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O eixo escolarização na medida socioeducativa de internação

CAPÍTULO 2: O QUE É A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO?

2.5 O eixo escolarização na medida socioeducativa de internação

O adolescente que chega para cumprir a medida socioeducativa de internação deverá cumprir alguns eixos para que possa ser posteriormente desligado, ou seja, momento em que será autorizado pelo poder judiciário o seu retorno para o convívio familiar (uma vez que a medida é imposta ao adolescente que cometeu um ato infracional). Dentre estes eixos, podemos localizar: a abordagem familiar e comunitária, a educação, a profissionalização, a cultura, o esporte e o lazer e a saúde. Estes eixos possuem o objetivo de possibilitar o enlaçamento social, uma vez que durante a medida, os seus direitos são garantidos, e busca promover seu protagonismo zelando por uma emancipação cidadã. Especificamente, iremos abordar o eixo educação por ser o eixo norteador desta pesquisa.

Para a educação entendida como formação e a socioeducação enquanto ação voltada para autonomia, cabe questionar: qual o lugar dado à escola em uma instituição de privação de liberdade na visão dos adolescentes?

A educação é um tema de abordagem ampla, em função da definição do seu papel. Existem muitos posicionamentos, desde os mais tradicionais até o mais libertários. Segundo o caderno da Fundação Casa (2010), tais posicionamentos partem das diferentes concepções de homem, mundo e sociedade.

Temos como uma das mais convincentes concepções de homem e educação como a defendida pela Escola de Budapeste (criada no sentido de agrupar os teóricos seguidores de Lukács)31. No Brasil a tendência ressoou na obra de Dermeval Saviane32 e posterior a de Paulo Freire.(FUNDAÇÃO CASA, 2010:14).

Assim, apesar de divergências, pode-se apontar que o papel da educação pode possibilitar que cada um tenha contato com o social a fim de se interagir com os outros. Em seu artigo 53, o ECA destaca que um dos direitos fundamentais, que visa o pleno direito ao exercício da cidadania, o pleno desenvolvimento da pessoa e a qualificação para o trabalho, é a educação. Além de ser um direito social, podemos afirmar que a educação pode ser considerada como um pré-requisito para desfrutar dos direitos civis e políticos.

31 Apesar de polêmicas sobre o autor, considera o valor da produção intelectual de um marxista. 32 Professor da Unicamp, fundador da pedagogia histórico-crítica.

As medidas socioeducativas têm por horizonte a cidadania, a consciência de direitos e a identificação do indivíduo histórico e político. Dependem da opção do adolescente pela iniciativa de algum movimento. Através desse movimento poderá desencadear um processo contínuo de planejamento, decisões, ações, avaliações e apropriações, que se estenderá aos diferentes aspectos.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)33, em seu artigo 5°, preconiza que: “o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo(...)”, ou seja, a educação básica é um direito inviolável do sujeito. Ela deve ser oferecida em qualquer situação em que se encontre o educando, respeitando as suas necessidades.

Diante desta premissa, a Secretaria de Estado de Defesa Social, instituiu um convênio junto a Secretaria de Estado de Educação para que os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação tivessem acesso à escolarização.

A vivência da cidadania pelo adolescente autor de ato infracional é por vezes limitada. Exemplificando esta frase, aponto a relação imposta ao adolescente em relação à permanência na escola. Uma escola obrigatória pode viabilizar o interesse e o gosto pela escola no que tange aos alunos?

Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social34 (2010), comprovam que um número considerável de adolescentes autores de ato infracional chega à internação com o histórico de afastamento da escola, fato esse que reforça, inicialmente, uma relação desimplicada com a escola dentro do centro socioeducativo que executa a medida de internação, que se caracteriza por cumprimento em prazo máximo de até 3 anos é a última e a mais rigorosa de todo o Estatuto. É caracterizada pela privação total da liberdade e a obrigatoriedade de atividades pedagógicas.

A mudança de paradigmas e a posição de avaliação com outros olhares, mostra-se importante para que o processo de inclusão, acolhimento e a responsabilização do sujeito pelo seu processo de construção de conhecimento, de autoria de pensamentos e de estabelecimento de laços com a instituição escolar, possibilite uma saída do lugar que ocupa apenas às margens.

33 BRASIL, LEI 9394, de 20/12/96.

Estas ponderações propõem que a educação possa repensar sobre uma “liberdade” para as suas práticas. Quando os adolescentes se percebem como seres pensantes e autores da sua história e com possibilidades de sucesso, eles também se autorizam a fazer escolhas, se individualizando e deixando de acompanhar o que foi “determinado” pelo grupo. O “ser capaz”, “ser autor”, acarreta um encontro com a responsabilidade. As instituições podem ser marcadas pelo universal, pelo coletivo, no qual as normas e o funcionamento são os mesmos para todos. A psicanálise privilegia o singular. Sabemos que as normas e as regras são importantes para regular o excesso da convivência, mas cada um é atravessado pela instituição de um modo único. Dessa forma, não se trata da regra pela regra, mas sim do efeito que as regras podem provocar em cada sujeito.

Nas unidades socioeducativas, a escolarização formal é realizada desde 2004 através de convênio firmado com a Secretaria de Estado de Educação. A finalidade é propiciar ensino fundamental e médio aos adolescentes, visando o desenvolvimento pleno do adolescente para que se torne um ser com visão crítica, preparado para o exercício da cidadania e capaz de interagir na sociedade. Na metodologia35 proposta na internação, as escolas do sistema socioeducativo têm a preocupação de desenvolver suas atividades conjuntamente com a instituição onde está inserida. O currículo não é composto apenas pelas matérias ou conteúdos que os educandos recebem em sala de aula, mas pelo conjunto de atividades teóricas, práticas e projetos pedagógicos promovidos no decorrer da jornada do aluno na escola e nas unidades socioeducativas. Assim, procura desenvolver projetos que envolvam atividades que valorizem a cultura brasileira, exaltando as riquezas de cada região. O ensino fundamental é organizado em: Ciclo Inicial de Alfabetização, Ciclo Complementar de Alfabetização e 5ª à 8ª série, com duração mínima de nove anos. Ensino Médio, com duração de três anos.

Apesar de uma orientação de como se deve acontecer a escolarização dentro das unidades, e este eixo como os demais, sendo de alguma forma "obrigatório" para os adolescentes (uma vez que necessitam cumpri-los para o retorno ao convívio familiar e comunitário), este encontro com a escola nem sempre (ou quase nunca) se faz de forma fácil ou igualitária para os adolescentes. Muitas vezes, já evadidos da escola fora da medida há algum tempo, como

35Para saber mais, sugiro leitura do Fascículo 5 - Metodologia de Atendimento da Medida Socioeducativa de Internação, produzido pela SUASE no ano de 2012.

apresentado nos parágrafos acima, este reencontro se realiza de forma ambígua: "não quero estar aqui nesta escola, mas preciso estar pra sair da medida"36.

Desta forma, percebemos que a teoria se apresenta de forma bastante clara, porém basta questionar se na rotina das unidades é possível uma articulação tão complementar como se propõe a orientação. A partir das conversações e o que os adolescentes que cumprem a medida vão trazer na linguagem, possibilitaremos uma avaliação entre o que se regulamenta e o que se realiza.

Após apresentar como a psicanálise contribuiu para a educação, a contextualização desde a época do código de menores até a chegada do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como compreender como advém a execução da medida socioeducativa de internação e seu histórico em Minas Gerais e como a escola é regulamentada para execução de sua função nas unidades de privação de liberdade, (assuntos abordados neste capítulo), trataremos os resultados a partir da escuta dos adolescentes sobre como é vista a escola no sistema socioeducativo. Desta forma conheceremos melhor os sujeitos desta pesquisa.

36 Fala de um adolescente que tinha muita dificuldade com a leitura e o convívio em sala de aula pela diferença entre os colegas do 6º ano do ensino fundamental.

CAPÍTULO 3: COMO OS ADOLESCENTES VÊEM A ESCOLA NA MEDIDA DE