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PARTE 2 REALIZAÇÃO DA PESQUISA

2.3 Categorias empíricas

2.3.2 O encargo do fazer

Antigamente todos os cargos eram preenchidos e havia grande número de interessados para ocupá-los, mas hoje a situação é diferente: pouquíssimos se interessam em integrar a diretoria ou desenvolver qualquer outra função. Até porque, é mais trabalho e ninguém ganha nada com isso. (SVE 3).

Especialmente nas associações sem fins lucrativos de atividades profissionais, a pesquisa revelou ausência de interesse das pessoas na realização do trabalho voluntário, demonstrando o quão forte é a imposição do fazer na vida cotidiana. Isso significa que o trabalho representa meio de sobrevivência a ser realizado somente mediante remuneração, visão que prejudica a compreensão do voluntariado, cujas características vão de encontro a essa concepção distorcida.

Quando se fala em trabalho voluntário, traz-se à realidade valores como solidariedade, cooperação, responsabilidade, compromisso, comprometimento e tolerância e o dinheiro não cabe nessa situação. Voluntário é o cidadão que, movido por princípios de participação, doa seu tempo, trabalho e talento, sem remuneração, em favor de causas de interesse social.

Não é possível conceber intervenção social eficiente sem aperfeiçoamento do corpo de voluntários e isso quer dizer que as pessoas envolvidas devem desenvolver as atividades com qualidade, pois a ação voluntária não pode ser orientada simplesmente para ajuda e socorro no sentido emergencial, mas, visando ampla evolução coletiva incluindo, no processo, os voluntários.

A atual conjuntura requer voluntários emancipados, politizados, conscientes, que exijam do Estado o cumprimento dos compromissos que lhe cabe. Não se encaixam no conceito de voluntário, pessoas que desenvolvem atividades somente mediante remuneração e que não compreendem a relevância da participação ativa dos cidadãos na construção da história das instituições das quais são integrantes.

A pesquisa demonstrou que as entidades também devem se responsabilizar pelo nível de excelência das atividades desenvolvidas e um aspecto essencial para atingir esse objetivo é a organização adequada para recepção dos membros voluntários.

Indagados sobre o que estava errado nas entidades, um dos sujeitos revela: “Está errada a eventual falta de compromisso das pessoas que podiam ajudar e não ajudam.” (SDV 1).

Ainda:

Está errada a não participação de alguns membros em determinadas atividades por questões de foro íntimo. Exemplo: fulano não tem coragem de pedir mantimentos nos estabelecimentos para o dia da pizza. Tudo bem que ele participe de outras ações, mas a verdade é que deveria contribuir com todas as propostas, pois está aqui voluntariamente. (SDV 2).

A Diretoria de todas as instituições pesquisadas é constituída por voluntários e o discurso dos sujeitos indicou entidades defasadas quanto à participação de associados em relação às atribuições sugeridas, bem como presença de pessoas desinteressadas quanto ao funcionamento das instituições e atividades por elas oferecidas.

Confunde-se trabalho voluntário com caridade, ato que pode ser realizado de acordo com a vontade e tempo de cada indivíduo. Na verdade, e de acordo com a Lei do Voluntariado (Apêndice E), as atividades devem ser específicas à realidade da entidade, adequadas ao planejamento e Plano de Ação, com objetivos pré-definidos a cada uma delas. Comprometimento significa realizar todas as tarefas correspondentes à determinada função e não escolhê-las segundo gosto, sabor e vontade própria dos voluntários.

Interessante notar que nas entidades pesquisadas o único documento que trata das prerrogativas19 dos associados é o Estatuto, não havendo Regimento Interno que normatize a ação voluntária, mediante determinação de normas de conduta e procedimentos a serem observados durante o exercício da função. No caso dos clubes de serviços, além do Estatuto, há o Código de Ética (Anexo C), composto por 8 (oito) cláusulas observadas quanto à execução das ações propostas.

Embora o trabalho voluntário não seja remunerado, não paira dúvidas que seu exercício deve agregar responsabilidade, interesse e profissionalismo.

O que leva alguém a ser voluntário? Essa questão pode resultar em respostas variadas. Há quem trabalhe voluntariamente por realização pessoal, outros porque valorizam o serviço e respectivos benefícios. As respostas diferem tanto quanto os sonhos e motivações de cada pessoa e muitas vezes nem mesmo o voluntário consegue inicialmente perceber os motivos que lhe direcionam a ação voluntária. (COSAC, 2009, p. 146-154).

Os voluntários esperam reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, o que não significa remuneração, mas novas experiências, oportunidade de aprender, criação de novos vínculos de pertencimento e afirmação do sentido comunitário20.

O trabalho voluntário, quando executado de forma consciente promove o crescimento pessoal, aquisição de habilidades e conhecimentos,

19

O Estatuto trata das obrigações dos associados nas instituições, sendo documentos neutros no que tange aos direitos assegurados aos mesmos, pois o trabalho voluntário é pouco abordado nas entidades pesquisadas, onde impera o esquecimento de que todos são voluntários.

20

As colocações realizadas sobre o Trabalho Voluntário têm como fundamento discussões realizadas nas reuniões do Grupo GESTA e leituras ao longo do estudo, principalmente o Manual de procedimentos e gestão do voluntariado, elaborado pelo Serviço Social do Comércio (SESC) do Rio de Janeiro (2007) e o artigo de Cosac (2009).

auxiliando o desenvolvimento da autoestima e participação ativa na resolução das demandas sociais.

Todas as ações concernentes ao Terceiro Setor devem englobar valores de justiça, solidariedade e ética, pressupondo total transparência quanto às realizações institucionais e o voluntariado necessita exercitar esse conjunto axiológico.

A imposição do fazer prejudica não somente o trabalho voluntário, mas as próprias entidades, observando que o objeto de estudo da presente tese se volta aos clubes de serviços e associações sem fins lucrativos de atividades profissionais, que passam a apresentar quadro reduzido de associados que se interessem em compor seu corpo administrativo, comprometendo sua existência, como se manifesta SVE 2: “É necessário mudar a conscientização dos profissionais voluntários, para se unirem em torno de um só objetivo.” Na verdade, o que esse sujeito quis dizer refere-se à concepção e não conscientização dos profissionais, tendo em vista a ausência de conceitos e práticas sobre gestão.

Por outro lado, especialmente quanto às associações sem fins lucrativos de atividades profissionais, a pesquisa revelou que os associados tem preocupação pouco significativa com a efetividade do serviço, conhecendo superficialmente a organização. Já, os membros dos clubes de serviços, respaldam- se na credibilidade da instituição e em sua visibilidade na sociedade, mas não se preocupam em avaliar concretamente os resultados dos serviços de forma planejada.

Não foram detectados traços de planejamento formal, ou seja, com realização de reuniões periódicas de criação, dinâmicas de reflexão, informação e deliberação, além de discussões cruciais à elaboração dos projetos.

Tanto o serviço voluntário quanto o trabalho remunerado devem apresentar igualdade de condições, pois ambos são fundamentais para o êxito dos objetivos propostos, devendo ser bem planejados. Antes de tudo, imprescindível definir o diagnóstico da realidade, os objetivos, estratégias, procedimentos metodológicos exequíveis, instrumentais de trabalho adequados e específicos à realidade da entidade, recursos, tempo de realização, etapas das ações, equipes e a identificação do perfil dos beneficiários. A consciência desse conjunto de fatores inexiste e predomina o valor conferido ao trabalho remunerado, o que

consequentemente fortalece a imposição do fazer, tendo em vista a lógica das atividades do mundo do trabalho, impostas e não facultativas.

Para ser voluntário é necessário que a pessoa saiba que integra o todo institucional, que do nível de suas ações depende a efetividade dos objetivos da entidade. Tratando-se do voluntariado, outra questão relevante é a motivação, partindo do princípio de que o voluntário, por si só, é idealista e suas satisfações são abstratas, não havendo recompensa material quanto aos serviços prestados. Nesse ponto, o reconhecimento em relação ao trabalho realizado é fundamental, como mencionado.

Definitivamente, a imposição do fazer é incompatível com as associações sem fins lucrativos de atividades profissionais e clubes de serviços pesquisados, pois contam com poucos empregados e muito mais com o trabalho voluntário, como demonstrado na pesquisa, em que pese o fato de que outras instituições do Terceiro Setor, não objeto do presente estudo, possam indicar situação inversa.

Para se caracterizar enquanto voluntário, o trabalho não pode ser imposto e exigido como contrapartida de benefícios de ordem trabalhista, devendo se realizar gratuitamente, individualmente, para entidades sem fins lucrativos.

O indivíduo tem plena liberdade para escolher o trabalho voluntário, cuja dimensão vem aumentando paulatinamente, em níveis internacional e nacional, de acordo com considerações realizadas, mas a realidade revelada pelos discursos dos sujeitos é diferente: muitos preferem não se envolver, realizando somente trabalhos remunerados, significando que a imposição do fazer, em alguns casos, ainda supera a vontade e o envolvimento do ser humano em prol de causas essenciais ao desenvolvimento da sociedade e o seu próprio.