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O diálogo hermenêutico e a formação continuada de professores

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1.2. Hermenêutica

1.2.7. O diálogo hermenêutico e a formação continuada de professores

A entrada em um diálogo pressupõe que há em cada interlocutor uma rede de relações que dão significado aos fatos e entidades do mundo, construída ao longo da história na tradição desses interlocutores. As experiências em uma tradição formam a pré-compreensão de mundo desses dialogantes, fazendo parte de suas subjetividades.

A pré-compreensão é uma compreensão peculiar que já existe antes de qualquer enunciação (HERMANN, 2002). Tem uma estrutura projetiva, o que significa que ela se projeta para os fatos do mundo, permitindo ser concretizado um modo de entender e não outro. Essa pré-compreensão é linguagem interna e se exterioriza na interpretação, a linguagem entre os homens. É na pré-compreensão que se localizam os preconceitos que temos sobre o que nos rodeia.

Em um diálogo em que a compreensão é desejada, os homens abrem-se uns aos outros e reconhecem que no outro pode haver um saber que não se sabe, o que os fazem ter alteridade. É com essas condições que o diálogo que busca o saber pode se iniciar (HERMANN, 2002; ROZEK, 2013).

Na perspectiva hermenêutica, um diálogo que busca o saber segue o procedimento dialético já descrito, que visa purificar o pensamento das opiniões que não apresentam fundamento coerente. As interpretações entram em jogo e há uma imprevisibilidade quanto ao seu rumo.

O conceito de jogo é modelar para a hermenêutica filosófica, mas não deve ser confundido com o lúdico (ALVES, 2011c). No jogo, os participantes não sabem onde ele vai dar. Para jogar, é preciso se entregar ao jogo e se livrar da tentativa de controlá- lo. Para a hermenêutica filosófica, o jogo não tem um objetivo, sua essência é o puro movimento determinado pelas regras, seu fim é apenas ser jogado. O diálogo filosófico segue a mesma dinâmica de imprevisibilidade e a dialética é sua regra (ALMEIDA, 2002).

O jogo não é dos jogadores, mas só existe com a participação deles. Ele constitui um risco aos que jogam, que se lançam no indeterminado e experimentam seus limites. Da mesma forma, o diálogo só existe enquanto houver quem dialogue, e para dialogar, é preciso levar as interpretações que se tem e as lançar no movimento dialético (ALMEIDA, 2002).

No jogo, o homem tem a experiência da finitude; ele se dá conta de seus limites, percepção que não conseguiria sozinho, pois seu adversário tem intencionalidades desconhecidas, fruto de sua compreensão particular do que é preciso para se jogar, o que justifica não se saber o destino do jogo. No diálogo que segue o procedimento dialético acontece o mesmo: o movimento do argumento e do contra-argumento, num jogo de perguntas e respostas sem percurso pré-determinado, pode mostrar o limite: aquilo que pensávamos sobre algo teve seus elementos surpreendidos em incoerência. (ALMEIDA, 2002).

É nesse momento que alguém sente vontade de perguntar. Aqui nasce a pergunta autêntica, que não sabe resposta, um pedido de orientação e sentido de quem padece por ter sido desequilibrado. Na hermenêutica filosófica essa situação é chamada de experiência hermenêutica, que é sempre negativa. A negatividade acontece justamente quando se percebe que os preconceitos de nossa pré- compreensão não dão conta do que esperávamos de uma situação (ALMEIDA, 2002; HERMANN, 2002).

A pergunta autêntica leva os dialogantes a buscar sentido nos elementos que foram expostos no diálogo. O que o diálogo fez foi um mergulho na tradição (ou movimento ascendente, se pensarmos que estamos subindo em conhecimento) para pôr em relevo que a pré-compreensão tinha fragilidades argumentativas. “Perguntar é mais um padecer que fazer. A pergunta acontece quando não se suporta a ilusão nem a opinião viciada” (ALMEIDA, 2002, p.81).

Esse momento permite a fusão de horizontes, ou seja, a verdadeira compreensão do que o outro pensa. Pode-se entender o que vem do outro, porque uma carência foi gerada na pré-compreensão. Fundir emancipa a pré-compreensão à compreensão; consiste em “compartilhar uma unidade de sentido que se assenta no chão da tradição” (ALMEIDA, 2002, p.182).

Os horizontes fundidos após procedimento dialético promovem um sentido mais universal do que os provenientes das interpretações que entraram em jogo. Relacionamos esse sentido maior à verdade dessa tradição. (HERMANN, 2002; ALMEIDA, 2010). Devido a história sempre influente, essa verdade deve ser considerada como provisória, pois pode ser submetida ao mesmo processo mais à frente. Dessa forma, o diálogo nunca tem fim.

Compreendemos o diálogo hermenêutico como a desconstrução das pré- compreensões em parte de seus elementos, que entraram em jogo com fins a uma nova reorganização, que seja mais coerente. Há uma nova representação, que por ter sido feita pelos jogadores/dialogantes, é por eles reconhecidos, e nela eles se reconhecem, chegando à maior compreensão.

Fazemos agora um paralelo com a educação. Numa situação didática, o professor deseja que o estudante compreenda o conhecimento que ele quer veicular. Mas, para que o estudante compreenda, é preciso que seu horizonte interpretativo entre em jogo com o do professor, que pelo conhecimento de sua maior experiência na tradição, provavelmente tem mais coerência que o do estudante. Isso só se faz via diálogo, pela linguagem. Almeida (2002) afirma que “o processo humano de crescimento implica expansão na linguagem” (p.205).

Entretanto, o diálogo é para os dois. Há possibilidades do professor também encontrar lacunas em sua representação da tradição mediante argumentos bem fundamentados vindo dos estudantes. Flickinger (2011) aponta como mais enriquecedor o professor se entregar ao horizonte do estudante. Esse comportamento ético é negativamente produtivo, nos moldes da hermenêutica filosófica, pois também o envolve na busca de um sentido maior.

Freire (2011a) afirma que ensinar exige respeito aos saberes que os estudantes trazem e disponibilidade ao diálogo. Por sua concepção política de educação, compreende que esse respeito deva se refletir na própria construção do currículo, que deve considerar os limites da comunidade onde o processo educativo acontece para elencar conhecimentos elaborados com fins de superação e consequente transformação da realidade (FREIRE, 2011b).

Compreendemos a proposta de Freire (2011b) como algo que seja possível na educação. Entretanto, para este trabalho, nos propomos a verificar como as contribuições dos elementos destacados da hermenêutica filosófica podem contribuir com a formação de professores de Biologia. Representamos o pensamento freireano como o ser a ser buscado pela educação.

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