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4.3 OS INSTRUMENTOS DIÁRIO E TEXTO OPINATIVO EM PRÁTICAS DE

4.3.2 O diário das experiências com a escrita em LE

O instrumento diário não é uma prática recente. Suas raízes são históricas e sociais, conforme descreve Machado (1998), em seu livro O Diário de leitura. Uma dessas raízes pode ser encontrada nos escritos de diários de caráter intimista e confessionário que foram desenvolvidos a partir do Cristianismo. Outra existência pode ser encontrada em diários autobiográficos, como o de Rousseau, sobre desequilíbrios sociais; ou em relatos de expressão de artistas apresentados por Delacroix. Entretanto, a partir do século XIX esse cenário muda, pois o diário se impôs como gênero, dadas as mudanças históricas e sociais relativas às contradições entre a afirmação de determinados princípios, tais como o da liberdade e da igualdade, e as reais condições com as quais os indivíduos se confrontavam no cotidiano. Ao enfrentar tais condições, os indivíduos teciam questionamentos sobre suas identidades recorrendo ao diário de autoexpressão e de reflexão como uma tentativa de ordenar o caos e/ou se ordenar em meio do mesmo.

No campo de pesquisa, o uso de diários de aprendizagem surgiu, segundo Bailey e Ochsner (1981, p. 188) como um recurso no qual se pudesse registrar, não apenas o aspecto afetivo em ensino-aprendizagem de língua estrangeira, mas também as percepções pessoais de um sujeito-aprendiz ou mesmo do sujeito-professor, diretamente relacionadas a esse processo. Segundo Bayley (1995, p. 168), de um modo geral, os diários são relatos de observações e de reflexões, feitos na primeira pessoa, sobre fatos ocorridos durante o processo de aprendizagem.

Segundo Deacon e Parker, (1995), dentro de uma demanda de reflexão, o diário pode funcionar como uma exigência dupla, que seria o discurso de confissão e o discurso de exame. Neste caso, a confissão revelaria o sujeito que se diz o que é no processo, se recobrindo por outras vozes. Ao passo que o exame está intimamente atrelado ao julgamento regulador dos discursos educacionais institucionalizados, permitindo que

49 Cf. ANEXO B sobre as questões reflexivas selecionadas para os diários e cf.. ANEXO C sobre os relatos dos sujeitos participantes durante o processo de escrita, aqui trabalhados.

“características particulares dos sujeitos sob observação ou análise sejam relatadas, classificadas, julgadas e utilizadas” (DEACON; PARKER, 1995, p. 104), trabalhando na produção e na disciplina dos sujeitos envolvidos.

Concordamos com os autores sobre estes dois discursos presentes nos diários. E queremos acrescentar, em face do que foi dito por Deacon e Parker (1995), que os diários reflexivos, para este estudo, foram escritos com questões para serem respondidas sobre o processo da escrita em LE. O que em certa medida pode ter “obrigado” os sujeitos- aprendizes a relatar com as vozes que lhes foram concedidas nas oficinas (discurso de confissão pela voz da pesquisadora). Mas como há outras vozes50 – exteriores ao momento

das oficinas, como, por exemplo, o discurso da escrita escolar e da acadêmica (discurso de exame) – compreendemos possíveis outros efeitos de interpretações para essa constituição de identificação do sujeito-aprendiz.

Após refletir, acima, sobre estas questões, retomamos que, como demanda de autoexpressão, escrevemos diários para conversar com o outro; para nos havermos com uma falta, que pode ser proveniente do limite do não dito; para lembrar quem somos; para saber quem queremos ser; para formular caminhos; para tê-los como testemunha ocular de uma história. Testemunho, em nossa língua, aliás, é um substantivo que afirma o fato de se ter visto ou ouvido algo em ação. É aquele que, como testemunha, legitima um ato, ou seja, aquele que compartilha, afirmando ou negando, uma experiência. Diários resultam dessa necessidade de lembrar o quanto nos falta, como se essa falta rompesse e nos desnudasse. É interessante, mas fazemos assim, escrevemos o que às vezes não conseguimos dizer, o que outrora vivemos e que, por alguma razão, faz-se necessário presentificar, marca que providencia o não esquecimento do que foi vivido. Assim, seja por reflexão ou por autoexpressão, narrar/falar sobre um diário é reinventar o que já foi marcado pelas palavras e, portanto, o experienciado, a ficção de si mesmo por atos de memória.

Por este viés, resolvemos incluir os diários como parte do corpus a ser analisado, já que foram escritos como uma expressão das experiências do sujeito-aprendiz com o momento da produção escrita em LE. Neste caso, compreendemos que os mesmos são como um continuum, um fio de vozes de memórias que estabelece relação com as vozes dos textos de opinião. Para isso, estabeleceremos uma sequência discursiva de fatos de proximidade longitudinal e histórica, de modo a analisar a forma como eles ocorrem, os

50 Nos relatos dados nos questionários social histórico acima dos sujeitos–participantes, é possível observar ressonâncias discursivas com os discursos citados como exemplo.

condicionantes que estão intrínsecos e extrínsecos e os que permaneceram ocultos/silenciados.

No capítulo seguinte, apresentamos as análises e as discussões realizadas a partir das sequências selecionadas entre os diários e os textos de opinião.

CAPÍTULO 5

ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CORPUS

A complicação primária da escrita: espaçamento, diferência, e apagamento originário de uma origem simples e presente (DERRIDA, [1967]1978).

Nosso capítulo começa pela narração de um evento aparentemente tão distante no espaço e no tempo, mas ao mesmo tempo tão próximo em sua essência, talvez não seja uma coisa vã, uma vez que, a nosso ver, de uma forma ou de outra, as relações entre os fenômenos estão cristalizadas no corpo social, com marcas profundas no jogo das relações sociais, em que o movimento de alteridade, na relação eu/outro, pode ser dimensionados a um espaço de conflitos.

5.1 O QUE DIZEM OS ESCRITOS DOS SUJEITOS-APRENDIZES-AUTORES DE