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Contando desde minha primeira visita ao núcleo São Judas em Agosto de 2014 até as últimas visitas no primeiro semestre de 2016, foram aproximadamente 20 meses de inserções diferentes em campo, que vão desde o momento de elaboração do

projeto de pesquisa até o momento atual, de redação dos textos finais de qualificação e dissertação. O processo de produção dados foi assim se adequando à dinâmica do núcleo e às demandas do mestrado: disciplinas, atualizações no corpus bibliográfico, participação em eventos, etc.

Outro ponto a ser levantado é que a frequência das visitas também se alterou bastante durante o processo de produção de dados. Durante 2014 as visitas eram de no máximo uma vez por mês. No ano de 2015 tive acesso ao núcleo três vezes por semana. No primeiro semestre de 2016 fiz duas visitas por semana ao Núcleo e a partir do segundo semestre do ano não tive mais condições de ter uma frequência organizada, resumindo-me a participações em eventos e conversas esparsas.

Para tentar dar organização à produção de dados sem que isso constrangesse as pessoas as quais eu me relacionei durante os momentos de inserção em campo mantive, desde o início, a mesma rotina de registro: sempre posteriormente o

encerramento das atividades no núcleo gravava em áudio, em um local reservado, o que havia vivido naquele dia para depois transcrever este áudio em texto no diário de campo junto com outras anotações que feitas posteriormente.

Parte deste material se perdeu (em sua maioria observações do final de 2014) devido um defeito de um dos meus discos rígidos. Além disso, pelo fato das

observações serem registradas em momentos posteriores e em lugares diferentes da situação vivida, uma parte significativa dos dados dependeu de meu esforço de

memória, o que acarretou também uma perda considerável de dados, ora por cansaço, ora por desatenção. Esse são pontos que me ensinaram muito e que, em pesquisas posteriores, tentarei evitar.

Apontar para estas intempéries, muitas vezes inevitáveis da rotina de registro de dados através da observação participante, serve de inflexão epistemológica para duas questões metodológicas fundamentais: I) evitar a criação de uma ficção em que os dados da pesquisa serão sempre infalíveis e representantes irretocáveis das

impressões produzidas no momento da observação II) demonstrar de maneira mais honesta e clara possível as condições materiais de produção de dados 16

16 Sobre uma reflexão crítica acerca dos efeitos epistemológicos do caráter prático e experiencial da pesquisa etnográfica ver Magnani (2009 p129-156)

Somada a essa transcrição do registro de observação direta, também gravei algumas entrevistas semi-estruturadas, acessei fontes secundárias como jornais e documentos, e fotografei alguns momentos interessantes da pesquisa. As entrevistas foram gravadas com meu celular sempre que ambas as partes se sentiam confortáveis de gravar tais relatos, isso me impediu de manter um arquivo linear de entrevistas, pois, se em dado momento era completamente natural gravar relatos sobre

determinados assuntos em outros a continuidade ou a sugestão da gravação me parecia algo de profunda indelicadeza.

As fotografias não serão usadas neste texto e servirão como material confidencial de apoio às análises, esta decisão é baseada na proteção legal a imagem de

adolescentes, garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas também pelo compromisso ético de não constranger ou colocar em risco as pessoas que

contribuíram de maneira imprescindível para a construção desta dissertação.

Portanto, temos nesta pesquisa dois “tempos” de produção dados: os registros de observação participante eram produzidos em uma frequência muito próxima ao “tempo real” precisando assim de uma técnica distinta: eu não poderia deixar passar muito tempo entre a percepção e o registro sob o risco de falhas maiores de minha memória. Já as fotografias, entrevistas e documentos, configuravam recortes temporais

“estáveis” uma vez que seus registros independiam do resgate de memórias, fazendo com que esse material pudesse ser revisitado com maior distanciamento de tempo.

Outro ponto importante de se ressaltar é que parte das informações primárias produzidas nesta etnografia são relatos dos adolescentes sobre suas atividades, sendo assim, meus registros são compostos pela tradução de minha experiência em texto e pela tradução do discurso dos sujeitos de pesquisa em texto academicamente

coerente. A especificidade desse tipo de empreendimento etnográfico de tradução nos remonta aos apontamentos metodológicos de Geertz em “A Interpretação das Culturas” (2008 p3-25), para o autor o empreendimento etnográfico nos possibilita produzir uma descrição densa e interpretativa sobre uma determinada “cultura” uma vez que a experiência do pesquisador seja sistematicamente traduzida em texto.

A partir desta perspectiva metodológica, a produção e organização dos diários de campo proporcionam à pesquisa uma base empírica de indução analítica17, indução

esta que se guiará por três aspectos específicos: I) recorrências de informações II) informações sobre as histórias de vida dos sujeitos de pesquisa III) cenas etnográficas ilustrativas dos temas analíticos indutivamente produzidos.

É com base nestas condições de pesquisa e apontamentos metodológicos apresentados que se deu a produção e registro dos dados desta etnografia. A

sequência do texto se encarregará então de apontamentos conceituais acerca do tema central deste texto de qualificação: a participação de jovens periféricos no comércio varejista de drogas no estado de São Paulo.