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O direito à dignidade como experiência social

2.1. DIGNIDADE UNIVERSAL – ATRIBUTO COLETIVO DA HUMANIDADE …

2.2.3 O direito à dignidade como experiência social

Jacobson (2009) considera que a dignidade é parte, há um bom tempo, tanto dos discursos na área de saúde como na área de direitos humanos, os quais são unidos, conceitual e historicamente, na Declaração Universal de direitos Humanos. Contudo, é a ideia de Mann que propõe a relação entre direitos humanos e saúde mediada pela experiência de dignidade.

Com isto posto, Jacobson (2009) desenvolve seu artigo inspirada pelo insight de Mann sobre a relação de reciprocidade entre saúde e direitos humanos, que demonstra ser a experiência de dignidade que explica tal relação de reciprocidade. Com isto, aponta para a necessidade de uma taxonomia de dignidade. E, com essa inspiração, Jacobson (2009) desenvolve uma pesquisa, a qual permite-lhe afirmar que: “dignidade é uma qualidade, de indivíduos e coletividades, que é constituída pela interação e interpretação, e estruturada por condições

pertinentes aos atores, relacionamentos, cenários, e à ordem social mais ampla.” (p. 8 tradução livre)

Para Jacobson (2009), a dignidade possui duas formas principais: dignidade humana e dignidade social. Cada uma destas formas possui diversos elementos. A primeira é uma qualidade universal, abstrata, de todo ser humano, presente na espécie, seja nas coletividades ou em cada indivíduo, portanto, também, interna. Não é quantificável, tampouco pode ser criada ou destruída. A segunda se manifesta nas interações sociais, é “produzida socialmente “ (p. 4) podendo ser dividida em dois tipos: dignidade-do-self e dignidade-em-relação. A dignidade-do-self é uma “qualidade de auto-respeito” (p. 4). A dignidade-em-relação aparece no comportamento, durante a interação, no respeito e valor atribuído às pessoas. Estes dois tipos de dignidade social não são universais. São consideradas por Jacobson como

“contingentes”(p. 4), o que permite que sejam “medidas, violadas ou promovidas” (p. 4).

Neste ponto do argumento, Jacobson (2009) afasta-se da concepção de Kant (2011 [1971] p.

509, grifo meu), de que “a obrigação que decorre da lei moral permanece válida para a prática particular da liberdade de cada um, mesmo que os outros não se conformem com essa lei”, pois explica a dignidade como construção social, portanto, influenciada pelos outros, e extrínseca.

Toda interação humana, para Jacobson (2009), tem o potencial de ser um encontro de dignidade. Ou seja, toda interação pode evidenciar a dignidade. Mas isso tanto pode ocorrer no sentido de sua promoção como de sua violação, ambas possíveis no nível coletivo e individual (correspondendo às categorias de dignidade supracitadas). Há diversas condições que influenciam a forma como o encontro se desenrolará, como os atores envolvidos e suas relações. Tais condições apresentam-se simultaneamente, e de diversas formas. Contudo, a pesquisa de Jacobson apontou tendências para a violação e para a promoção. A violação foi encontrada, de forma mais comum, quando havia diferença de poder entre os atores (assimetria), e em situações em que uma das partes encontrava-se em um estado vulnerável, e a outra em posição de antipatia. A promoção mostrou-se mais em casos de relações de solidariedade entre os atores, em ambientes de justiça, e “circunstâncias humanas” (p. 5). Tais tendências são descritas como “fatores de risco à violação ou promoção da dignidade: sua presença não determina completamente violação ou promoção, mas faz tais resultados mais prováveis”. (p. 5)

Desta forma, Jacobson (2009, p.8), a partir dos elementos (estáticos) da taxionomia encontrada em sua pesquisa, afirma que “dignidade é constituída pelos processos sociais de interação e interpretação”, e que sua pesquisa é uma contribuição para os trabalhos em saúde e em direitos humanos, pois demonstra a ligação entre entidades individuais e coletivas, o que pode ajudar a explicar a relação entre condições sociais e de saúde, tanto em indivíduos como em comunidades, orientando possíveis intervenções.

A obra de Jacobson (2009), com sua preocupação com a promoção da dignidade, e possíveis intervenções que evitem a sua violação, aponta para uma construção normativa e coletiva. Contudo, trata-se de uma norma com diversos aspectos relativos e especificidades, dependente do contexto social para sua compreensão e aplicação, respeitando tais particularidades. Apesar de reconhecer a parcela inerente da dignidade, esta apresenta-se em conjunto com a forma social da dignidade, possível apenas a partir da interação e do encontro.

Assim, Jacobson não adota a posição a favor da luta política de Habermas. Adota uma posição de exposição próxima da de Waldron, pois define termos e descreve situações, sem dar uma sugestão direta e incisiva para promover a dignidade ou evitar sua violação.

Os argumentos de Waldron, Habermas e Jacobson permitem perceber um raciocínio de que, para se ter o respeito à dignidade, como universal, é preciso reconhecer e atender seus aspectos não universais, particulares, relacionados a status, hierarquia, e às diversas formas como as interações e relações sociais podem desenvolver-se. Além disso, ainda que se admita que todo ser humano partilha uma dignidade universal, caso não se reconheça a dignidade de alguém, a situação de desrespeito ou humilhação pode estabelecer-se. Ainda que seja o próprio sujeito que não se reconheça como digno e, como tal, não exija seus direitos.

Portanto, mostra-se como reflexão desses autores que é preciso atender aos aspectos particulares da dignidade, se o que se pretende é a sua universalidade. Negar a existência de hierarquizações ou estratificações não as elimina. Seja pela função positiva e coercitiva da lei, da construção de um espaço político genuinamente democrático, seja pela promoção de relações sociais mais respeitosas, as particularidades são colocadas como aspectos relevantes para a possibilidade da experiência da dignidade humana como valor universal, de todo e qualquer grupo.

Apesar de Habermas e Jacobson tangenciarem a discussão dos aspectos individuais, eventualmente citando o indivíduo, fazem-no para traçar sua parte no coletivo. Não se aprofundam em demandas ou aspectos específicos da dignidade relacionados ao indivíduo.

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