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41 3. O ensino em Portugal: políticas educativas globais

Abordar qualquer temática de âmbito educativo e negligenciar o impacto das políticas educativas que emanam dos centros de poder político e de decisão é pouco recomendável, mesmo para uma proposta deste género, que procura no seu essencial desenvolver uma análise comparada de âmbito essencialmente metodológico, entre duas correntes a partir de experiências educativas.

Apesar da ênfase do trabalho se colocar nos eventuais impactos educativos decorrentes da aplicação de metodologias de cariz expositivo ou cooperativo, não é despiciendo fazer uma pequena abordagem ao processo evolutivo das políticas educativas em Portugal. Essa abordagem não seguirá a lógica da resenha da história das políticas educativas em Portugal, será antes pela via da consumada globalização, processo esse que atinge também o universo educativo.

Nesse sentido, importa referir que existe atualmente, por si só demasiado evidente, uma relação profunda entre as instituições internacionais e os seus paradigmas constitutivos, e as consequentes repercussões nas políticas e conceções de educação nacionais, sustentando-se a tese num nexo causal entre estas duas dimensões, em que a primeira se afirma e legitima internamente, a partir do argumento do ―recurso ao estrangeiro‖.

Num livro de 2003 ―Globalização e Educação, Políticas Educacionais e Novos

Métodos de Governação‖, António Teodoro20 esboça de forma lúcida e sublime quais as novas formas de regulação transnacional das políticas educativas.

As novas instituições internacionais, surgidas dos escombros do conflito mundial (ONU, UNESCO, BM, FMI, OCDE), contribuíram para uma internacionalização da problemática educacional, ajudando a promover as teorias de modernização (nas quais se inserem as teorias do capital humano e da planificação educacional), tornando-se os países periféricos e semiperiféricos cada vez mais dependentes da legitimação e da assistência técnica destas organizações internacionais. Por isso, toda e qualquer abordagem de teor educativo sobre um passado recente, terá sempre que ver com interesses e dependências externas no que concerne aos conteúdos bem como aos estilos nas reformas educativas.

O paradigma da Educação Comparada21 assentou em quatro premissas fundamentais: i) a asserção de que o desenvolvimento da educação acarretaria inexoravelmente o progresso

Capítulo 3. O ensino em Portugal – políticas educativas globais

42 económico; ii) um positivismo que atribui à Educação Comparada o papel de estabelecer leis gerais sobre o funcionamento dos sistemas educativos; iii) uma abordagem baseada no Estado-nação privilegiando-se uma comparação das diferenças e semelhanças numa dimensão inter-nacional e, por último, iv) a utilização de um método comparativo supostamente objetivo e quantitativo, mas que não interroga a qualidade dos dados e a sua espessura teórica.

O recurso ao estrangeiro funciona, prioritariamente, como um elemento de legitimação de opções assumidas no plano nacional, e muito pouco como um esforço sério de um conhecimento contextualizado de outras experiências e de outras realidades (Teodoro, 2003: 32); traduzindo-se a sua ação numa normalização das políticas educativas, no estabelecimento de uma agenda e na fixação de um mandato. Neste contexto, a posição de Portugal enquanto país semiperiférico afirma-se como um case study das variações de paradigmas.

De acordo com o autor numa primeira fase, entre o fim da 2ª Guerra Mundial e Abril de 1974, o sistema educativo nacional vai ser influenciado pela OCDE, que assumiu um papel fundamental na formação do corpus teórico subjacente ao sector industrialista e desenvolvimentista (o chamado ocedeísmo). A preocupação com a qualificação da mão-de- obra disponível conduziu a pressões para um aumento da oferta escolar; acreditando-se que a educação arrastaria o desenvolvimento económico.

O 25 de Abril de 1974 alterou profundamente a correlação de forças nas realidades sociológicas internas, numa orientação antimonopolista e democratizante. A OCDE é percecionada como uma organização por excelência dos países capitalistas desenvolvidos, pelo que será a UNESCO que produzirá o trabalho mais significativo de legitimação da ação governativa nesse período de 1974-1975 (Idem: 42).

Com a «normalização democrática», num contexto marcado pela aposta na integração europeia e numa modernização assente na necessidade de financiamento externo, o BM substitui a UNESCO, já que se encontrava ―nas condições ideais para responder às necessidades do Governo Português, pois, diferentemente da OCDE ou de outra organização internacional, associava consultoria com ajuda, sob a forma de empréstimos financeiros‖ (Ibidem: 47). De um ponto de vista ideológico, o BM inseria-se nas tradições funcionalistas do capital humano, identificando a educação como uma alavanca do desenvolvimento económico.

21 Ramo das Ciências da Educação, que regista o seu apogeu no pós 2ª Guerra Mundial.

Capítulo 3. O ensino em Portugal – políticas educativas globais

43 No início da década de oitenta do séc. XX, verifica-se o regresso da OCDE ao primeiro plano da definição da agenda política educativa nacional. Na análise que os peritos desta organização efetuam, destaca-se a crítica à negligência atribuída à formação técnica e profissional da juventude e à prioridade conferida ao acesso aos institutos politécnicos.

A tónica é colocada nos ensinos profissional e técnico-profissional, no chamado novo

vocacionalismo de cunho fordista, assente na tentativa de eliminação da discrepância entre os empregos potenciais que permaneciam vagos e a ausência de mão-de-obra especializada. A reforma educacional constitui-se como a pedra de toque da reforma estrutural tida como necessária à qualificação dos recursos humanos no contexto da integração europeia.

A velha conceção do professor como funcionário ou técnico tende a desaparecer, criando uma crise de identidade e um profundo mal-estar na classe docente. Espera-se que o Professor assuma uma miríade de funções e, ao mesmo tempo, assista à degradação das suas condições de trabalho. O novo paradigma utopista avançado por Teodoro, encara o professor simultaneamente como militante de justiça social – a capacidade de ler o mundo na convicção de que todos podem aprender – e como pesquisador da sala de aula – que significa o abandono da conceção do professor como um mero tradutor de conhecimentos, mas aberto à investigação, à incorporação de novos saberes e à capacidade de estabelecer diferentes estratégias de diferenciação pedagógica.

Perante estas evidências torna-se clara a necessidade de, cada vez mais, levar a cabo uma profunda reflexão sobre a lógica das políticas educativas e da sua relação com as ciências da educação (Teodoro, 2003: 43).

É também de realçar a análise da instituição escolar, e da educação em geral, no seu sentido duplo, como simultaneamente um produto e um motor de transformação social; e da sua inevitável interconexão com o desenvolvimento produtivo e social.

Se a escola é, como refere Durkheim, reflexo de uma sociedade, será pois, cada vez mais, reflexo de uma sociedade global.