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1.1 O princípio da igualdade no domínio constitucional

1.1.2 O enquadramento constitucional português

A Constituição portuguesa não foi indiferente no que alude a previsão da igualdade em seu texto. Extraímos dos textos das Constituições326 de 1822

(artigo 9.o), Carta Constitucional (artigo 14.o, § 12.o), 1838 (artigo 10.o), 1911327

(artigo 3.o, § 2.o) e 1933 (artigo 5.o) remissão à igualdade perante a lei328

(Miranda, 2006: 8). Outrossim, algumas constituições asseguravam o acesso aos cargos públicos, sendo vedadas as diferenciações, salvo se fossem em razão da virtude ou talento329 (Miranda, 2008: 244).

Com efeito, a Constituição de 1911 e as leis eleitorais da época previam os seguintes requisitos para o exercício do direito ao voto: cidadãos maiores de 21 anos, que sabiam ler e escrever e chefes de família. Desta feita, a médica Carolina Beatriz Ângelo requereu o direito ao voto, tendo em vista que reunia todos os pressupostos exigidos pela norma: era maior de 21 anos, chefe de

325 Cfr. Salema: «Não há, pois, infracção ao princípio geral da igualdade se um critério legítimo funda a diferenciação operada. No entanto, será necessário caso por caso justificar o carácter e a extensão dos privilégios, os seus efeitos e meios escolhidos» (1989: 29).

326 São apontados pela doutrina alguns marcos constitucionais relevantes para o aprimoramento do princípio da igualdade no constitucionalismo ocidental: a citada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (artigos 1.o e 6.o), a 14.a Emenda da Constituição dos Estados Unidos, a Constituição do México de 1917 em seu artigo 4.o, a Constituição de Weimar, entre outros (Miranda, 2008: 244).

327 Segundo Miranda a Constituição de 1911 fortaleceu as bases da igualdade jurídica, ante as suas previsões de igualdade civil e político para os cultos (artigo 3.o, n.o 5), equiparação de direitos para os estrangeiros, dentre outros (idem: 244-245).

328 Miranda realça que o artigo 12.o da Constituição de 1822 reproduz os termos do artigo 6.o da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, ao assegurar que só era permitida a diferenciação com base na distinção dos talentos. Ainda: «As três Constituições monárquicas ocupam-se em alguns preceitos do regime eleitoral e uma das matérias que desde logo pretendem regular é precisamente a da capacidade eleitoral activa. Ora, lendo os respectivos textos, por certo se pode concluir que se está longe de adoptar um sufrágio universal (nomeadamente pela introdução de disposições de carácter censitário); em contrapartida, as mulheres não são de modo algum abrangidas entre as categorias de indivíduos privados de votar nas eleições parlamentares» (2006: 8).

329 V. artigo 12 da Constituição de 1822, artigo 145.o, § 13.o da Carta Constitucional e artigo 30.o da Constituição de 1838. (idem, ibidem).

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família (visto ser viúva) e sabia ler e escrever. Acrescentou ainda que o termo empregado (cidadãos) abrangia homens e mulheres, razão pela qual foi reconhecido o seu direito ao voto (Moreira, 2005: 70).

Sem embargo, pese embora os textos constitucionais preverem em seu corpo que todos são iguais perante a lei, em 1913 foi editada a Lei n.o 3, de 3 de

Julho, que atribui direito ao voto aos homens que saibam ler e escrever330

(Miranda, 2006: 8). Assim, constou expressamente na lei eleitoral que o direito ao voto caberia tão somente aos homens, excluindo qualquer hipótese de inclusão das mulheres (Moreira, 2005: 70).

Com efeito, o artigo 5.o da Constituição de 1933 proclamava em seu caput

a igualdade perante a lei, porém, em seu parágrafo único quando mencionou o provimento nos cargos públicos e a impossibilidade da concessão do privilégio em razão do sexo, apresentou uma exceção em sua parte final para a mulher quanto «as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família» (Miranda, 2006: 9). No entanto, em relação às mulheres a Constituição fez menção a igualdade de direitos e deveres no âmbito do casamento e educação dos filhos, bem como previu a figura do chefe de família (artigos 12.o, n.o 2 e 17.o)

(idem: 420).

Por outro lado, antes desta ressalva constitucional, em 1931 entrou em vigor a Lei n.o 19.694, de 5 de Maio, que atribuiu o direito de sufrágio às

mulheres, desde que fossem diplomadas com o curso secundário ou superior331

(idem: 10).

Neste sentido, em 1946332 foi ampliado o rol de mulheres que tinham

direito ao sufrágio devendo satisfazer as seguintes condições: i) possuir o curso geral dos liceus, o curso do Magistério Primário ou outros cursos ali descritos, como habilitações mínimas; ii) chefes de família que soubessem ler e escrever (ou se não soubessem pagassem um mínimo fixado pela norma a título de impostos); iii) as casadas que soubessem ler e escrever, e, que pagassem uma

330 Moreira menciona que nas eleições para a Assembleia Constituinte da República instaurada em 1910 foi abolida a limitação censitária (2005: 69).

331 Apesar do baixo alcance e do período autoritário, tendo em vista que uma pequena parcela de mulheres portuguesas possuíam esse grau de qualificação, não devemos desconsiderar sua relevância para a conquista do direito ao sufrágio (idem: 70).

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contribuição predial por seus próprios bens (ou comuns) não inferior ao determinado na lei (idem: 10).

Ora, analisando o período histórico e que só passaram quinze anos desde 1931, poderíamos erroneamente concluir que houve uma grande evolução [para as mulheres] na seara eleitoral333. Todavia, quando comparamos com os

requisitos exigidos aos homens, constatamos que eles só precisavam saber ler e escrever, e, caso não soubessem, pagariam ao Estado uma quantia relativa aos impostos fixados naquela regra (Miranda, 2006: 11).

Em contrapartida, entrou em vigor a Lei n.o 2137, de 26 de Dezembro de

1968, que anunciou a igualdade de direitos políticos entre ambos os sexos334 e

eliminou o voto em função das contribuições a serem conferidas ao Estado. Destarte, Miranda mencionou pouco tempo depois a edição da norma, de maneira entusiasmada, que era possível extrair desse texto a previsão da igualdade de sexos concomitantemente com a consagração do sufrágio universal. Contudo, não deixou de criticar as diferenças no tocante ao direito ao voto para as juntas de freguesia, câmaras municipais e juntas distritais335) (2006:

11-12).

Por outro lado, a via seguida pela igualdade em Portugal, apesar de não linear, convergiu com as mudanças ocorridas no Direito Internacional (visto no capítulo anterior). Assim, a partir da Revolução de 1974 foi permitido às mulheres o acesso à magistratura, pelo advento do Decreto-Lei n.o 251/74, de 12 de

Junho, bem como aceder a cargos de funções de autoridade na administração local, por força do Decreto-Lei n.o 492/74, de 27 de Setembro, dentre outros

(Miranda, 2008: 250-251).

333 Na verdade: «(…) o Estado Novo não era propriamente generoso com as mulheres. As mulheres não podiam ser juízes, nem magistradas do Ministério Público, nem tinham acesso à carreira diplomática, tudo profissões exclusivamente masculinas! E mesmo no domínio familiar e civil, a discriminação contra as mulheres era enorme. As mulheres, por exemplo, não podiam ausentar-se do país sem autorização do marido, também não podiam ter uma empresa sem autorização do marido» (idem: 71).

334 Decorrente da influência do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Miranda, 2006: 11-12).

335 Ou seja, houve a equiparação entre mulheres e homens na esfera eleitoral, todavia havia ainda uma restrição ao exercício do voto (Moreira, 2005: 70).

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O ponto de viragem constitucional ocorre com o advento da Constituição de 1976336. O preceito constante no artigo 13.o além de proibir o tratamento

desigual, seja em razão do sexo337, raça, língua, etc., fixou a obrigação estatal

de promover a igualdade fática. Outrossim, ela não fica restrita a esta ideia de igualdade, irradiando os seus efeitos para as demais previsões338. Portanto,

além do princípio da igualdade, a recente Carta Constitucional trazia em seu bojo a plena igualdade de direitos políticos, bem como algumas previsões abrangentes aos direitos das mulheres trabalhadoras, como a proteção à maternidade e a respetiva licença sem perda da retribuição (artigo 54.o, alínea

e, e, artigo 68.o)339 (Miranda, 2006: 419-422).

Acrescente-se que o artigo 13.o, n.o 2, da CRP contém em seu texto a

proibição da discriminação infundada, ilegítima, atribuindo-se a não discriminação, ou, dito de outra forma, a proibição da discriminação a uma norma de caráter geral que cederá perante a especial. Desta feita, seu mecanismo é de presunção, cabendo o seu afastamento em situações de «adequada justificação constitucional», critério utilizado pelo Tribunal Constitucional para verificar se a discriminação em curso é legítima e de acordo com os preceitos constitucionais (Alexandrino, 2007: 76)340.

Foram realizadas três revisões constitucionais (1982, 1989 e 1992), sendo que nestas ocasiões não houveram impacto no tocante ao princípio da

336 Não obstante, não é olvidada a alteração realizada pela revisão constitucional de 1971 ao suprimir a palavra ‘mulher’ e mencionar «diferenças de tratamento quanto ao sexo» (Miranda, 2008: 245).

337 No texto inaugural da Constituição de 1976 entenderam ser desnecessária estar explicitamente a igualdade entre mulheres e homens (idem: 247)

338 Novamente, Miranda ratifica a influência das normas de direitos humanos na ordem constitucional. Assim: «(…) por força da recepção formal da Declaração Universal dos Direitos do Homem, todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação (art. 16.o, n.o 2, da Constitução e art. 7.o da Declaração)» (2006: 420). Ademais, frisa que na Assembleia Constituinte de 1975-1976 foram apresentados alguns projetos relacionados aos direitos das mulheres: um do Movimento Democrático Português - Comissão Democrática Eleitoral, outro do Partido Comunista Português, e, por fim, da União Democrática Popular. Estas propostas geraram intenso debate, culminando no artigo 13.o da Constituição Portuguesa (idem: 421). 339 Miranda enumera outros, como a igualdade de direitos e deveres conjugais, o acesso a quaisquer cargos, acesso ao ensino, etc. Outrossim, enumera de forma pormenorizada: i) os corolários da igualdade; ii) as distinções estabelecidas pela Lei Maior; iii) as imposições da igualdade social; e, iv) as discriminações positivas (idem: 422 e 2008: 246-250).

340 Mencionam um aspeto tridimensional relacionado a este artigo: i) proibição do arbítrio; ii) proibição da discriminação; iii) obrigação de diferenciação. V. Canotilho e Moreira (2007: 340- 341) e Raposo (2004: 263).

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igualdade341 e sua conformação na ordem constitucional. No entanto, foi a

revisão de 1997 de grande relevância para consolidar a promoção da igualdade entre os sexos, por intermédio da introdução do artigo 9.o, alínea h, e, alteração

do artigo 109.o (antigo artigo 112.o) cujo teor consagrou a não discriminação ao

acesso aos cargos políticos e a plena participação de mulheres342 e homens na

vida pública (Miranda, 2006: 422-423). Ademais, foram estabelecidas previsões relacionadas a organização do trabalho e conciliação da atividade laboral com a vida familiar, a maternidade consciente, direito ao planeamento familiar (ligado ao respeito da liberdade individual), dentre outros (Miranda, 2003: 294-295).

Portanto, dentro da estrutura constitucional portuguesa «as traves mestras da política da igualdade de género» são: o artigo 13.o (princípio da

igualdade), artigo 9.o, alínea h (tarefas fundamentais do Estado – promover a

igualdade), artigo 58.o, n.o 2, alínea b (igualdade de oportunidades na escolha

da profissão), artigo 59.o, n.o 1, alíneas a e b (direito dos trabalhadores

independentemente do sexo), artigo 36.o, n.o 3 (direitos e deveres iguais dos

cônjuges); artigo 47.o (liberdade de escolha de profissão e acesso à função

pública), artigo 48.o(participação na vida pública), artigo 49.o (direito de sufrágio),

artigo 64.o (saúde), artigo 67.o (família) e artigo 69.o (infância) (Luísa Neto, 2009:

170).

Por fim, a igualdade não foi um direito concedido naturalmente ou uma «verdade evidente ou demonstrável», mas foi fruto de uma decisão política que reconheceu e atribuiu um valor a este direito (Agacinsky, 1999: 100).

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