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O então Ministro Francisco Campos conferiu ao professor Euclides Roxo22 a posição de presidente da comissão encarregada de elaborar os programas de Matemática. As ideias de Euclides Roxo para o ensino de Matemática já vinham sendo experimentadas no Colégio Pedro II, desde 1929, onde era diretor. Essas ideias inovadoras para o ensino de Matemática começaram a ser debatidas em 1908, por ocasião da Commission Internationale de l’Enseignement Mathématique (IMUK), criada no IV Congresso Internacional de Matemáticos, realizado em Roma e que repercutiu no Brasil somente a partir de meados da década de 1920 (SCHUBRING, 2004, p. 18).

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Euclides de Medeiros Guimarães Roxo nasceu em Aracaju, Sergipe, em 10 de dezembro de 1890. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 21 de setembro de 1950. Em 1909, bacharelou-se no Colégio Pedro II, onde foi aluno interno e acumulou todos os prêmios. Formou-se em Engenharia em 1916, pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em 1915, foi aprovado em concurso para professor substituto de Matemática no Colégio Pedro II, no qual foi também examinador nos exames de Francês, Latim e Matemática. Posteriormente foi nomeado catedrático no mesmo estabelecimento de ensino (1919). No Colégio Pedro II foi diretor de 1925 a 1935, época em que o ensino brasileiro sofreu profundas modificações (VALENTE, 2004a, p. 85-86).

Segundo Valente, as discussões realizadas no IMUK tardaram a chegar ao Brasil devido ao desinteresse pelas inovações no ensino de matemática do nosso único representante nessa comissão, o professor Eugênio de Barros Raja Gabaglia23. O autor destaca que

Gabaglia, na comissão internacional, teria deixado sobressair antes a sua condição de representante de governo, aquela que de fato deveria ter assumido: a de professor de matemática. Um representante oficial, político, pouco interessado em novidades que viessem a alterar o ensino tradicional e bem assentado da matemática no Pedro II (VALENTE, 2004a, p. 57).

O autor argumenta que Gabaglia não passou de um “relações públicas do governo brasileiro”, e que essa falta de interesse pelas questões do ensino de matemática pode ter tido origem nos “interesses menos idealistas e mais pragmáticos” que eram os de divulgar e dar uso aos livros F.I.C., traduzidos por Gabaglia e que vinham sendo considerados ultrapassados pelo novo ideário modernizador dessa reforma internacional (Ibid., p. 57).

Como já havíamos mencionado, enquanto presidente da comissão encarregada de elaborar os programas de matemática da Reforma Campos, Euclides Roxo pôde estender as ideias e programas que já vinham sendo aplicadas no Colégio Pedro II e que tinham influência dos matemáticos Felix Klein e Ernst Breslich. Essas ideias apresentavam três tendências gerais: 1) predominância essencial do ponto de vista psicológico; 2) escolha da matéria a ensinar em dependência com as aplicações da matemática ao conjunto das outras disciplinas; e 3) subordinação da finalidade do ensino às diretrizes culturais da época (ROXO apud CARVALHO, 2004, p. 133).

Euclides Roxo também trouxe para o ensino de matemática, através da Reforma Francisco Campos, a ideia de fusão dos diferentes ramos da matemática (Aritmética, Álgebra e Geometria), interligando-os em uma única disciplina denominada Matemática.

Euclides Roxo argumentava que

essas partes não devem ser completamente fundidas, mas não devem ser tão separadas como acontecia nas escolas, contra o que é natural; um exemplo instrutivo é o estudo das proporções que primeiro se explicam aritmeticamente e depois – muitas vezes sem

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O professor Raja Gabaglia era professor de Matemática no Colégio Pedro II desde 1853, ano em que concluiu a Escola Politécnica como engenheiro e bacharel em ciências físicas e matemáticas (VALENTE, 2004a, p. 47).

nenhuma relação com o estudo anterior – ensina-se novamente sob a forma geométrica (CARVALHO apud VALENTE, 2004a, p. 96). A disciplina de Matemática na Reforma Francisco Campos estava presente nos programas das cinco séries do Curso Fundamental. Além disso, Matemática e Português eram as disciplinas com maior carga horária semanal prevista pela reforma (ALVAREZ, 2004, p. 16).

Euclides Roxo publicou livros e artigos em jornais defendendo seus pontos de vista. Grande parte dos artigos publicados na imprensa rebatiam as críticas lançadas por seus maiores opositores político-ideológicos: Joaquim Ignácio de Almeida Lisboa, também catedrático do Colégio Pedro II, que era partidário do “ensino tradicional da Matemática24” e o padre jesuíta Arlindo Vieira, que defendia a “posição da Igreja diante da escola renovada” (CARVALHO et al., 2000, p. 421-423).

Para Roxo, a matemática ainda era considerada por alguns matemáticos como uma disciplina de conteúdo definitivo e acabado, sem que fosse possível haver dúvidas ou discussões em relação ao seu “cristalizado” conteúdo. Porém, ao contrário do que consideravam, argumentava que “existe certeza em relação a seu conteúdo, mas muitas dúvidas sobre como ensinar, o que, para quem, para que e quando” (ROXO apud CARVALHO et al., 2000, p. 418).

O debate público entre Euclides Roxo e seus opositores, no início da década de 1930, colocou em pauta outra discussão: quem deve ensinar matemática? A função era exercida até então por engenheiros e militares. Esse tema já havia sido levantado no IMUK (1908) quando foi discutida a “preparação matemática dos engenheiros” concluindo-se que “os engenheiros querem aprender matemática por meio do matemático e não do engenheiro” (SCHUBRING, 2004, p. 37).

Algumas propostas implantadas por Euclides Roxo no Colégio Pedro II em 1929, e que foram levadas a nível nacional pelas Reformas Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942), sobrevivem até hoje:

[...] notadamente o ensino de Matemática em todas as séries do currículo e a apresentação de grande blocos da Matemática escolar – aritmética, álgebra, geometria e medidas, em cada série, sem a divisão rígida anterior, de anos de escolaridade reservados para cada um desses blocos (CARVALHO et al., 2000, p. 416).

Na próxima seção, apresentamos um estudo sobre como se deu a implantação do Curso Complementar no Instituto Júlio de Castilhos.

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Segundo Carvalho, o ensino tradicional da Matemática, defendido por Almeida Lisboa, considerava-a “essencialmente uma disciplinadora do espírito, indiferente a possíveis aplicações” (CARVALHO et al, 2000, p. 422).