preciso então “destronar o rei”, ou seja obter o controle da situação.

Percorrendo o caminho para a cidade, os animais, cansados da caminhada, encontram um lugar para descansar, a Pousada do Bom Barão, mas logo percebem, através de uma placa, que ali era proibida a entrada de animais. Mesmo assim, resolvem dar uma olhada no local e, para surpresa deles, reconhecem seus patrões dentro do estabelecimento.

Figura5. Momento em que os animais presenciam seus donos em uma reunião.

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Com medo, logo fogem para o mato. No entanto, Juntos mudam de ideia e resolvem enfrentar os seus problemas. Percebe-se que os animais decidem utilizar as características que lhes eram próprias colocando em prática essas aptidões em favor do sucesso coletivo, o grupo se fortalece e diminuem as chances dos adversários.

O destronamento ocorre justamente no momento em que os animais surpreendem seus antigos proprietários e os expulsam da pousada. Para isso, utilizam sons (o relincho do jumento, o latido do cachorro, o cacarejo da galinha e o miado da gata), e também com suas habilidades (as patas, os dentes, o bico e as unhas). Tomemos a ilustração e os fragmentos da obra que descreve o destronamento:

[...] GATA —Mas eles fugiram. CACHORRO—É mesmo.

TODOS —Vitória! Vitória! Vitória?

GATA—Mas como é que a gente conseguiu?

JUMENTO—Vocês estão vendo só? Nós expulsamos os barões! GATA —E a casa é nossa. Onde é que tem almofada?

JUMENTO—Calma, calma, vamos procurar entender alguma coisa. Nós estávamos juntos, certo?

TODOS —Certo.

JUMENTO —Juntos entramos na casa. TODOS—Sim.

JUMENTO—E juntos atacamos sem medo. TODOS—Sim.

JUMENTO—Segunda lição do dia. "Um bicho só, é só um bicho, agora todos juntos..." [...] ( BUARQUE, 2013, P.24,26)

Figura 6. A expulsão dos seus antigos donos da pousada.

Dessa maneira, a união faz dos vários animais frágeis e indefesos “um grande bicho” capaz de suprir todas as precisões. Com a esperteza da gata, a paciência do jumento, a lealdade do cachorro e a teimosia da galinha, os animais garantem que: “E mais dia menos dia/ A lei da selva vai mudar”. (HOLLANDA, 2013, P. 26,27).

JUNTOS

Uma gata, o que é que tem? —As unhas.

E a galinha, o que é que tem? —O bico.

Dito assim, parece até ridículo um bichinho se assanhar. E o jumento, o que é que tem? —As patas.

E o cachorro, o que é que tem? —Os dentes.

Ponha tudo junto e de repente vamos ver o que é que dá. Junte um bico com dez unhas, quatro patas, trinta dentes e o valente dos valentes ainda vai te respeitar. Todos juntos somos fortes, somos flecha e somos arco, todos nós no mesmo barco, não há nada pra temer.[...] Todos juntos somos fortes, somos flecha e somos arco, todos nós no mesmo barco, não há nada pra temer. —Ao meu lado há um amigo que é preciso proteger. Todos juntos somos fortes não há nada pra temer. ... E no mundo dizem que são tantos

saltimbancos como somos nós.[...]

Nos fragmentos de texto e na própria ilustração observa-se que os animais por meio da união conseguem destronar os antigos proprietários da pousada símbolo do poder oficial, assumindo o espaço como sendo deles agora, o censo de liberdade e do fim da repressão, humilhação e castigos, como o rei na festa do destronamento e coroação do carnaval.

Entendemos assim que Os Saltimbancos de Chico Buarque de Hollanda é uma obra literária que articula as peculiaridades do folclore carnavalesco como “a praça”, “a máscara ou o disfarce”, “o riso” e o “destronamento”, fazendo com que as categorias, em análise na obra, sejam reveladas à luz da literatura bakhtiniana.

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