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O DISCURSO ECOLÓGICO NO PRONUNCIAMENTO DOS MAJOR GROUPS

No documento As vozes da Rio+20 (páginas 140-145)

A questão ecológica do desenvolvimento sustentável foi representada no textos de todos os nove Major Groups que se pronunciaram na Plenária de Alto Nível da Rio+20. Apesar de ser um discurso onipresente nos pronunciamentos desses grupos sociais, sua representação se prestou a funções de fala variadas. Na maior parte das vezes, a abordagem a esse tema serviu como justificativa para realçar a importância do debate sobre o desenvolvimento sustentável em escala global, com o envolvimento de todos os países e dos demais stakeholders. Conforme se lê nos excertos abaixo, os argumentos mais recorrentes nessas justificativas foram as ameaças das ações humanas que desequilibram condições naturais do planeta (excertos (1), (2), (3), (4), (5), (6)), os perigos dos desgastes dos limites ecológicos do planeta (excertos (1), (2), (3), (5), (6)) e a urgência de medidas efetivas para responder aos desafios do desenvolvimento sustentável (excertos (1), (2), (5)).

(1) We meet at a time of unprecedented challenges. (…) Science has sounded the alarm that humanity is putting enormous pressure on our planet. We have entered the Anthropocene, where human activity dominates the planet. Dangerous climate change, biodiversity loss, and widespread pollution present grave threats to our survival. (…) There is no time to waste. We must act now, together (Major Group Comunidade Científica e Tecnológica).

(2) This planet, our common home, has been misused for too long and the time for change is now. (…) The current challenges are unprecedented and never before

have we had the need to react with such decisiveness and action. We must acknowledge, honestly, the serious challenges posed by humanity's pressure on the planet's boundaries (Major Group Crianças e Jovens).

(3) We see that the Earth and all life is in a serious state of peril. We see the current model of development continues to proceed on the road of peril (Major Group Povos Indígenas).

(4) This century will see a global, unprecedented urbanization. Indeed, in the next 40 years, the projected expansion of urban capacity with 3 billion citizens is equivalent to that which has occurred over the last 4000 years until now (Major Group Autoridades Locais).

(5) We all know the threat that is facing us, and I do not need to repeat the urgency. Science is very clear. If we do not change in the coming five to ten years the way our societies function, we will be threatening the survival of future generations and all other species on the planet (Major Group Organizações Não- Governamentais).

(6) Unless we act to promote environmental protection, to avoid climate change, to develop renewable energies, to clean production and supply chains, to promote sustainable forestry management, public transportation, energy efficiency, safe and clean chemicals, and many more environmentally-sound policies, our claims for social justice and equality will never be realized (Major Group Trabalhadores e Sindicatos).

Não obstante, referindo-se aos aspectos ecológicos do desenvolvimento sustentável, os Major Groups expressaram suas reivindicações na Plenária de Alto Nível da Rio+20. O grupo dos agricultores (excerto (7)) defendeu ser preciso seguir em direção a mercados e finanças socialmente responsáveis e sustentáveis. Essa reivindicação foi marcada pelo uso do modal “must” (dever), indicando alta modalidade deôntica, isto é, representação de obrigação do que foi enunciado, porém, sem explicitar a quem essa reivindicação estava endereçada.

(7) The pathway to a more sustainable future must move towards socially responsible and sustainable markets and finance ; balancing human needs with those of the ecosystems upon which all life depends (Major Group Agricultura).

Outra reivindicação concernente com os aspectos ecológicos do desenvolvimento sustentável se lê no trecho do pronunciamento do grupo dos povos indígenas transcrito no (excerto (8)). Tal reivindicação é direcionada ao mundo todo, como revela o uso da expressão “we call upon the world” (conclamamos o mundo) . Pleiteia-se, por meio dessa reivindicação, um retorno ao diálogo e à harmonia com a natureza, identificada pelo grupo pela expressão “Mãe Terra”, e a adoção de um novo paradigma civilizacional baseado no bem viver. Vale realçar que o uso da expressão “bem viver”, destacada no texto em letras maiúsculas e pela grafia do termo em língua espanhola (“Buen Vivir”), contrastando com o restante do documento em inglês, faz alusão, por intertextualidade, ao paradigma ontológico

dos povos tradicionais andinos, em especial os povos indígenas da etnia quíchua. Por esse paradigma, resguarda-se o equilíbrio com a natureza na busca de satisfação das necessidades humanas, contrapondo-se ao mero crescimento econômico.

(8) Indigenous Peoples call upon the world to return to dialogue and harmony with Mother Earth, and to adopt a new paradigm of civilization based on “Buen Vivir or Living Well.” (Major Group Povos Indígenas).

Em outras passagens dos pronunciamentos dos Major Groups, as reivindicações foram explicitamente direcionadas, seja aos líderes mundiais (excertos (9) e (10)) ou à comunidade internacional (excerto (10)), ou ainda, como na reivindicação do grupo das crianças e jovens (excerto (11)), direcionadas a todos os participantes da Rio+20, incluindo esse próprio grupo, servindo, assim, para também legitimar sua participação nas tomadas de decisão sobre o desenvolvimento sustentável.

(9) We, the science, the engineering and technology communities urge leaders to act now. Failure to do so increases the risk of abrupt and irreversible changes to the biosphere that will undermine the sustainability of life on earth (Major Group Comunidade Científica e Tecnológica).

(10) The international community must deliver concrete measures to put our societies on track to achieve social equity, decent work, environmental protection, development and prosperity, on track towards truly sustainable development. (…)The world of work will have to face major transformations to achieve sustainability. These will not be easy for working people and we will depend on governments’ action to develop the social policies to accompany them in the transition (…)Global crises need multilateral responses and global regulation . The labour movement will maintain its pressure to the world leaders. We need to move beyond rhetoric, if we want to avoid our current, dysfunctional economic model continue increasing inequalities and depleting natural resources (Major Group Trabalhadores e Sindicatos).

(11) We must guarantee that global environmental institutions have the ability and resources to protect the environment (Major Group Crianças e Jovens).

O conteúdo principal de tais reivindicações são os clamores por mudanças nos modos de vida, no modelo de desenvolvimento e no modelo econômico vigentes. Isso fica explícito no pronunciamento da comunidade científica e tecnológica, conforme se lê no excerto (12). Os povos indígenas também convidam o mundo a adotar um novo paradigma de civilização (excerto (8)), enquanto o grupo das organizações não-governamentais alerta para a necessidade de mudanças no modo de funcionamento da sociedade nos próximos cinco a dez anos (excerto (5)). Já o grupo dos trabalhadores e sindicatos qualifica de disfuncional o modelo econômico atual e denuncia que esse modelo aumenta as desigualdades e destrói os recursos naturais (excerto (10)).

(12) Research shows that responding to these challenges requires fundamental transformations, both personal and systemic, to protect our planet, eradicate poverty and hunger, address inequality and conflict, and safeguard human rights and justice (Major Group Comunidade Científica e Tecnológica).

As críticas aos resultados da Conferência revelam a insatisfação dos grupos sociais com os resultados da Rio+20, conforme se lê nos trechos dos pronunciamentos do grupo das organizações não-governamentais (excerto (13)) e do grupo das mulheres (excerto (14)).

(13) You cannot have a document titled ‘the future we want’ without any mention of planetary boundaries, tipping points, or the Earth’s carrying capacity (Major Group Organizações Não-Governamentais).

(14) The Rio outcome document does not give us the urgently needed means to address the immense challenges of our times (Major Group Mulheres, negrito no original).

Outra crítica, mais sutil, pode ser encontrada no texto do grupo dos trabalhadores e sindicatos, no qual se afirma que “apenas uma visão não será suficiente” (exceto (15)). Usando do recurso da intertextualidade, pelo qual alude ao documento final da Rio+20 pela referência à sua primeira seção intitulada “Our common vision”, o grupo expressa insatisfação e qualifica como insuficiente os resultados da Conferência.

(15) Chair, a vision alone will not be enough. (Major Group Trabalhadores e Sindicatos).

Por fim, o discurso ecológico serve, ainda, de argumento para autolegitimação da participação do grupo das autoridades locais, do grupo das mulheres e do grupo dos negócios e da indústria, conforme se lê nos excertos (16), (17) e (18).

(16) With such a development, we -as governmental leaders closest to our citizens- are faced with unprecedented challenges to provide our citizens a sustainable quality of life. (…) We started to address global problems - like climate change- with systemic solutions as early as in 1993. (…) We need to act now! (Major Group Autoridades Locais).

(17) We, women around the world continue our struggle for our rights, basic needs, health, decent jobs, social and environmental protection – which are the very basis of our lives and our future (Major Group Mulheres).

(18) Regardless of company size or location, corporate leaders understand how sustainability issues affect the bottom-line. Companies view sustainability issues from both, a risk management perspective, and the increasingly evident benefits and opportunities – particularly associated with green growth and poverty alleviation. In short, the business case for sustainability has strengthened as a response to the deep interdependencies in today‘s globalized world (Major Group Negócios e Indústria).

Observa-se que a última linha do excerto (16) se presta, também, para reivindicar uma ação coletiva, ao expressar que “precisamos agir agora” (We need to act now!). A autolegitimação se configura nessa frase ao incluir o próprio grupo, por meio do uso do pronome “nós” (we) dentre os atores sociais envolvidos na ação necessária para se promover a sustentabilidade do desenvolvimento, prestando-se, ao mesmo tempo, às funções de fala de oferta e de demanda.

Pela análise discursiva dos textos dos Major Groups, foi possível identificar dois discursos principais que se articulam na abordagem aos aspectos ecológicos do desenvolvimento sustentável. Esses discursos se referem: 1) às influências humanas sobre as condições ecológicas do planeta, o qual nomeamos de discurso do Antropoceno; e 2) aos limites da resiliência planetária, consonante com a teoria dos limites do crescimento (MEADOWS ET AL., 2007) e da pegada ecológica (WACKERNAGEL, 1994; ROCKSTRÖM ET AL., 2009), o qual atribuímos o nome de discurso sobre os limites do planeta.

O discurso do Antropoceno, conforme explicado no pronunciamento do Major Group Comunidade Científica e Tecnológica (excerto (1)), assume que as atividades humanas estão afetando profundamente o equilíbrio do planeta e ameaçando as condições de vida sobre a Terra. O foco do discurso do Antropoceno está nas alterações das condições ecológicas, em escala planetária, pela ação humana.

Esse discurso se aproxima fortemente do discurso dos limites do planeta. No entanto, este último pauta seus argumentos principalmente no esgotamento da resiliência do planeta, isto é, na exaustão da capacidade do planeta de restaurar suas condições ecológicas resguardando o equilíbrio que permite a continuidade da vida na Terra.

Portanto, enquanto o discurso do Antropoceno realça os impactos das ações humanas sobre a Terra, o discurso dos limites do planeta concentra seus argumentos nos perigos da ruptura do equilíbrio ecológico planetário. Tamanha é a imbricação desses discursos que nem sempre é possível distinguir a qual deles especificamente uma determinada passagem do texto faz referência. Isso acontece especialmente nas passagens que mencionam os problemas ambientais globais enfrentados atualmente, como se vê nos excertos (1), (3), (6), (7), (9) e (16).

Perpassando esses discursos, se observa também a articulação do discurso da urgência das ações em prol do desenvolvimento sustentável. Ora embasando-se na aceleração das atividades humanas e consequente crescimento de seus impactos sobre o planeta (ou seja, apoiando-se no discurso do Antropoceno), ora evidenciando consequências nefastas do esgotamento do equilíbrio ecológico planetário (apoiando-se no discurso sobre os limites do planeta) e por vezes se apoiando em ambos os discursos,

observa-se um clamor por urgência nas medidas de enfrentamento dos desafios do desenvolvimento sustentável. O uso das expressões “não há tempo a perder” (excerto (1)), “o tempo para a mudança é agora” (excerto (2)), “precisamos agir agora!” (excerto (16)), “não é preciso repetir a urgência” (excerto (5)), “necessárias medidas urgentes” (exceto (14)) e “o tempo de agir é agora” (excerto (19)) revelam o senso de urgência que perpassa o discurso ecológico representado nos pronunciamentos dos Major Groups.

(19) The time for action is now. The people of today deserves it and the people of tomorrow depend on it (Major Group Trabalhadores e Sindicatos).

Não se observa variações significativas no conteúdo das abordagens ao tema ecológico do desenvolvimento sustentável entre os Major Groups. Dessa maneira, pode-se dizer que esse é um discurso uníssono entre os grupos sociais, sem pontos de discordância relevantes. De fato, conforme Nascimento (2012b), todos atores envolvidos na discussão sobre o desenvolvimento sustentável reconhecem os impactos das ações humanas sobre as condições de vida do planeta e a necessidade de respostas urgentes para a construção do desenvolvimento sustentável. “A ideia de que o modo de produção e consumo vigente nos conduz a um desastre é cada vez mais aceita”, argumenta o autor (NASCIMENTO, 2012b, p. 58). Normalmente, as discordâncias entre os atores surgem nas propostas de enfrentamento aos desafios da sustentabilidade, quando se manifestam “múltiplos discursos que ora se opõem, ora se complementam” (NASCIMENTO, 2012b, p. 51).

Nas próximas seções, as análises buscam identificar como o discurso ecológico do desenvolvimento sustentável é representado no texto final da Rio+20. Realçando as consonâncias e os contrastes com a abordagem ao tema pelos Major Groups, busca-se identificar se os resultados da Rio+20 contemplam os interesses manifestados por esses grupos sociais.

6.2 O DISCURSO ECOLÓGICO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO

No documento As vozes da Rio+20 (páginas 140-145)

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