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CAPÍTULO 2: A CRISE AMBIENTAL, A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E O PRINCÍPIO DE PROIBIÇÃO DE RETROCESSO AMBIENTAL.

2.2 O DIREITO-DEVER AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE ADEQUADO

Como se pode notar, nos itens anteriores à Constituição de 1988, estabeleceu-se todo um conjunto de princípios e regras em matéria de proteção e promoção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, saudável e seguro, conhecendo-se o caráter fundamental da qualidade ambiental para o desenvolvimento humano, em níveis compatíveis com a dignidade inerente à pessoa, no sentido da garantia e promoção de um bem-estar existencial individual e coletivo.

Assim como o texto constitucional dedicou, no Título VIII, referente à ordem social, um capítulo exclusivo do meio ambiente (art. 225), o direito (e dever) ao ambiente ecologicamente equilibrado como forma de garantir uma sadia qualidade de vida, guardando clara correlação com o princípio fundamental da dignidade humana que se traduz no direito fundamental da vida, anunciado expressamente pelo art. 1º, inc. III da CF/88.

Segundo Sarlet e Fensterseifer (2013, p.50), quando o legislador constituinte de 1988 consagra o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, acresceu implicitamente ao sistema normativo constitucional ambiental pátrio “novos elementos normativos ao conteúdo do mínimo existencial social à dimensão ecológica ao direito-garantia ao mínimo existencial”.

O que implica afirmar, tal como visto neste capitulo, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como os demais direitos fundamentais da pessoa humana, pertencentes ao rol de direitos humanos, não está sujeito as iniciativas revisoras legislativas por compreender ao rol das cláusulas pétreas30 da CF/88.

A fim de elucidar, indica-se as considerações de Ayala (2010, p.1052), a respeito do mínimo existencial, aplicadas sob a ótica ambiental, que estabelece relações com o princípio do não retrocesso, que será visto no decorrer deste

30

O conceito de cláusulas pétreas por Moraes (2006, p. 621) é “núcleo intangível constitucional, por opção soberana, autônoma e restritiva por parte da Constituinte de 1988, servindo de filtro para uma coerência lógica destas com a Constituição.”

capítulo, aceitando também a dimensão ecológica que deve ser garantida versus iniciativas retrocessivas que exponham, em alguma forma, ou representem “ameaça a padrões ecológicos elementares de existência.”

Nessa ótica, Canotilho (2004, p.12-16) afirma que o novo modelo de Estado de Direito contemporâneo tem como dever fundamental ecológico o dever de defesa e de proteção do ambiente, visando resguardar o direito à vida digna e saudável das presentes e das gerações, por virem em busca da concretização da justiça ou responsabilidade intergeracional.

Conforme lição de Fensterseifer (2007), esse novo e em formação Estado, denominado por Estado Socioambiental de Direito, nasceu com o propósito de

[...] reparar o débito social do projeto burguês do Estado Liberal e agregar a dimensão coletiva da condição humana alçada pelo Estado Social, projeta- se, hoje, no horizonte jurídico da comunidade estatal o modelo de Estado Socioambiental, que, conjugando as conquistas positivas (em termos de tutela da dignidade humana) dos modelos de Estado de Direito que o antecederam, possa incorporar a tutela dos novos direitos transindividuais e, num paradigma de solidariedade humana (nas dimensões - nacional e trans-nacional), projetar a comunidade humana num patamar mais evoluído de efetivação de direitos fundamentais (especialmente dos novos direitos de terceira dimensão) e de concretização de uma vida humana digna e saudável a todos os seus membros. (FENSTERSEIFER, 2007, p.27).

Nessa configuração do Estado Socioambiental de Direito, sob as luzes dos novos direitos fundamentais que exigem medida mínima de proteção, o ente estatal tem a incumbência de tomar medidas de segurança a fim de se conter os riscos e perigos derivados do desenvolvimento “tecnológico” no sentido de proteger a todos em face de novos riscos de violação da sua dignidade e dos seus direitos fundamentais – tais como à vida, à saúde e ao equilíbrio ambiental, por força do impacto ambiental produzido pela sociedade contemporânea, visando se resguardar a efetivação de garantir segurança ambiental ou prevenção dos riscos.

Dessa maneira, o constituinte consagrou a proteção ambiental como um dos objetivos/tarefas fundamentais do Estado – Socioambiental – de Direito brasileiro, o que Sarlet e Fensterseifer (2013, p.276) indicam como a “dupla funcionalidade da proteção ao meio ambiente [...] que implica todo um conjunto de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico”, ou seja, representando de forma simultânea que a proteção ambiental figura como “objetivo e tarefa estatal” e ora um “direito (e dever) fundamental do indivíduo e da coletividade.”

Essa ambivalência funcional da proteção ambiental constitucional objetiva resguardar tanto uma construção por níveis ambientais de qualidade (com fim a garantir o direito à vida) mais adequados, como a manutenção da continuidade daqueles já conquistados, mediante as políticas públicas ambientais e legislações, exigindo um atuar, conjunto e continuado, do Estado dos indivíduos e da coletividade para o propósito ambiental.

O legislador constituinte ao prever (art. 225 da CF/88) direitos e deveres em relação ao meio ambiente, incumbiu tanto ao cidadão como à coletividade o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, os quais, igualmente, têm o dever fundamental à proteção ao meio ambiente. Neste sentido, Medeiros (2004) preconiza

Assim, o homem, na condição de cidadão, torna-se detentor do direito a um meio ambiente saudável e equilibrado e também sujeito ativo do Dever Fundamental de proteção do meio ambiente, de tal sorte que propomos a possibilidade de se instituir, no espaço participativo e na ética, uma caminhada rumo a um ordenamento jurídico fraterno e solidário. Ancora-se a análise da preservação ambiental como um direito fundamental, constitucionalmente reconhecido. Porém, esta não é a única questão suscitada: a proteção ambiental constitui-se em responsabilidade tanto do indivíduo quanto da sociedade, admitindo suas posições no processo de preservação, reparação e promoção, assim, reveladas como um dever fundamental (MEDEIROS, 2004, p.21)

Neste sentido, a norma constitucional, no artigo 225, previu um conjunto de direitos e deveres fundamentais relacionados à tutela do ambiente ecologicamente equilibrado, segundo as lições de Silva (2003), divididos em três conjuntos de normas,

1) “a norma-princípio ou norma-matriz” encontra-se no caput do art. 225 da CF/88, sendo “divulgadora da existência do direito material constitucional caracterizado como o “direito ao meio ambiente”, meio ambiente este “ecologicamente equilibrado” (SILVA, 2003, p.52). Nota-se que ao mesmo tempo que a coletividade torna-se titular do direito a um meio ambiente saudável e equilibrado é também sujeito ativo do dever fundamental de proteção do meio ambiente conjuntamente com o Poder Público.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 1988).

2) O segundo localiza-se no parágrafo primeiro e respectivos incisos do art. 225, da CF/88, que estabelece os “instrumentos de garantia da efetividade” do direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (o caput, art.225 CF/88), conferindo ao “Poder Público os princípios e instrumentos essenciais de seus atos a fim de afiançar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a todos.” (SILVA, 2003, p.52).

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 1988)

E por fim, o terceiro representa um conjunto de “determinações particulares” relacionadas a objetos e setores, representados nos parágrafos segundo ao sexto do artigo em comento, nos quais a incidência do princípio contido no caput se expressou de fundamental valor e urgência por serem áreas e circunstâncias “de elevado conteúdo ecológico”, que requereram imediata e imprescindível tutela constitucional. (SILVA, 2003, p.52).

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. (BRASIL. CONSTITUIÇÃO, 1988)

Neste sentido, é possível identificar que no texto constitucional do Art. 225, o legislador-constituinte delineou a dupla função ao ‘dever’ fundamental de proteção ambiental, pois ora versa como uma obrigação de caráter negativo (ou de não-fazer) – que se traduz numa vedação de práticas que possam gerar alguma espécie de degradação ou dano ao ambiente, e, em outros momentos, indica o caráter positivo (ou de fazer) – situações que a norma determina “comportamentos ativos - de prevenir, precaver, reparar, etc.” possíveis danos ambientais, sendo o caso da imposição legal ao proprietário de preservação da “área de preservação permanente”31

e da “reserva legal”32

(SARLET e FENSTERSEIFER, 2013, p. 243 e ss.).

É dever do Poder Público – legislativo, executivo e, também, do judiciário – na ótica da matéria ambiental, considerando as obrigações de proteção da tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado dos entes federativos delineados na Constituição, art. 225 e art. 23, caput, VI e VII33, e a não-atuação ou omissão, entenda-se o caso que lhe é conferido juridicamente agir e não o faz, ou a atuação insuficiente ou ineficiente, de modo a não defender o direito fundamental ambiental de maneira apropriada e satisfatória, especificamente a medidas legislativas e

31

Áreas de Preservação Permanente – APPs, art. 3°, inc. II da Lei 12.651/2012 “[...] área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;”.

32

Reserva Legal – RL, art. 3°, inc. II da Lei 12.651/2012) “[...] área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”.

33

“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;” CF88, art. 23.

administrativas voltadas ao combate às causas geradoras da degradação do ambiente, pode ensejar até mesmo a responsabilidade do Estado, até mesmo na acepção de reparar os danos causados a indivíduos e grupos sociais afetados pelos efeitos negativos dos danos ambientais. (SARLET, FENSTERSEIFER, 2011, p.6).

Então, de modo geral, o direito ao meio ambiente visa assegurar o direito à vida, e que a vida humana sem um ambiente com o mínimo de qualidade não se sustenta34a Constituição Brasileira, de 1988, acolheu em seu texto, por diversos dispositivos sobre meio ambiente, como acima mencionado, elevando a política ambiental em um lugar eminente na hierarquia jurídica pátria. Embora esses dispositivos não apareçam no Título II, consagrado aos direitos e garantias fundamentais, tanto a jurisprudência como a doutrina consideram que os direitos ligados ao meio ambiente constituem, tanto no plano material como no plano formal, direitos fundamentais (SILVA, 2001, p.821 e 2003, p. 47 e ss; MACHADO, 2013, p 75), sustentando status de verdadeira garantia pétrea (art. 60, §4º, IV) da Constituição, sendo proibido o retrocesso da norma ambiental como será analisado na sequência.

2.3 O PRINCÍPIO DE PROIBIÇÃO DE RETROCESSO EM QUESTÃO AMBIENTAL