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3. Apresentação e Discussão dos Resultados

3.2 O ensino da Biologia Aplicada e sua construção

Nesta parte do trabalho, caracterizamos o ensino da Biologia Aplicada a partir dos depoimentos dos/as professores/as e de alguns episódios das aulas assistidas. Respondemos a dois dos nossos objetivos de pesquisa, quais sejam: a) caracterizar a construção do ensino

da Biologia Aplicada a partir da perspectiva dos/as professores/as; e 2) analisar a construção da Biologia Aplicada considerando o movimento CTS no ensino.

3.2. a) A relação dos/as professores/as com a

disciplina

Os/As professores/as, em seus depoimentos, explicitaram as potencialidades da Biologia Aplicada, o que gostavam de fazer nesse espaço, suas expectativas e desejos de concretização, a sua configuração real, a singularidade desse espaço no currículo, as suas distinções da disciplina Biologia etc.

Alguns/mas professores/as se referiram às aulas de Biologia Aplicada como sendo algo diferente, especial; como capazes de provocar movimentos interessantes, pois deslocavam os/as professores/as da rotina.

O professor Fábio nos contou que: durante as férias eu fico idealizando um curso de Biologia Aplicada. A sua proposta era a de trabalhar nessa disciplina com metodologias diferentes, o que acabava exigindo mais dele (porque nós temos que ter um pouquinho mais de criatividade no sentido de preparar assuntos que sejam pertinentes, que sejam do interesse deles. Assuntos que sejam aplicados, que sejam de Biologia Aplicada e com uma metodologia diferente. E a gente sofre, porque nós, professores, não estamos acostumados com uma metodologia diferente. Nós estamos mais acostumados com a aula expositiva.) e dos/as alunos/as, pois estes não reconhecem como aula maneiras diferentes de se trabalhar com o conteúdo: os alunos não estão acostumados a receber uma aula diferente, então eles confundem muito uma aula que tem uma metodologia diferente com baderna, com uma possibilidade de conversar, de fazer bagunça... Falta ainda um pouco de maturidade dos alunos para compreenderem e aceitarem uma aula um pouco diferente.

Na sua perspectiva, a disciplina conseguiu aproximar mais o aluno do professor, aproximar mais o aluno da matéria e fazer o aluno gostar um pouquinho mais da biologia além de perceber que a biologia pode ser aplicada à vida deles, ao cotidiano deles.

Ele gostava de ministrar aulas de Biologia Aplicada e de Biologia, mas a de Biologia Aplicada, por possuir apenas uma aula por semana, fazia com que ele às vezes ficasse pensando: “poxa”, poderia dar aula só de Biologia. Assim eu ia ter muito menos diário, eu ia ficar me preocupando muito menos em preparar aula. Além disso, disse que era mais trabalhoso preparar as aulas de Biologia Aplicada do que as de Biologia: toda a aula a gente dá uma atividade para nota, recolhe o trabalho, questionário, exercício para nota. Como havia apenas uma aula por semana, não fazia sentido a gente (...) perder tempo dando uma aula só de prova, então eu costumo aproveitar a própria aula, o próprio tempo da aula para fazer as avaliações, para ir dando os textos avaliativos, as questões, os trabalhos, enfim. Ai a gente monta tudo e faz uma média geral de todas as notinhas que eles vão tendo durante o bimestre.

A professora Rita gostava de introduzir diferentes assuntos nas suas aulas, trazer para a aula temas que estivessem relacionados com questões do cotidiano, do dia-a-dia, da cidade de Rio Claro e que fossem úteis para a vida das pessoas. A Biologia Aplicada trouxe, para ela, a possibilidade de trabalhar com um grande leque de temas, e isso a satisfez.

A Biologia Aplicada na realidade parece que foi uma disciplina que foi criada para mim. Porque eu me adaptei muito bem. Gosto de trabalhar Biologia Aplicada, gosto de falar de coisas diferentes. Ela dá um leque de opções muito grande. (...) Eu posso adaptar, introduzindo os fatos atuais e reais, principalmente as coisas que acontecem aqui na cidade de Rio Claro, para o aluno ver aonde é que tem aplicação.

Para a professora Emília, a disciplina deveria ter sido algo que aproximasse os alunos e alunas da realidade da aplicação da biologia: pesquisadores contando para os alunos/as o que está sendo feito nesse campo do conhecimento, excursões com os alunos para a universidade e outras atividades do gênero (eu acho que a melhor coisa seria trazer o pessoal que está vivenciando a biologia no dia-a-dia para estar mostrando para eles (alunos) como é. Ir mais na UNESP, no Butantã, para eles terem a visão de como funciona mesmo). Colocou que apenas ela buscou algo próximo a isso, pois os outros professores “ficaram apenas na teoria”.

No primeiro ano, eu tentei inovar da seguinte maneira, eu levei muita gente para fazer palestra. Eu achei que ficar na teoria, só teoria pela teoria, eles não iam perceber como é a Biologia Aplicada. Então eu convidei o pessoal da pós-

graduação da UNESP pra vir fazer palestra, contar como é o processo de mestrado da pós-graduação.

Sua intenção era que os/as alunos/as pudessem ter contato com essa área do conhecimento e ter mais elementos para optar por uma profissão ligada à área das ciências biológicas (biologia, cursos da área médica e/ou da saúde).

Como essa perspectiva não foi possível de ser viabilizada (não havia profissionais para palestrar em todas as aulas e levar os/as alunos/as às instituições nas quais a pesquisa acontece era complicado), ela coloca que a disciplina não conseguiu alcançar o objetivo a que se propôs: faz três anos que nós estamos improvisando.

Além disso, na sua perspectiva, não havia um trabalho conjunto entre a Biologia e a Biologia Aplicada: eu nem sei direito o que o professor de biologia está dando no momento. É, eu sei o programa, mas eu não sei em que ponto ele está. Sendo assim, seria mais interessante inserir a aula de Biologia Aplicada dentro da própria Biologia e, dessa forma, o/a próprio/a professor/a de Biologia faria a relação com a aplicabilidade desse conhecimento; como acontecia antes como professora de Biologia.

É, parece que são coisas diferentes (se refere a Biologia e a Biologia Aplicada) e na verdade é a mesma coisa. Eu acho que não deu o resultado que se esperava. Eu acho que se tivesse deixado três aulas a gente poderia estar colocando a aplicada dentro da Biologia normal e com muito mais eficiência. Porque seria o mesmo professor. E a gente nunca deixou de dar a aplicação da biologia em todas as aulas que a gente deu. Mas ai eu teria mais tempo pra fazer isso do que numa aula só. (...) E o aluno teria uma contextualização muito melhor do que ficar assim: “Ah Dona Laura é Biologia, Dona Emília é Aplicada”. Parece que a aplicação da Biologia está fora daquilo que você está falando.

Para a professora Emília, é a sua boa formação que possibilita trabalhar com os temas atuais dentro dessa área do conhecimento. Ela contou que não é possível ficar muito a par do que acontece no mundo da pesquisa e estar a todo momento pesquisando, em diferentes fontes, sobres os avanços científicos. A gente acaba se restringindo a alguns livros.

A professora Laura nos contou que gostava de ser professora de Biologia Aplicada por ser uma disciplina diferente. No seu entender, ela exigiu bastante criatividade e tempo para preparar a aula. Teve, também, que tomar cuidado para não esvaziar um determinado procedimento de ensino, por repeti-lo constantemente.

Fazendo uma comparação entre a Biologia e a Biologia Aplicada, a professora Laura disse que na primeira existe algo pré-estabelecido (a gente já está acostumado com o conteúdo. Às vezes você preparou uma aula um pouquinho diferente, um exercício diferente, tal, mas o conteúdo é aquele.), enquanto que na segunda havia a necessidade de tempo para preparar as aulas e de se envolver no preparo de aulas diferenciadas.

Para ela, a disciplina exigia parar para pensar, semanalmente, como dar continuidade ao trabalho. Por ter apenas uma única sala, a aula de Biologia Aplicada era especial: Eu só tenho essa sala. Estou a semana toda com as outras 12 salas, mas sempre uma sala você repete. Mas aquela é especial, eu tenho que preparar, tenho que parar para pensar: “vou continuar o trabalho da aula passada, qual é a estratégia, qual a ferramenta que eu vou usar agora?” Então eu passo pensando nisso.

Para a professora Laura, a Biologia Aplicada permitiu trabalhar com assuntos que não cabiam na Biologia, devido às questões referentes a tempo e a quantidade de conteúdo a ser cumprido. Ela faz referência ao projeto “Estudo Ecológico no Pátio Escolar” realizado na Biologia Aplicada, possibilitado pelo fato de não trabalhar, segundo ela, naquele bimestre, com o conteúdo.

O ano passado com a classe de Biologia Aplicada eu comecei a aplicar o projeto EEPE (Estudo Ecológico no Pátio Escolar). Eu escolhi a Biologia Aplicada porque, no segundo ano, não ia trabalhar o conteúdo.

Apesar de considerar a Biologia Aplicada interessante, ela passa a entender que ficar com três aulas numa sala (na Biologia) talvez... rendesse mais. (...) Eu entendo que Biologia e aplicação estão juntas, então poderia ficar uma coisa só. Um/a único/a professor/a trabalharia conjuntamente a Biologia e a sua aplicabilidade; algo que já acontecia na sua aula de Biologia, por sentir necessidade de fazer essa relação. Sendo assim, muitas vezes percebia que alguns assuntos estavam se repetindo na Biologia e na Biologia Aplicada.

Porque, por exemplo, ano passado eu não dividi a parte de microbiologia. Quando eu falava de fungo é lógico que eu ia falar aonde ele é aplicado. Porque o aluno entende que fungo é só coisa ruim. Então você começa a trazer para ele a parte de indústria, a parte econômica... Trabalhava algas: eu trazia uma parte econômica, uma parte ecológica.

A professora Silvia, em sua entrevista, nos contou que a Biologia Aplicada não pedia uma seqüência de conteúdos a serem seguidos, diferentemente da Biologia na qual há uma lógica no encadeamento dos assuntos. Havia a possibilidade, estão, de inserir diferentes

temas que surgissem (na mídia etc.) ao longo do curso. Na Biologia, ela não pode trabalhar com aulas independentes uma da outra, como na Biologia Aplicada. A principal diferença entre a Biologia e a Biologia Aplicada era o fato de a primeira ter um caminho, uma direção a seguir, um plano e na segunda isso não ser necessário; uma aula não estava necessariamente vinculada à outra, uma não era pré-requisito para que a outra acontecesse.

Biologia seria assim, entre aspas, mas fácil porque você tem uma, apesar disso não estar mais na moda, mas você tem uma seqüência lógica a seguir. E Biologia Aplicada tudo que acontece de novo, pode interferir. E isso é bom. Apareceu uma notícia nova, apareceu um caso novo, seja aonde for, que eles levam, a gente tem que aproveitar.

(...) Na Biologia eu não posso trabalhar assim, coisas separadas, entendeu? Um texto hoje, amanhã alguma coisa que eu aproveitei desse jornal, desse livro, de uma revista. Biologia Aplicada a gente, eu trabalho, e os outros também, com coisas assim, diárias. E a Biologia já requer uma programação contínua. Porque começou com citologia (...) Então: citologia, divisão celular e genética. E eu particularmente dou essa passagem (...) para a reprodução humana. Falo muito de espermatozóide e de óvulo, tanto em divisão celular quanto em genética. (...) Na Biologia, apesar de não existir mais aquela aula corrida (que você não pode ir e vir, que o conteúdo tem que ser seguido, começou lá em poríferos tem que terminar em mamíferos, vamos supor), você segue um fluxo do que você programou e a Biologia Aplicada a gente trabalha mais coisas, entre aspas, individuais cada aula. Um texto hoje, amanhã é um jornal, amanhã uma revista, outra dia um livro, outro dia uma internet, outro dia um filme, entendeu, de um determinado assunto. Por exemplo, agora no segundo semestre, de biotecnologia.

Uma outra característica da Biologia Aplicada, que a diferiu da Biologia, contada pela professora Silvia, foi a possibilidade de tratar um tema relacionado à aplicabilidade por um longo período de tempo, algo extremamente positivo em sua percepção.

Quando a gente falava de DNA na genética, na divisão celular, do núcleo a gente falava alguma coisa, mas não tinha aquele espaço reservado para dar um semestre inteiro para dar biotecnologia, como continua acontecendo lá na escola E2, por exemplo. (...) É lógico que o professor de Biologia tinha três aulas, então incorporava, mas não é como nós trabalhamos esses anos. Porque se você tem uma aula só por semana, você só vai trabalhar isso. E trabalhando com genética e com divisão celular você sabe que você desvia. (...) Você traz um exemplo, você traz uma reportagem para mostrar, falar de algumas doenças, mas não é como Biologia Aplicada que você entra e sai da sala de aula no segundo semestre só fazendo biotecnologia. Nesse ponto foi excelente.

O professor Júlio nos contou que se sentia bem em ministrar Biologia Aplicada. Coloca que isso já era feito em menor escala na Biologia, principalmente nas turmas do noturno, nas quais os alunos são menos interessados e em que se tem um tempo menor para

trabalhar. Com a Biologia Aplicada, ele trabalhava diretamente com a parte da aplicabilidade.

No noturno, trabalhando genética, eu tento, sempre tentei, mesmo em ecologia, citologia, seja o que for, eu sempre tentei mostrar para o aluno a questão da aplicabilidade, independente de ter a Biologia Aplicada ou não. “Pô! Mas para que que isso vai servir?” Então, espera aí! Vamos ver para que isso serve. Síntese de proteína uma coisa tão distante. E o cara não se alimenta bem e toma anabolizante para pode crescer o músculo. Então, espera lá, vamos trabalhar essa questão. “Onde eu vou usar isso na minha vida?” Essa é sempre uma preocupação que eu tenho dentro da Biologia normal, principalmente no noturno, onde você tem um menor tempo, um maior desinteresse e tudo mais. E agora, com a Biologia Aplicada, ficou mais fácil, você já vai direto a esse assunto (...) (Professor Júlio).

3.2. b) Os conteúdos e procedimentos escolhidos

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