• Nenhum resultado encontrado

Como visto, em decorrência do grande avanço experimentado pelas ciências biológicas e pela engenharia genética, mormente no que concerne às inovadoras técnicas de fertilização in vitro e congelamento de embriões, faz-se mister uma nova concepção acerca da definição de nascituro, que vem sofrendo adaptações e tor-

nando-se cada vez mais técnica e pautada em elementos e entendimentos científi- cos. Desse modo, passando a ser compreendido como o ente concebido, e que ain- da há de nascer, mesmo que não tenha sido gerado no ventre materno.

Etimologicamente, o termo nascituro indica aquele que há de nascer. Segun- do Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a palavra nascituro provém do latim e signi- fica: “1. Que há de nascer. 2. Aquele que há de nascer. 3. O ser humano já concebi- do, cujo nascimento se espera como fato futuro e certo”. Sendo assim, nascituro, na definição mais clássica do termo, significa o ente concebido, que está por nascer, ou seja, o ser que foi gerado e tem existência no ventre materno, ainda não tendo ocor- rido o seu nascimento.

Essa concepção deve englobar tanto o embrião gerado naturalmente no cor- po da mãe, quanto o que é manipulado cientificamente, gerado in vitro. Ressalte-se que, além do embrião, que concebe o concepto durante as primeiras semanas de vida, também fica dentro das delimitações desse conceito o feto, terminologia utili- zada para indicar o período ulterior ao das primeiras semanas, tendo duração até a ocorrência do nascimento.

Cabe ressaltar que essa compreensão não é uníssona, ademais grande parte da doutrina pondera o nascituro como o ser que é concebido no ventre materno. No entanto, o posicionamento seguido neste trabalho é o de que, a partir do momento da penetração do espermatozoide no óvulo, fundidos os pró-núcleos, ou seja, é na concepção, que se inicia uma nova vida, um ser humano. Sendo assim, o fruto da concepção constitui-se como humano, independentemente que aconteça de forma natural ou através de técnicas de fertilização artificial.

O ordenamento jurídico brasileiro abraçou a teoria natalista, avaliando que a personalidade jurídica da pessoa física surge a partir do nascimento com vida. Daí que, o Código Civil de 2002 estabelece, em seu artigo 2°: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Como se pode notar, mesmo deixando evidente que a personalidade civil só começa com o nascimento, comprovando-se que a criança nasceu viva, a ordem jurídica salvaguarda os direitos do nascituro, assim considerado desde o momento da concepção. De tal forma que mesmo não possuindo personalidade jurídica, ele possui expectativa de direitos, que devem ser postos a salvo para que, futuramente, venha a tê-los como seu titular.

Avaliando os fundamentos da teoria natalista, assim como o tratamento dado ao nascituro pelo Direito nacional, é plausível e talvez até desejável estabelecer crí- ticas ao posicionamento tomado pelo legislador pátrio. Inicialmente, por não conside- rar o nascituro como um sujeito o que configura um flagrante desrespeito aos fun- damentos constitucionalmente erigidos. O nascituro, como já exposto no presente trabalho, é um ser humano, ainda em formação, mas já possuindo todas as peculia- ridades que o caracterizem como tal e, por isso, necessita da proteção jurídica, que lhe é devida pelo fato de humano ser.

Afinal, como é possível, num Estado Democrático de Direito, considerar-se um ser humano uma mera extensão do corpo de outra pessoa? Um ser sequer en- tendido como pessoa, que apenas faz parte das vísceras maternas? Realmente, o nascituro, por necessitar de um ambiente propício ao seu desenvolvimento, até que possa vir a nascer, encontra-se vinculado ao corpo da mãe. Entretanto, não se pode em termos concretos, em consequência disso, afirmar que o um embrião ou um feto não possui existência própria, que não é pessoa. Pelo contrário, desde a concepção, o nascituro passa a existir como um novo ser, individualizado, apresentando material genético diferente dos que possuíam os gametas que o geraram.

Ora, a vida não se poderia tornar humana após o nascimento se não o fosse já antes, e desde a concepção. Destarte, o nascituro é um ser humano e, exatamen- te por isso, deve ser reconhecido juridicamente como tal, recebendo do ordenamen- to jurídico a proteção que lhe é peculiar.

Ademais, apesar de, conforme a redação do artigo 2º do Código Civil, o nasci- turo não possuir personalidade, isto é, não se configurar como pessoa, o que vem ocorrendo na prática, já há algum tempo, tal não condiz com o entendimento expos- to na legislação civil. Isto porque, além de o próprio ordenamento jurídico conferir direitos ao nascituro, em alguns casos, que, apesar de parecerem simples e isola- dos, são bastante expressivos, os tribunais vêm decidindo de forma a romper o en- tendimento clássico, consagrado pela legislação e pela maioria da doutrina brasilei- ra, quanto à posição jurídica do nascituro.

Como exposto acima, a personalidade jurídica é um conceito fundante no or- denamento jurídico, porquanto é predicado imperativo para se existir no mundo jurí- dico como titular de direitos e obrigações. Uma vez adquirida, adjudica o amparo jurídico àquele que a possui. Aprovisionada de tamanha relevância, é imprescindível que se defina a partir de que momento se inicia a personalidade jurídica do ser hu-

mano, com a finalidade de se demarcar de maneira clara a partir de quando a pes- soa terá a proteção do Direito. Neste ponto se fixa uma das problemáticas funda- mentais do presente trabalho.