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O Dia do Ócio Criativo: trabalho, lazer e educação

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3. A gestão do Núcleo de Arte e Cultura: memórias e reflexões

3.2 Atuação do NAC: respeito às diferenças

3.2.3 O Dia do Ócio Criativo: trabalho, lazer e educação

Dentro de um espaço universitário, muitas pessoas consideram-se detentoras (às vezes de modo exclusivo) do saber e, o protagonismo, nesse sentido, está focado na área acadêmica, de maneira especial na pesquisa e ensino. Pensando numa ação comunitária que pudesse também fortalecer a área administrativa como parte integrante e relevante no contexto de diálogo entre pesquisa, ensino e extensão, criamos, em parceria com o setor de Recursos Humanos (RH), o Núcleo de Formação Cidadã (NFC) e a Associação de Funcionários (AFTAIMS), o Dia do Ócio Criativo, com o objetivo de gerar possibilidades para um processo de partilha de conhecimentos, por meio do fomento de espaço para “colega ensinar colega” e “colega aprender com colega”.

Tomando como inspiração a obra de Domênico de Masi, Ócio Criativo55, buscamos provocar a reflexão sobre trabalho, lazer e educação a partir do oferecimento de oficinas culturais durante o horário de trabalho – que nesse caso é realizado dentro de um espaço educacional. A intenção não era aprofundar os conceitos teóricos da obra, mas, a partir dela, provocarmos espaços de reflexão indireta sobre o que entendemos sobre ócio; o que fazemos nos momentos de ócio; de que maneira podemos também fazer do ócio algo criativo, a importância do estímulo à criatividade para o trabalho, o papel da área administrativa dentro do contexto de formação educacional etc.

Então, durante um dia do ano, na semana do “Dia do Trabalho” (1º de maio), abríamos oficinas culturais e os/as funcionários/as eram liberados/as, durante o expediente para ser facilitador/as ou participante, no período da oficina. O jardineiro realizava a oficina “dicas de jardinagem”, a secretária explicava pontos de crochê, a funcionária do departamento de Tecnologia da Informação aprendia a fazer cachecol e seu colega a produzir caixas com sobras de folder. Assim muitas pessoas – funcionários/as, docentes, discentes (estagiários/as) e membros da comunidade (pessoas amigas e familiares) - foram se achegando

55 Domênico de Masi, sociólogo italiano, é reconhecido por trazer o conceito de ócio criativo para o

contexto da sociedade contemporânea. Para ele, ainda vivemos como se estivéssemos na sociedade industrial, focada na produção de bens materiais e não imateriais, como é o caso da sociedade contemporânea, pós-industrial. Nesse sentido, a criatividade é parte constituinte dessa realidade, onde devemos ter mais tempo livre para a produção de conhecimento.

e somando, com a equipe organizadora, na realização dessa ação cultural. Na figura 19, o jardineiro, Albertino Duarte Ribeiro, compartilha dicas de como cultivar plantas em ambientes fechados.

Figura 19: Albertino Ribeiro, jardineiro, realiza oficina no Dia do Ócio Criativo

.

Fonte: (Acervo do Núcleo de Arte e Cultura, 2006)

Na figura 20, funcionários/as da UMESP aprendem a confeccionar velas decorativas, no Dia do Ócio Criativo de 2006.

Figura 20: Oficina de velas decorativas no Dia do Ócio Criativo

Na figura 21, o agente cultural do NAC, Roy de Oliveira, realiza a oficina Leve seu Canto, no Dia do Ócio Criativo de 2009, onde os/as participantes escolhiam uma canção, ensaiavam, gravavam e o material produzido na oficina era registrado em cd.

Figura 21: Oficina Leve seu Canto com o agente cultural Roy de Oliveira

Fonte: (Acervo do Núcleo de Arte e Cultura, 2009)

Segundo Hamilton Faria (2001), processos autênticos de criatividade envolvem participação, são fundamentais para desconstruirmos a compreensão de ação cultural somente como espetacularização e focarmos nos processos de interação e construção de relacionamentos sadios.

Entendo que o Dia do Ócio criativo contribuiu para aproximação entre as diferentes áreas e setores da instituição, incentivando não apenas o ato de criar mas também o de participar, como também despertando o interesse para novos conhecimentos e proporcionando um ambiente de trabalho sadio e cooperativo. O protagonismo de pessoas, muitas vezes invisibilizadas pelo contexto do trabalho, modificou o cotidiano, individual e coletivo.

Retomando Faria (2001), se a Cultura não dialogar com todas as áreas e especialmente com a Educação, ela perde a sua força e corre o risco de ser considerada apenas evento, que é uma ação sem enraizamento na comunidade local.

O Dia do Ócio Criativo foi realizado de 2005 a 2011 envolvendo anualmente cerca de 100 a 200 pessoas. Contou com o apoio financeiro da instituição e da AFTAIMS, que liberavam uma verba específica para a compra de materiais das oficinas. Consolidou-se durante os quatro primeiros anos de realização; contudo, a partir de 2010 e 2011 começou a perder força e houve uma queda de envolvimento e participação, por diferentes motivos, como por exemplo: “falta de tempo” e “não liberação por parte do gestor(a)”. Compreendemos que era momento de parar e, atualmente, essa ação está suspensa.

3.2.4 A orquestra

Em meados de 2010, o maestro Daniel Cesar Martins procurou a coordenação do NAC, com a solicitação de cessão de espaço físico para o ensaio de uma orquestra jovem. Ele havia trabalhado no Projeto Guri56 em São Bernardo do Campo(SP) e, conforme regulamento do projeto, jovens acima de 18 anos não podem permanecer. Sendo assim, a ideia era manter o grupo que não poderia continuar no Guri, mas para isso, precisava de um espaço para os ensaios. Levei a solicitação à professora Elaine Lima de Oliveira, que era a pró-reitora de gestão de pessoas e infraestrutura, a quem a coordenação do NAC estava vinculada diretamente. Após avaliação da Reitoria, foram aprovadas a cessão do espaço para ensaios e uma ajuda de custo para alimentação e transporte dos integrantes. A contrapartida da orquestra seria realizar apresentações em nome da UMESP. Posteriormente, houve também a cessão de uma sala guardar os instrumentos e foi ampliado o apoio financeiro, com a condição de que a orquestra encontrasse uma outra instituição ou empresa, que em parceria com

56 Criado em 1995 pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o Projeto Guri promove a inclusão

sociocultural de crianças e adolescentes por meio do ensino musical. É destinado a jovens de 8 a 18 anos.

a UMESP, pudesse financiar o projeto; ou, então, que o projeto fosse autossustentável. O que não aconteceu! A UMESP, infelizmente não conseguiu mantê-la sozinha, outro apoio não chegou, e no final de 2012 a parceria da orquestra com a Metodista foi encerrada.

Quem trabalha em gestão cultural sabe bem as dificuldades que existem para captação de recursos. As verbas são escassas e, se o projeto não der grande visibilidade, as empresas pouco se interessam. É frustrante quando temos conhecimento do potencial do projeto e dos benefícios sociais que ele pode trazer, mas o recurso financeiro não chega, impedindo assim a sua realização ou continuidade.

A orquestra fez parte das ações do NAC durante os dois anos e meio em que esteve na UMESP. O NAC atuou como canal de diálogo entre Reitoria e maestro, e participou ativamente viabilizando ações internas na produção, fomento e organização dos Concertos e demais apresentações, internas e externas.

Figura 22: Concerto Didático com a Filarmônica Jovem Camargo Guarnieri

Fonte: (Acervo do Núcleo de Arte e Cultura, 2011)

Durante esse período, uma Série de Concertos Didáticos foram realizados mensalmente. Nos primeiros concertos, em meados de 2010, havia uma média de público de 100 pessoas, já no final de 2012 a média aumentou para 300 pessoas. Nos concertos com temática de filmes e nos Concerto Especiais para crianças, o Salão Nobre da UMESP, com capacidade para mais de 500 pessoas, ficou lotado. (Relatório do NAC, 2010-2012).

A presença de crianças nos concertos destacava o aspecto acolhedor da proposta, que era criar a oportunidade de fruição e aprendizado, sem repressão. A orquestra, que ao chegar na UMESP não tinha nome, foi nomeada, por escolha dos integrantes, Filarmônica Jovem Camargo Guarnieri. Os jovens músicos foram se desenvolvendo, tecnicamente, musicalmente e expressivamente, e como fruto de muito ensaio e dedicação, a orquestra foi crescendo e ficando conhecida na região e entorno.

Hamilton Faria, afirma que:

Alguns pensam em cultura apenas como o reforço de manifestações da arte popular, negando o clássico e mesmo o experimental, que não nasceram necessariamente dos mitos e raízes ou mesmo do conhecimento popular. O mais importante é a qualidade cultural e não o lugar de sua origem ou o caráter do processo criativo. (FARIA, 2003, p.18)

Nesse sentido, destacamos dois encontros que refletiram o fazer artístico do NAC, norteado pela valorização da diversidade cultural:

A orquestra e a bateria: A bateria Makossa, formada por jovens vinculados à

Atlética de Comunicação da UMESP, tem como objetivo principal se apresentar em jogos abertos com a finalidade de “animar” a torcida. Articulamos um encontro entre a Orquestra e a Bateria, o que se realizou no encerramento do Dia da Universidade Aberta57 de 2012. Dois grupos formado por jovens: a Orquestra, composta por músicos de 12 a 25 anos, oriundos de um projeto social; e a Bateria, por jovens de classe média e média alta, alunos e ex-alunos da UMESP. Um grupo formado por instrumentos de percussão (contempla o universo do popular) e o outro por instrumentos de orquestra (contempla o universo erudito). Esse encontro rompeu estereótipos e contemplou o caminhar juntos em meio às diferenças.

Na figura 23, vemos integrantes da bateria Makossa e da Orquestra, com o maestro Daniel Cesar Martins (microfone na mão).

57 Dia em que a Universidade Metodista abre as portas para receber vestibulandos a fim de que conheçam

Figura 23: Bateria Makossa e Filarmônica Jovem Camargo Guarnieri.

Fonte: (Acervo do Núcleo de Arte e Cultura, 2012)

A Orquestra no Aquarela: O Programa Aquarela é vinculado ao NAC e

destinado a ações voltadas para a 3ª idade58. Em 2012, os grupos formados na oficina de Canto Coral e na oficina de Teatro, se juntaram à Orquestra para a apresentação de “Os Saltimbancos”, realizada em outubro, em comemoração ao Dia das Crianças. Crianças, jovens e idosos/as, mediados pela arte, puderam se encontrar e sinalizar, com esse encontro, o diálogo possível e necessário entre a cultura (interações sociais) e a educação (troca de conhecimentos e saberes). Na figura 24, ao fundo do palco, estão os/as participantes da oficina de Coral, ao centro, integrantes da oficina de Teatro e ao lado, componentes da Orquestra.

58É um programa de extensão que promove ações voltadas para o reconhecimento, valorização, integração

e aproveitamento do potencial das pessoas na terceira idade, com o espaço universitário e seus agentes. Criamos o programa em 2012 com o objetivo de inserir pessoas idosas no espaço universitário e promover o encontro intergeracional (vwww.metodista.br/terceiraidade)

Figura 24: Orquestra jovem se apresenta com grupos do Programa Aquarela

Fonte: (Acervo do Núcleo de Arte e Cultura, 2012)

Somente para a Série de Concertos Didáticos, a orquestra se apresentou mais 25 vezes. Foram concertos diversos envolvendo solistas, cantores/as, músicos internacionais, clowns e performances teatrais; com chuva ou sol o público estava lá, o que nos enchia de satisfação. A equipe do NAC se desdobrava para dar conta de todas as ações internas, do Programa Aquarela, do Setor de Produtos Artesanais59 e também da Orquestra. Mas a cada apresentação, era nutrida a certeza de que, mesmo com os desafios enfrentados, as conquistas estavam sendo superiores, o que nos fortalecia.

Promover o diálogo entre Educação e Cultura é valorizar o processo e não somente o produto. É performance e não conteúdo. Como diz Teixeira Coelho (COELHO, 2011), a cultura tem a perspectiva de uma troca permanente, uma performance, cuja verdade está nessa relação e não no conteúdo de uma obra. No início do projeto da Orquestra, ouvimos críticas a respeito da afinação do grupo e outros comentários desestimuladores e muito comuns de se ouvir no exercício da gestão cultural; porém, insistimos, e acreditamos nesse projeto que, além de ser formador foi transformador de vidas.

59 Vinculado ao NAC o Setor e Produtos Artesanais é formado por 30 funcionários com deficiências

intelectuais que se desenvolvem profissionalmente a partir do contato com trabalhos manuais e com a linguagem teatral.

A presença e a trajetória da Filarmônica Jovem Camargo Guarnieri rompeu preconceitos, quebrou paradigmas e marcou positivamente a vida de muitas pessoas, contribuindo para maior inserção regional da UMESP e alavancando a ação cultural do NAC.

Figura 25: Filarmônica Jovem Camargo Guarnieri.

Fonte: (Acervo do Núcleo de Arte e Cultura, 2012)

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