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O desvelar do sentido das ideias obsessivas

4 O caso do Homem dos Ratos e sua contribuição para a sistematização da etiologia e descrição dos mecanismos estruturais da neurose obsessiva compulsiva

4.4 O desvelar do sentido das ideias obsessivas

Para tratar desse assunto, Freud inicia equiparando as ideias obsessivas aos sonhos, ou seja, ambos possuem a aparência de não dotarem de significação ou motivo. Afirma que a grande questão, a saber, é uma forma de dar um sentido e um status na vida psíquica do

indivíduo, com fins de torná-los compreensíveis e até mesmo óbvios. Incentiva uma investigação profunda na tentativa de relacionar tais ideias às experiências do paciente, especialmente buscando o primeiro surgimento de determinada ideia e em que circunstâncias a mesma volta a ocorrer.

Podemos convencer-nos facilmente de que, uma vez descobertas as interconexões entre uma idéia obsessiva e as experiências do paciente, não haverá dificuldade de se obter acesso a algo mais, não importa o quê, que possa ser enigmático ou digno de conhecimento na estrutura patológica, com que estamos lidando – seu significado, o mecanismo de sua origem e sua derivação das forças motivadoras preponderantes da mente do paciente. (FREUD, 1996[1909b], p.165).

Em busca de exemplificar o exposto acima, Freud dá um exemplo que considera claro, que é a questão do impulso suicida, que no caso aqui relatado, ocorria com demasiada frequência. O Homem dos Ratos conta a Freud que, certa vez, perdera algumas semanas de estudo devido à ausência de sua dama, que havia partido para cuidar da avó enferma. Em meio a uma difícil parte de seu trabalho, ocorre na mente do paciente a idéia de que se recebesse uma ordem teria que cumpri-la prontamente, mas não tinha certeza se conseguiria cumprir a ordem, se alguém a fizesse, de cortar a própria garganta. Ao pensar isso, fica ciente que a ordem já fora dada e ao se dirigir ao aparador para pegar a lâmina, pensa: “ ‘Não, não é tão simples assim. Você tem que sair e matar a velha’. Logo após, caíra no chão, com horror.” (FREUD, 1996[1909b], p.166).

Percebemos que a relação entre a idéia obsessiva e a vida desse paciente está inserida nos relatos iniciais de sua história, como nos conta Freud. Com a ausência da dama, o paciente se preparava para um exame, na tentativa de unir-se mais cedo a ela e enquanto trabalhava ficava atormentado por sua ausência, sendo acometido por uma espécie de aversão à avó doente da moça. Em uma mente como a que nos referimos, Freud (1996[1909b], p.166) supõe a seguinte expressão: “ ‘Como eu gostaria de sair e matar aquela velha mulher por haver-me roubado o meu amor!’.” A isto, segue-se a ordem de matar-se, como punição por essas paixões selvagens e assassinas e essas ideias introduzem-se na consciência do paciente e, em ordem inversa, vê-se às voltas com um violento afeto de punição seguido de culpa.

Ainda na tentativa de explicar mais sobre as ideias suicidas em pacientes obsessivos, Freud nos mostra outro exemplo, agora não tão claro e direto, das intenções suicidas desse paciente. Conta que o mesmo, certo dia, teve de súbito a idéia de que estava muito gordo (Dick, em alemão), passando a levantar-se da mesa antes de servirem a sobremesa, caminhar pela rua sem chapéu durante a época de mais sol e até subir uma montanha apressadamente.

Enfim, as ideias suicidas surgiam disfarçadamente por trás da mania de emagrecer. Certa vez, o paciente recebera a ordem de saltar exatamente no momento que se encontrava à beira de um precipício profundo, o que determinaria sua morte, e sem conseguir pensar numa explicação para o fato, lembra-se de que, naquele momento, sua dama veraneava na companhia de um primo inglês muito solicito a ela, que causava grandes ciúmes no paciente. Esse primo chamava-se Richard e, segundo uso coloquial na Inglaterra, era apelidado de Dick. Assim, o Homem dos Ratos desejava matar Dick e estava mais enciumado e enraivecido do que queria admitir, sendo esta a razão de sua ânsia por emagrecer. Nos dois casos, os sintomas emergem como reação a um grande sentimento de raiva que, inacessível à consciência do paciente, é direcionado a alguém que apareça como interferência na direção de seu amor.

Outros exemplos das obsessões do paciente, com mecanismos diversos, são oferecidos ao longo desse trecho. A tentativa do paciente de fazer sua dama colocar na cabeça o gorro dele, devido ao vento forte enquanto passeavam de barco, seria uma forma de protegê-la e não permitir que nada de mal acontecesse a ela. De outra vez, o paciente viu-se obrigado a contar até quarenta ou cinquenta, durante uma tempestade, entre um trovão e outro. Além de afastar uma pedra da estrada em que a dama passaria e poderia, ao bater na pedra, ocasionar um acidente – obrigou-se pouco depois a voltar e colocar a pedra no mesmo lugar da estrada. Em seguida, cansou seus amigos com uma espécie de obsessão por compreensão, como diz Freud, em que buscava compreender o significado exato de cada sílaba que lhe dirigiam e interrogava: ‘o que você acabou de dizer?’; e ao repetirem sempre achava que não soava como a primeira, ficando muito insatisfeito.

O que Freud aponta é que todos esses produtos da doença de seu paciente dependiam, naquele momento, de sua relação com a dama. Certa vez ele interpretara uma frase dela como uma tentativa de rejeitá-lo, o que o deixa muito triste. Porém ao debater com ela a questão num momento posterior, percebe que a interpretara mal e fica novamente muito feliz. Na busca de evitar outro infortúnio como esse, formula uma generalização que resultou em uma dúvida, sempre insatisfatória, de saber se aquilo que ele ouvira de qualquer um fora repetido corretamente.

Em busca de interpretar sua obsessão por proteger, Freud revela no ato uma expressão de remorso e penitência a um impulso contrário, que podemos dizer hostil em relação à sua dama. Já sua obsessão de contar foi interpretada como defesa ao temor de que alguém estivesse em perigo de morte. Assim, além de assinalar o impulso hostil e a raiva irracional do paciente, sempre direcionados à sua dama, Freud menciona a questão da dúvida em seu

paciente e na neurose obsessiva, o que no presente caso compreende a dúvida do amor dela (dama) por ele.

Avançando na contextualização geral da doença pesquisada, a neurose obsessiva, vemos Freud postular questões importantes e esclarecedoras dessa posição. Comenta que atos compulsivos como o citado com a pedra na estrada, em que o segundo neutraliza o primeiro, são típicos na neurose obsessiva. Mesmo racionalizados pela consciência, esses atos revelam um conflito representado por dois impulsos opostos e de forças praticamente iguais, o que Freud acredita tratar-se de uma oposição entre o amor e ódio. Comparando esse método de formação de sintoma com a histeria, Freud orienta a importância de estudos nesse sentido, pois a singularidade desses atos compulsivos revela que cada uma das tendências opostas é satisfeita isoladamente na mente obsessiva, o que diferentemente acontece na histeria, onde as tendências opostas se conciliam e se satisfazem simultaneamente.

Observamos que Freud, em seu esforço de teorização dos mecanismos em jogo na neurose obsessiva, procura fazer avançar teoricamente a psicanálise em relação à neurose obsessiva, que considera ainda apontar muitas obscuridades que necessitam ser iluminadas.

Embora não sejam condutores do nexo do relato, como no caso Dora, alguns sonhos representativos da relação transferencial do paciente com Freud são narrados. Num deles, o paciente diz ter sonhado com a morte da mãe de Freud e ansiava por prestar-lhe as condolências, mas com receio de que, ao fazê-lo, fosse acometido por uma risada inoportuna, como já fizera anteriormente em situações semelhantes, prefere deixar para Freud um cartão, “[...] onde se lia ‘p.c.’; mas ao escrevê-lo as letras mudaram para ‘p.f.’” (FREUD, 1996[1909b], p.170). Em nota de rodapé acerca deste assunto, Freud esclarece que um sonho com estas abreviações, usuais em sua época (pour condoler e pour felicitér), é a explicação de seu comportamento de riso compulsivo em situações fúnebres, o que tantas vezes já havia ocorrido ao paciente e era encarado como um fenômeno enigmático típico.

Acompanhamos o raciocínio de Freud em torno dos sentimentos antagônicos de seu paciente em relação à sua dama, que, sendo fortes demais, não poderiam escapar completamente de sua consciência. O autor finaliza esse tópico mostrando que o paciente não avaliava profundamente seus impulsos negativos nos momentos em que o antagonismo se manifestava e que, mesmo admitindo ser acometido por estes impulsos de causar mal à dama que tanto admirava, estes sempre permaneciam inativos na presença dela e só costumavam aparecer quando ela se encontrava ausente.