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O DIREITO À LIBERAÇÃO EXTERNA

No documento A liberação do fiador (páginas 69-200)

1. Desvinculação do fiador face ao credor

1.1. O direito a revogação do fiador nas fianças prestadas em contratos de crédito ao consumo

I - A celeridade com que as modificações sociais ocorrem hoje em dia era algo impensável há bem poucos anos atrás. Com efeito, ao mesmo tempo que acontecem incalculáveis alterações sociais, o homem procura conservar alguns institutos, conceitos e valores que perduram há vários anos. Em razão disso, a ciência do Direito procura acompanhar estas evoluções sociais e nos meandros dessas mudanças, encontramos institutos como o contrato, hoje dentro de uma nova realidade social que se distancia da realidade onde foi concedido e desenvolvido. Particularmente elucidativo foi o que manifestou, em 1933, Louis Josserand, quando mostrou a sua preocupação com o fim daquilo que chamou a “idade de ouro” da liberdade contratual234. Porém, no revés do que receava o jurista francês, o princípio da autonomia da vontade está na actualidade mais forte do que nunca, já que mecanismos foram e continuam a ser concebidos para corrigir as suas imperfeições. Porém, entre todas as realidades afectadas por tais imperfeições e exageros da teoria contratual clássica, o acto de consumir desponta como a sua maior vítima. Com efeito, na sociedade de consumo parte-se de uma relação jurídica contratual desigual, ou seja, temos por um lado o fornecedor do produto ou serviço e de outro, o consumidor que necessita de estabelecer a relação contratual, ou melhor, necessita que lhe sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos. Com isso, coloca-se, em princípio, numa situação de vulnerabilidade.

Aliás pode-se mesmo dizer que, ao contrário do que ocorreu no passado, em que o fornecedor e consumidor se encontravam numa relação equilibrada (até porque se conheciam), que actualmente o fornecedor assume uma posição de força na relação de

69 consumo e, por isso, muitas das vezes “dita as regras”. Todavia, o direito não pode ficar alheio a tal fenómeno235.

Numa breve nota, cabe referir que a evidência de acções embrionárias tendentes à protecção dos interesses da colectividade consumidora, surgiram nos finais do século XIX, inicialmente nos Estados Unidos da América e posteriormente, seguindo o exemplo, nos países mais industrializados do ocidente europeu236. Os Estados Unidos da América, como pioneiros na defesa dos consumidores, no ano de 1906 promulgaram pela primeira vez normativas de índole administrativa para proteger o consumidor. Mais tarde, outros actos legislativos foram se seguindo para combater práticas mercantis fraudulentas, fraudes negociais nos transportes ferroviários, bem como na significativa constituição da Federal Trade Comission em 1914, instituída para combater as formas monopolistas de domínio do mercado e defesa dos interesses dos consumidores237. Outro inédito destaque foi o papel da jurisprudência na árdua aplicação do Direito em benefício do consumidor, sem o qual não se teriam desenvolvido os instrumentos em sua defesa. Também, ao lado disso, se aponta a fundação Consumers League criada em 1891 por um movimento de consumidores para defender os seus direitos238.

Assim, ao longo do século XX a protecção do consumidor espalhou-se por todo o mundo.

No continente europeu, ainda que indirectamente as leis pioneiras de satisfação dos direitos dos consumidores surgiram de maneira geral na Inglaterra através do Sale

of Goods Act, de 1893, que deu expressão legal às complexidades do contrato de

compra e venda de coisas corpóreas. Outra específica contribuição resultou da jurisprudência mediante a inversão do ónus da prova em matéria de responsabilidade

235 Cfr., Ada Pellegrini Grinover, Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado, 5ª ed., Revista, Actualizada e Ampliada, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998, p. 6.

236 Cfr. Cláudio Pretini Belmonte, A redução do negócio jurídico e a protecção dos consumidores, uma perspectiva Luso-Brasileira, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, 74, Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 84; Eduardo António Klausner, Direitos do consumidor no Mercosul e na união europeia, acesso e efectividade, Curitiba, Juruá Editora, 2006, p. 38; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Estudos do instituto de Direito do consumo: Autonomização e configuração dogmática, EIDC, vol. I, Almedina, 2002, p. 16; Raúl Carlos de Freitas Rodrigues, O consumidor no direito angolano, Instituto de Cooperação Jurídica, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, pp. 17-18.

237 Cláudio Pretini Belmonte, A redução do negócio jurídico e a protecção dos consumidores, ob. cit., p. 89, n. 279; Carlos Ferreira de Almeida, Os direitos dos consumidores, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, p. 34; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Estudos do instituto de Direito do consumo, ob. cit., p. 16; Raúl Carlos de Freitas Rodrigues, O consumidor no direito angolano, ob. cit., p. 19

238 José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do consumidor, 6ª ed., São PAULO, Atlas, 2003, p. 26.

70 civil do produtor. Estes instrumentos serviram de base para construções jurídicas nos demais Estados. Na França, criou-se a Lei 1 de Agosto de 1905, que se destinava a reprimir adulterações de produtos alimentares. Já na Alemanha tem-se como referência a lei sobre a concorrência desleal de 1909, apesar de só reflexamente fazer menção a defesa dos direitos consumidores239.

Porém, as maiores evoluções se verificaram depois do término da Segunda Guerra Mundial, porquanto, num ritmo frenético de grande desenvolvimento económico, de internacionalização da economia e de grandes fusões empresariais, incrementou-se a produção e massa, bem como o comércio geral240. Conforme afirma Elsa Dias de Oliveira, entrou-se no que se chama de “sociedade de consumo” ou de “abundância”241. Em reacção, na Europa surgiu em 1947 um dos primeiros grupos organizados de consumidores denominado de Conselho Dinamarquês dos Consumidores. Movimento paralelo estabeleceu-se nos restantes países nórdicos, assim nasceram organizações na Noruega, Suécia e Finlândia. Na Itália fundou-se em 1995 a

Unione Nazionale Consumatori242.

A década de 60 para diante ficou marcada pela defesa do mais fraco, o consumidor, pois verificou-se enorme produção legislativa nos ordenamentos jurídicos internos, na qual se destacam países como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Portugal, Espanha, aonde se abriu espaço para o aprofundamento de discussões em torno dessa matéria. Outro plano histórico de destaque aconteceu na comunidade europeia, através da criação da “Carta do Consumidor” em 17 de Maio de 1973, onde se reconheceram os princípios fundamentais dos direitos dos consumidores e a ele se juntaram, posteriormente, diversas medidas legais243. Paralelamente a iniciativa europeia, as Nações Unidas, na época de 80, adoptou por consenso a

239 Carlos Alberto Bittar, Direitos do consumidor, São Paulo, Forense Universitária, 1991, p. 13; Carlos Ferreira de Almeida, Os direitos dos consumidores, ob. cit., p. 33; Raúl Carlos de Freitas Rodrigues, O consumidor no direito angolano, ob. cit., p. 21.

240 Mesa Redonda, A concorrência e os consumidores, Conselho Económico-Social, Série “Estudos e Documentos”, Lisboa, 2001, p. 18; Raúl Carlos de Freitas Rodrigues, O consumidor no direito angolano, ob. cit., p. 22.

241 Elsa Dias de Oliveira, A protecção dos consumidores nos contratos celebrados através da internet, contributo para uma análise numa perspectiva material e internacional privatista, Almedina, 2002, p. 25.

242 Cfr. Jorge Pegado Liz, Introdução do Direito e à Política do consumo, Notícias Editorial, 1999, p. 31, n. 37.

243 Cláudio Pretini Belmonte, A redução do negócio jurídico e a protecção dos consumidores, ob. cit., pp. 92-93; Raúl Carlos de Freitas Rodrigues, O consumidor no direito angolano, ob. cit., pp. 27- 29.

71 Resolução 39/248 de 16 de Abril de 1985, onde se verificou pela primeira vez preceitos específicos de efectiva defesa dos interesses dos consumidores no espaço mundial244.

Em sede desta evolução, realizou-se a Conferência Africana sobre a protecção do consumidor de 28 de Abril a 02 de Maio de 2006, na qual se orientou a cada Governo a necessidade de se estabelecer como prioridade a defesa e protecção dos consumidores245. Ainda nesta perspectiva, aponta-se a importância conferida aos consumidores da América Latina, com destaque para as regras estatais adoptadas e a actividade do Mercosul, a partir da década de 80246.

Em face desta realidade, não podemos assim deixar de apontar os corpos normativos que sistematizaram o material jurídico disperso sobre a protecção do consumidor. Falamos da França, que o fez em 1993; e mesmo o Brasil, através do Código de Defesa do Consumidor que se consolidou com Lei 8078, de 11 de Setembro de 1990, revelando-se um avançado instrumento de protecção do consumidor, do qual resultou uma expressa determinação constitucional que visou preencher uma lacuna legislativa justificada na ausência de qualquer protecção ao consumidor. Porém, neste país, a sua aceitação não se mostrou pacífica, pois várias entidades tentaram ao longo dos anos escapar da sua actuação, como acontecia com as instituições financeiras que através de recursos recusavam-se a cumprir as normas estabelecidas no CDC, até decisão do Supremo Tribunal Federal a determinar que os bancos tinham efectivamente uma relação de consumo com os seus clientes, portanto sujeitam-se às regras do CDC247.

Torna-se, por sua vez, relevante sublinhar a lápis grosso que, a Alemanha e a Holanda integraram estas matérias nos seus Códigos Civis.

Em Angola, face a frenética abertura do mercado, criou-se o Instituto de Defesa do Consumidor “INADEC”, através do Decreto n.º 5/97, de 25 de Julho, tutelado pelo Ministério do Comércio, com vista a salvaguardar os direitos dos consumidores. Desde então, surgiu a primeira Federação Angolana de Associação de Consumidores (FAAC), publicada em Diário da República, III Série, n.º 26 de Abril de 2003. Tal instituição está ligada a diferentes associações de consumidores, sem contudo manterem qualquer

244 Veja-se, Eduardo António Klausner, Direitos do consumidor no Mercosul, ob. cit., p. 40. 245 Cfr., Raúl Carlos de Freitas Rodrigues, O consumidor no direito angolano, ob. cit., p.32. 246 Cfr., Eduardo António Klausner, Direitos do consumidor no Mercosul, ob. cit., p. 40 e ss. 247 Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de defesa do consumidor. O novo regime das relações contratuais, 5ª Edição revista, actualizada e ampliada, Editora Revistas dos Tribunais, 2005, p. 141 ss.

72 vínculo jurídico, como sucede com a Associação de Defesa do Consumidor (ADECOR) e a AADIC, Associação Angolana dos Direitos do Consumidor fundada em 2012. Porém, a nosso ver, parece-nos que a defesa pelos direitos do consumidor em Angola ainda não atingiu a sua maturação, apesar dos esforços desenvolvidos para tal. Na nossa visão, julgamos ser uma questão de cultura que ainda não se encontra entranhada em grande parte da população, e até mesmo uma questão de ausência de activismo, levando a que muitos desconheçam os seus direitos e os que conhecem pouco ou nada se esforçam por eles.

No entanto, é de salutar que a Constituição angolana em sede dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, como um direito positivo de actuação do Estado, prevê sob o título: Direitos do Consumidor (art.º 78º), tal protecção. Por sua vez, reafirma-se a sua maior amplitude e supremacia quando tal dispositivo se conjuga com um outro, ditado no âmbito do sistema orientador da ordem económica constitucional angolana, nas vestes de princípio fundamental (al. h), n.º 1 do art.º 89º da Constituição).

Desse modo, vemos claramente a orientação directa do Estado na defesa e garantia constitucional dos direitos básicos do consumidor, daí admitir-se que esta matéria transformou-se em “questão do Estado”. Por isso, não nos surpreende que os direitos do consumidor para efeitos de tutela, logo na própria Constituição, promova a necessidade da defesa dos interesses colectivos e difusos no qual obviamente não ficam de fora os consumidores finais que, pela própria razão de ser, constitui uma atribuição do Ministério Público (al. d) do art.º 186º),órgão institucionalmente comprometido com o papel de guardião da sociedade e da ordem jurídica (Lei n.º 22/12, de 14 de Agosto).

Em Portugal, algumas normas penais antigas já protegiam, ainda que indirectamente, os consumidores, punindo determinadas práticas comerciais, como a venda de substâncias nocivas para a saúde pública248. Neste país, para além do referido, o primeiro instrumento no qual se verificou preocupação específica com a defesa dos direitos dos consumidores foi a Proposta de Lei sobre a promoção e a defesa do consumidor, apresentada ainda antes da mudança de regime em 1974. Porém não

248 Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Os direitos dos consumidores, ob. cit., p. 40; Jorge Pegado Liz Introdução ao Direito e à Política do Consumo, ob. cit., p. 66.

73 prosseguiu249. Só mais tarde, a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto veio a aprovar o primeiro instrumento de defesa do consumidor; e em 1982, a primeira revisão da CRP introduziu expressamente na lei fundamental alguns direitos dos consumidores250. Anos depois, a Lei Constitucional n.º 1/89, que aprovou a segunda revisão da Constituição, inseriu a matéria dos direitos do consumidor no capítulo dos direitos fundamentais251. Em 1996, a primeira Lei de Defesa do Consumidor foi substituída pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho. Porém, em Março de 2006, foi apresentado o Anteprojecto de Código do Consumidor, embora sujeito a algumas críticas252, mas parece-nos que o instituto foi condensar as regras do consumo dispersas em vários instrumentos, o que acabaria por se tornar vantajoso para todos.

No entanto, a Lei n.º 24/96 de 31 de Julho foi submetida há várias alterações ao abrigo da Lei n.º 85/98, de 16 de Dezembro, posteriormente através do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, da Lei n.º 10/2013, de 28 de Janeiro e do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro; porém, este último sofreu a sua primeira alteração por força da Lei 47/2014, de 28 de Julho, satisfazendo-se a exigência da Directiva n.º 2011/83/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores.

Na CRP, no entanto, não se encontra nenhum conceito de consumidor, como até se percebe. Porém a Lei de Defesa do Consumidor vem fazê-lo no n.º 1 do art.º 2º ao considerar consumidor: aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou

transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que

249 Cfr. José de Oliveira Ascensão, Direito civil e Direito do consumidor, in Themis – RFDUNL, Edição Especial – Código Civil Português (Evolução e Perspectivas Actuais), 2008, pp. 165- 182.

250 Cfr. José Magalhães Godinho, Palavras Introdutórias do Presidente da Associação para o PdD”, in PdD, Ano II, n.º 2, 1984, pp. 9-12; António Sousa Franco, Noções de Direito da Economia, vol. I, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1996, 1982-1983, p. 194.

251 Catarina Sampaio Ventura, Os Direitos fundamentais à luz da quarta revisão constitucional, in BFDUC, vol. LXXIV, 1998, pp. 493-527.

252 José de Oliveira Ascensão, defende que: “nunca se deveria […] regular institutos inteiros, pela única razão de conterem também regras de protecção do consumidor. Mas é o que faz o Anteprojecto português”, afirma inda o autor: “absorver integralmente institutos gerais não é regular o estatuto do Consumidor, é criar o tal Código Civil II que rejeitamos”. Veja-se, Direito civil e Direito do consumidor, ob. cit., p. 178; António de Menezes Cordeiro defende que o Código: “irá quebrar a unidade do Direito civil português, reduzindo a pouco a eficácia diária do Código Civil”; nestes termos a solução deve ser repensada. Veja-se, Da reforma do Direito civil Português”, in O Direito, Anos 134º - 135º, 2002/2003, pp. 31-44.

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exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”253.

II - Chegados a este ponto, é altura de equacionar se é de aplicar ao fiador a protecção prevista para o consumidor.

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, actualmente Tribunal de Justiça da União Europeia, enunciou dois requisitos fundamentais para que o fiador pudesse apresentar-se como consumidor: “que seja uma pessoa singular que […] age

com fins que podem ser considerados como alheios à sua actividade profissional” e,

que a fiança seja “acessória a um contrato pelo qual um consumidor se comprometeu […] em relação a um comerciante para dele obter bens ou serviços” 254. Deste modo, a fiança pode ser acessória a um contrato de consumo - contrato pelo qual uma pessoa singular se compromete em relação a um comerciante para dele obter bens ou serviços255.

Para a doutrina espanhola, sempre que a fiança seja caracterizada como um acto de consumo, isso implica, por força do princípio da acessoriedade, uma extensão ao fiador dos meios de defesa que são permitidos ao consumidor (devedor principal) em relação ao fornecedor256. Para além deste regime, discute-se ainda a aplicabilidade de protecção ao fiador, quando a fiança tenha sido constituída fora do estabelecimento do credor.

Sobre a questão, pronunciou-se o Supremo Tribunal espanhol, ainda na vigência da Directiva 85/577/CEE, na qual considerou que o contrato de fiança não configura uma operação de crédito ao consumo, pelo que, em princípio o seu regime não será aplicável directamente a fiança, apesar de puder ser aplicado por via da acessoriedade; ou seja, o fiador goza nos termos gerais dos direitos que são atribuídos ao devedor

253 O CDC brasileiro define consumidor no seu art.º 2º como: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Acresce o parágrafo único deste artigo que: “ Equipara-se a consumidor a colectividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Em Angola, o n.º 1 do art.º 3º define o consumidor como: “toda a pessoa física ou jurídica a quem sejam fornecidos bens e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e que os utiliza como destinatário final, por quem exerce uma actividade económica que vise a obtenção de lucros”.

254 Os argumentos deduzidos pelo Tribunal de Justiça no Ac. de 17 de Março de 1999 proferidos no âmbito da Directiva 1985/577/CEE, foram igualmente confirmados pelo Ac. de 14 de Março de 2013, proferido a propósito do Regulamento (CE) n.º 44/2001. Cfr., JULGAR online, Setembro de 2016, p. 37.

255 Ac. do Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1998.

75 principal257. Noutro Ac. de 17 de Março de 1998, o Supremo Tribunal espanhol considerou que muito embora não se declare expressamente no teor da Directiva a figura do fiador, o certo é que o contrato fidejussório se rege pelas normas protectoras do contrato principal258. Contudo na situação analisada pelo Supremo Tribunal espanhol foi recusado ao fiador a possibilidade de beneficiar do direito à informação e a possibilidade de desistir do contrato conforme estabelece a Directiva; pois embora o fiador se tratasse de pessoa singular, que actuava fora do âmbito das suas relações profissionais e o contrato tivesse sido celebrado fora do estabelecimento comercial, a questão era que o devedor principal era uma sociedade, ou seja, a fiança garantia o reembolso de uma dívida contraída por outra pessoa, que agia no âmbito da sua actividade profissional259. Na doutrina, Aída de Carlucci defende que, havendo um contrato celebrado ao abrigo da Directiva 85/577/CEE do Conselho de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais260, a protecção conferida ao devedor principal se entende por via da acessoriedade ao contrato fidejussório261.

Em posição contrária, um outro Ac. do Supremo Tribunal espanhol, considerou que ao fiador não se estende a protecção conferida ao consumidor na aludida Directiva. Porém, colocou-se a questão de se aplicar uma outra Directiva 87/102/CEE de 22 de Dezembro de 1986262, relativa aos contratos de crédito ao consumo; contudo também veio a final o Tribunal a declarar que aquela se destinava exclusivamente ao devedor, e não ao fiador, pois aos contratos de crédito não se inclui a fiança, que se trata de garantia pessoal e não de um empréstimo, não se mostrando, por outro lado, um pagamento diferido e, muito menos, de qualquer facilidade de pagamento no sentido

257 Ac. do Tribunal Superior Espanhol de 23 de Março de 2000, disponível em

www.poderjudicial.es, visualizado em 07 de Junho de 2017.

258 Cfr., Aída Kemelmajer de Carlucci, La eficacia (o ineficacia) de la llamada garantía “excesiva”, Estudios jurídicos en homenaje al profesor Luis Díez-Picazo / coord. por Antonio Cabanillas Sánchez, vol. II, 2002, p. 2121.

259 Aída Kemelmajer de Carlucci, La eficacia (o ineficacia) de la llamada garantía “excesiva”, ob. cit., p. 2122.

260 O art.º 4º e 5º desta Directiva estabelecem a obrigação do comerciante informar por escrito, ao consumidor do direito que lhe assiste de rescindir o contrato no prazo de sete dias.

261 Aída Kemelmajer de Carlucci, La eficacia (o ineficacia) de la llamada garantía “excesiva”, ob. cit., p. 198.

262 Esta Directiva foi posteriormente modificada pela Directiva 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990, pela Directiva 98/7CE, de 16 de Fevereiro de 1998, tendo sido transposta para o quadro jurídico português através do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, que foi objecto de alterações pelo

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