• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5 GERAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

6.1. O encontro posterior

Neste encontro, foram entregues as primeiras atividades de leitura das professoras e já analisadas na seção 5.3, em que mostramos os modelos que desenvolveram ao chegarem no curso.

Objetivando nos inteirar das reações das professoras ao executarem suas primeiras tarefas, pedimos que nos dissessem um pouco sobre os caminhos que percorreram para planejar as aulas.

A professora A1 afirmou que teve muita insegurança para selecionar o texto, tendo, por isso, preferido trabalhar com uma poesia que costumava ler com seus alunos, pois estes são da zona rural e que o texto “fala da realidade deles”, e acrescentou que nunca tinha levado um texto de jornal para a sala, pois achava que “essa leitura deve ser só lá pela quinta série”.

A professora A2 afirmou que levou “um tempão” para selecionar o texto, e que acabou usando um do livro didático mesmo, porque teve dificuldades para elaborar boas questões para um outro que havia selecionado anteriormente. Ao ser indagada sobre o(s) tema(s) abordados no referido texto, a professora respondeu que versava sobre as novas tecnologias na área de comunicações, mas que “não tinha entendido muito bem” e a professora A3 afirmou que não teve problemas em fazer a atividade.

fosse um momento tão importante no currículo escolar e, ainda, que também não imaginavam que já desde a primeira série o professor deve promover o letramento dos alunos. Ficou-nos a impressão de que a leitura se restringe à obrigação de cumprir o programa curricular, pois se surpreenderam com o tempo despendido para a elaboração da aula sobre o texto que selecionaram.

De acordo com nosso programa, continuamos nesta aula a discussão e reflexão sobre os tópicos abordados nas aulas anteriores, e também introduzimos novos conteúdos relacionados à prática da leitura.

Como um dos objetivos para o encontro era a discussão sobre o texto acadêmico que tinham sido solicitadas a ler, propusemos que se manifestassem, externando o que compreenderam sobre ele. Verificamos, para nossa grande surpresa, que algumas professoras, dentre as quais, as professoras A1, A2, reclamaram que acharam o texto “muito difícil” e que não entenderam nada.

A pesquisadora faz, então, perguntas dirigidas às professoras para saber quais tinham sido suas dificuldades, e teve como respostas:

A professora A1 respondeu que:“achou umas palavras muito difíceis” e, por isso, teve dificuldade de entender “umas partes, como a relação do indivíduo com a escrita”, e acrescentou: “não sei como pode ser isso”.

A professora A2 respondeu que não entendeu o que é texto como objeto social, e o que significava a relação função X forma do texto, e como isso se relacionava ao letramento.

A professora A3 afirmou que “não é que o texto seja difícil, é que nós que não conhece mesmo essas teoria e a gente precisa ler mais vezes pra assimilar mais”.

De modo geral, a classe teve problemas com a leitura do texto em questão, e solicitou da pesquisadora que o lesse em sala, para que vissem esclarecidos os tópicos que lhes ficaram obscuros.

Não há como negar o impacto que essas revelações e o pedido das professoras nos causaram. Em primeiro lugar, por ser o texto de fácil compreensão, além de que já tinham sido apresentadas, no encontro anterior, às noções sobre os conceitos nele topicalizados e,

em segundo, porque proceder à leitura do texto junto com as professoras não estava em nosso plano inicial. Percebemos, nesses momentos, que alguns ajustes e reformulações esperavam por nós ao longo do curso.

Em observação intuitiva, pensamos tratar-se esse acontecimento de questões de leitura, escrita e aprendizagem na perspectiva do letramento acadêmico, por esta levar em conta os letramentos que não estão diretamente associados com os conteúdos ou disciplinas, mas com discursos e gêneros institucionais mais amplos, como se refere Lea e Street (2007).

Para os autores, em uma visão do letramento acadêmico observam-se questões de epistemologia e identidades, mais do que a aquisição de habilidades ou de socialização acadêmica, pois se considera a habilidade de o estudante transferir seu conhecimento da escrita e do gênero de um contexto para outro, acionando práticas de letramento apropriadas para cada contexto, com o fito de compreender e lidar com os significados e identidades que são evocadas em diferentes situações, mesmo dentro de uma mesma disciplina.

Concluímos que a incompreensão do texto pode ter se dado por questões de epistemologia, por problemas na aculturação nos discursos a que estavam sendo introduzidas, ou socialização acadêmica, mas a variável mais preponderante centrou-se na intelecção dos conceitos, ou seja, na dificuldade de compreensão da leitura, mais do que em uma dificuldade de transferirem seu repertório de práticas e apropriá-las para o contexto da leitura em questão.

Outro fator que preponderou para que pensássemos tratar-se de dificuldades de leitura do texto acadêmico, refere-se ao fato de que as professoras A2 e A3, apesar de terem formação de nível superior, tiveram também problemas na compreensão dos conceitos, o que nos levou a acreditar ter havido uma forte interferência das concepções de letramento que já têm internalizadas, como as dos discursos escolares, que, aliadas àquelas veiculadas no curso anterior ao nosso, vieram a incidir sensivelmente na dificuldade de compreensão e elaboração das concepções apresentadas no texto.

ação didática que se conflitava com nossas intenções iniciais, decidimos acatar esse pedido, pois era necessário que houvesse uma correta apropriação dos conceitos que lhes estávamos apresentando.

Procedemos a uma leitura explicativa, visando, de certa forma, a que fossem gradativamente desenvolvendo outros “whos” e se engajando aos novos Discursos.

Alongamo-nos nos tópicos que não tinham sido compreendidos, consoante nossas percepções, detalhadas no capítulo 3, e objeto central do curso.

Sanadas as dúvidas dos professores, retornamos ao foco sobre o ensino da leitura e conteúdo objetivado para esse encontro, e demos continuidade ao elenco de práticas de letramento que propiciem a inscrição social do texto.

Percebemos que a reação das professoras às nossas colocações era, em alguns momentos, de grande perplexidade, a que atribuímos ser a manifestação de uma certa fragilidade em relação às suas práticas pedagógicas. Essa observação se deveu a algumas falas como a da professora A1, que nos pediu para ensinar “a receita” de como trabalhar com leitura, e da professora A3, ao afirmar: “é... eu não sei ler mesmo... a gente sabe muito pouco de leitura. Nós precisa ler mais”.

Citamos que se deve, inicialmente, proceder a uma leitura atenta do texto, a fim de se verificar qual sua função social e associá-la ao gênero. Ou seja, ao se propor a leitura de um texto, devem-se mostrar as diferenças entre os textos tanto pela forma, como pela função. Assim, um texto expositivo, por ter função social diferente da poesia, ele terá características formais predominantes que são, certamente, diferentes das encontradas no poema. É nesse sentido que concebemos introduzir os alunos na prática da leitura do gênero.

De forma sucinta, explicamos que estávamos usando o vocábulo “gênero” num sentido amplo, apenas para diferenciar as formas escritas da língua, como poesia, fábula, narrativa, carta etc., pois nosso objetivo não era nos aprofundar no estudo dos gêneros textuais em suas características e peculiaridades. Esclarecemos apenas que são formas discursivas que atendem às necessidades comunicativas e exercem funções dentro da atividade social, como teoriza Bazerman (2005).

Nossa intenção era fazê-las entender que inserir o texto socialmente é relacionar a situação apresentada à realidade atual ou antiga, projetando-o para outras esferas discursivas, assim como se deve também mostrar variados gêneros de texto para os alunos, para que saibam as diferenças entre eles. Explicamos que se expor o aluno à prática da leitura do texto é mostrá-lo como um objeto constitutivo das diversas práticas sociais letradas, levando os alunos a reconhecerem, então, que o texto é um objeto que exerce uma função dentro dessas práticas.

Exemplificamos que se a leitura for de um texto informativo, deve-se mostrar o conteúdo relacionando-o à realidade atual ou não, de modo que ele vá tecendo suas interpretações e construindo significados para o texto. Se for uma poesia, o professor deve introduzir o aluno na prática dessa leitura, mostrando suas características e funções de comunicação, o que levará o aluno a perceber com mais clareza que são textos distintos, pois são objetos que têm funções sociais também distintas.

Em suma, salientamos que trabalhar com leitura não é ver o texto como um conjunto de sentenças e parágrafos, mas como um objeto vivo e pulsante que consubstancia vozes e ações da uma sociedade.

Daí que introduzir o aluno nas práticas de escrita é assumir o texto como um objeto que desempenha uma função dentro das práticas sociais. Assim sendo, o aluno é levado a inferir mais facilmente que a função do texto está ligada às suas estruturas formais, o que o faz equacionar com maior facilidade o binômio função versus forma dos textos (CARNEIRO, 2005).

Para reiterar essas afirmações, mostramos que nossa visão é inversa à da escola, pois esta dá primazia à forma do texto em detrimento da sua função. Adicionamos que esse pode ser um dos motivos por que os alunos saem da escola sem saber preencher um cadastro ou outros documentos, pois como desconhecem sua função dentro da prática social, desconhecem também tanto as informações que devem conter, como o componente lingüístico adequado para transcrevê-las..

Um dos conteúdos do texto acadêmico que mais chamou a atenção das alunas foi a respeito do significado dos documentos de identificação do cidadão.

A professora A1 não conhecia a certidão de nascido vivo, e sobre a finalidade do CPF, se manifestou dizendo que “achava que era só para identificar a pessoa”, e se mostrou surpresa quando citamos que primordialmente tem a finalidade de auxiliar o governo na definição das políticas públicas. Tomamos os documentos como exemplo para mostrar que os componentes lingüísticos que esses textos devem conter estão relacionados diretamente a sua função.

Na continuidade das reflexões, enfatizamos ser a aula de leitura um pressuposto maior para a formação do cidadão, a começar pela seleção do texto que já é um exercício de cidadania. Propusemos que para elaborarem uma aula de leitura, deviam se colocar algumas questões, como “vou dar aula sobre o quê?”; “para quê?”; “quais serão meus objetivos?”, e adicionamos: se for um texto de jornal, “por que o jornal publicou essa matéria?”; “Qual a importância desse assunto para meu aluno?” e tantas outras.

Nossas reiteradas explicações tinham a finalidade de fazer ver às professoras, que o exercício de compreensão do texto se refere à sua tradução literal, o que pode ser verificado oralmente ou por escrito, enquanto que a interpretação é a parte social da leitura, e que cabe ao professor saber relacionar o texto ao seu exterior sócio-histórico, projetando-o para as diversas esferas discursivas, levando o aluno a refletir sobre outras questões que se relacionam ao texto e, ao mesmo tempo, conhecer outras práticas de escrita que refletem valores e relações de poder de diferentes grupos sociais.

Como previsto para esse encontro, delongamo-nos na discussão sobre práticas de letramento e elementos centrais de nossa atenção.

Solicitamos também a leitura do texto de Terzi, “Afinal, para quê ensinar a língua escrita?: A formação do cidadão letrado” e de um excerto do capítulo XIII de Sandra Mckay, da obra “Sociolinguistics and Language Teaching”. O objetivo dessas leituras era para ajudar as professoras a sedimentar as concepções de leitura e seu ensino, que já vinham sendo explicitadas ao longo da aula e nos encontros anteriores, e introduzi-las na leitura técnico-acadêmica dos conceitos de letramento autônomo e ideológico, pois as reflexões e discussões em sala, provavelmente já estavam levando as professoras a inferir essas noções, mesmo sem conhecerem ainda os nomes dessas categorias.

Breve sinopse dos conteúdos veiculados

1) Retomada de explicações sobre tópicos já abordados

2) Exposição do aluno à prática da leitura – inserção do gênero e dos conteúdos do texto

3) Questões que precedem à elaboração da aula de leitura 4) A projeção do texto para as diferentes esferas discursivas 5) As práticas de letramento