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Iniciamos esse tópico levantando alguns questionamentos: quais conteúdos e métodos marcaram a história do ensino de História? Quais mudanças? Quais foram as permanências? O que dizem os documentos oficiais?

Bittencourt (2004) caracteriza o ensino de História a partir de dois momentos. O primeiro teve início na primeira metade do século XIX, com sua introdução no currículo escolar. Pós independência do Brasil, a preocupação era criar uma “genealogia da nação”, para tanto, elaborou-se uma “história nacional”, baseada em uma matriz europeia. O segundo momento ocorreu a partir das décadas de 1930 e 1940, orientado por uma política nacionalista e desenvolvimentista. Como área escolar obrigatória, o ensino de História surgiu com a criação do Colégio Pedro II em 1837, inspirado no modelo francês. O objetivo era a formação de cidadãos proprietários e escravistas.

De acordo com Bittencourt (2004), desde o início da organização do sistema escolar, a proposta de ensino de História voltava-se para uma formação moral e cívica. Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma ideia de nação associada a de pátria, integradas como eixos indissolúveis. Deveriam inculcar determinados valores para a preservação da ordem, da obediência à hierarquia, de modo que o país pudesse chegar ao progresso, modernizando-se consoante com o modelo dos países europeus. Em relação à História do Brasil eram abordados os acontecimentos históricos a partir da chegada dos portugueses. Eram trabalhados temas como as capitanias hereditárias, os governos gerais e as invasões estrangeiras ameaçando a integridade nacional. Os conteúdos culminavam com os “grandes eventos” levados a efeito pelos “grandes homens”. Esse ensino não situava os homens

comuns como sujeitos da história. A metodologia utilizada baseava-se nos métodos mnemônicos, sendo comum a memorização mecânica.

Na continuação da história do ensino de História, Bittencourt (2004) ressalta que com a Proclamação da República, passou a ser função da escola denunciar os atrasos impostos pela monarquia, a educação escolar deveria regenerar os indivíduos e a própria nação, e dessa forma, colocaria o país na rota do progresso e da civilização. Sendo assim, o ensino de História passou a ocupar, no currículo, um duplo papel: civilizatório e patriótico, pois deveria modelar um novo tipo de trabalhador, o cidadão patriótico. A História Nacional identificava- se com a História Pátria, cuja finalidade era integrar o povo brasileiro à moderna civilização ocidental, reforçando a visão linear, determinista, e eurocêntrica da história. Seus conteúdos deveriam enfatizar as tradições de um passado homogêneo de lutas, de feitos gloriosos de personagens identificados com ideais republicanos. Nesse processo reconhecemos mais permanências do que mudanças, pois permaneceu a proposta da história dos “grandes heróis”, apenas mudaram os heróis, e a metodologia predominante, a memorização.

Ao apresentar os anos de 1950 e 1960, Bittencourt (2004) afirma que, sob a inspiração do nacional-desenvolvimentismo, o ensino de História voltou-se para as temáticas econômicas. Enfatizou-se o estudo dos ciclos econômicos, sua sucessão linear no tempo (cana-de-açúcar, mineração, café e industrialização). A ordenação sequencial e sucessiva indicava que o desenvolvimento só seria alcançado com a industrialização. Permanece a visão teleológica, que pode levar a compreensão de caminhamos sempre em direção ao progresso, dificulta uma análise crítica da história, pois torna-se mais difícil perceber retrocessos.

O período que se estendeu da Segunda Guerra Mundial até o final dos anos de 1970 caracterizou-se por momentos significativos na implementação dos Estudos Sociais. Sob influência norte-americana e de uma difusa concepção tecnocrática, no contexto da Guerra Fria, desvalorizaram-se as áreas de Humanas em favor de um ensino técnico, para formação da mão-de-obra da indústria crescente. Com o golpe militar em março de 1964, proliferaram os cursos de Licenciatura Curta. A partir da Lei 5692/71, ao lado da Educação Moral e Cívica (EMC) e da Organização Social e Política Brasileira (OSPB), os Estudos Sociais esvaziaram, diluíram e despolitizaram os conteúdos de História e Geografia. Foram valorizados os conteúdos e as abordagens de um nacionalismo de caráter ufanista, destinado a justificar o projeto nacional do governo militar após 1964. (BITTENCOURT, 2004).

Guimarães (2012) ressalta que ao longo dos anos de 1970 e 1980, as lutas profissionais, desde a sala de aula até a universidade, ganharam maior expressão com o crescimento das associações de historiadores e geógrafos, abrindo possibilidades da volta do ensino de História e de Geografia aos currículos escolares e a extinção dos cursos de Licenciatura de Estudos Socais. O caminho da democratização do Brasil nos anos de 1980 gerou a reavaliação do ensino de História ilustrada pelas múltiplas abordagens históricas possíveis. Difundiram-se reflexões sobre o processo de ensino e aprendizagem pelos quais os alunos passaram a ser considerados sujeitos de saberes, participantes ativos do processo de conhecimento. Os métodos tradicionais de ensino, como memorização e reprodução, passaram a ser questionados.

Silva e Guimarães (2007) sintetizam algumas mudanças que marcaram os anos de 1990: a extinção das disciplinas EMC (Educação Moral e Cívica), OSPB (Organização Social e Política) e EPB (Estudos dos Problemas Brasileiros); os cursos superiores de Licenciatura Curta em Estudos Sociais, também, paulatinamente, foram extintos; a partir de 1994, a avaliação dos livros didáticos dos quatro anos iniciais do ensino fundamental. Esse processo foi institucionalizado, foi ampliado e desenvolvido de forma sistemática nos governos posteriores; pós LDB de 1996, foram desenvolvidos programas e projetos de formação docente pelos governos federal, estaduais e municipais, com ênfase na titulação universitária dos professores dos anos iniciais do ensino básico e fundamental. O texto da LDB 9.394/96 expressa “o que” da cultura e da História que o Estado brasileiro considerava necessário transmitir aos alunos por meio da disciplina obrigatória “História”. O documento reitera a ênfase no estudo da História do Brasil, por meio da tríade: “as matrizes indígena, africana e europeia na formação do povo brasileiro”, conforme exposto no Parágrafo 4º do Artigo 26 da LDB. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), implantados em 1997, oficializaram, em âmbito nacional, a separação das disciplinas “História e Geografia” nos anos iniciais do ensino fundamental.

Em relação às intencionalidades educativas, o PCN de História reforçou o caráter formativo da História na constituição da identidade, da cidadania, do re/conhecimento do outro, do respeito à pluralidade cultural e a defesa do fortalecimento da democracia. O documento destaca:

Para a sociedade brasileira atual, a questão da identidade tem se tornado um tema de dimensões abrangentes, uma vez que se vive um extenso processo migratório que tem desarticulado formas tradicionais de relações sociais e

culturais. Nesse processo migratório, a perda da identidade tem apresentado situações alarmantes, desestruturando relações historicamente estabelecidas, desagregando valores cujo alcance ainda não se pode avaliar. Dentro dessa perspectiva, o ensino de História tende a desempenhar um papel mais relevante na formação da cidadania, envolvendo a reflexão sobre a atuação do indivíduo em suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas afetividades e sua participação no coletivo (BRASIL, 1997, p. 26).

No que se refere aos conteúdos (o que ensinar) e aos saberes históricos selecionados, o documento curricular propõe uma organização em torno de eixos temáticos, desdobrados em subtemas. Os eixos temáticos para os anos iniciais do Ensino fundamental são: I) História local e do cotidiano, subdividida em dois subitens: localidade e comunidades indígenas e II) História das organizações populacionais, subdividida em: deslocamentos populacionais, organizações e lutas de grupos sociais e étnicos, e organização histórica e temporal.

Concordamos com a análise de Silva e Guimarães (2007) ao afirmarem que a ênfase dos PCNs no ensino e aprendizagem de temas e problemas da História do Brasil, desde os anos iniciais do ensino fundamental, veio enfrentar velhos problemas em muitas realidades escolares. Dentre eles, os autores destacam o fato de o aluno concluir essa fase da escolaridade sem ter contato com a história do Brasil. Os antigos programas de ensino de Estudos Sociais, em geral, encerravam o ciclo dos quatro anos do então ensino de 1º grau (hoje ensino fundamental) com o estudo da história regional, do município e/ou do estado (unidade da federação em que vive o aluno), de forma estanque e fragmentada, perdendo de vista a reflexão sobre local e não-local (nacional e mesmo mundial).

A partir do olhar sobre a história do ensino de história no Brasil, verificamos uma versão excludente, opressora e silenciadora de diversos sujeitos que fizeram e fazem parte da constituição do país. Prevaleceu um ensino eurocêntrico e um olhar enviesado por estereótipos e visões pouco informadas sobre outras realidades, como, por exemplo, sobre os afrodescendentes e indígenas.

Como resultado de lutas do movimento negro, em 2003, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei Federal nº 10.639, de 9 de janeiro, determinando a inclusão obrigatória, no currículo da rede de ensino, o estudo da “História e Cultura Afro-Brasileira” e outras providências. Em 2004, foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, bem com Resolução nº 1 do CNE, de 7 de junho de 2004, que instituiu as Diretrizes.

Em 2008, aprovação da Lei Federal n° 11.645 alterou a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro

de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabeleceu as diretrizes

e bases da educação nacional, para incluir, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Destacamos o que ficou definido pelas Leis:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro- brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008)

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008) (BRASIL, 2008). A legislação trouxe a necessidade de estudos das relações históricas e culturais dos povos afro-brasileiros e indígenas em uma demonstração das conquistas desses sujeitos sociais que possuem o direito de estarem presentes na história de nosso país e que se estabeleça o registro e o respeito às diferenças culturais de cada um, porém, nota-se que o enfoque na temática se apresenta de maneira superficial. É preciso maior abrangência e definições curriculares mais claras nos documentos.

Os temas a serem abordados nos anos iniciais exigem do professor uma formação sólida do aprendizado histórico. Abordar as temáticas propostas exige do professor uma articulação entre local e global, além do trabalho em uma perspectiva multicultural. Sobre essa questão destacamos o alerta de Silva (2000):

[...] em geral, o “multiculturalismo” apoia-se em um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade e a diferença. [...] Da perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas, essencializadas. São tomadas como dados ou fatos da vida social diante dos quais se deve tomar uma posição (2000, p. 73).

Nossa concepção vai ao encontro do conceito de multiculturalismo revolucionário proposto por McLaren e que não se limita a transformar a atitude discriminatória, mas se dedica a reconstruir as estruturas profundas da economia política, da cultura e do poder nos arranjos sociais contemporâneos. Ele não significa reformar a democracia capitalista, mas transformá-la, cortando suas articulações e reconstruindo a ordem social do ponto de vista dos oprimidos.

A proposta do ensino de História presente nos documentos e debatidos por estudiosos da área apresentam algumas questões em comum. Uma delas é que para formação das crianças é necessário, inicialmente, conhecer e valorizar a sua própria história. É fundamental para que o aluno entenda o passado e o relacione com o presente, para que a História não permaneça distante de suas realidades, de seus momentos atuais.

Estudar História nos anos iniciais do ensino fundamental, de acordo com Cooper (2006), inclui a dimensão do passado, estando ela também relacionada com a compreensão e reflexão sobre o desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Os professores da educação básica poderão ensinar o componente curricular de História e ajudar seus alunos a se apropriarem da aprendizagem histórica, isto é, do entendimento do desenvolvimento do processo histórico. Para a autora, os professores devem auxiliar seus alunos a se relacionarem dinamicamente com o passado, de acordo com uma aprendizagem significativa.

Ainda dentro desse mesmo contexto, Copper (2006) afirma ser possível ensinar História para crianças da educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental de uma forma ativa, para que ocorra um engajamento discente para inquirir a História, contrapondo a “noção de uma História oficial única.”

Concordamos com Guimarães (2012) ao afirmar que ao ensinar História deve-se valorizar a problematização, incluindo a crítica. Esse tipo de ensino faz com que estudantes e professores sejam aqueles produtores de conhecimentos em sala de aula "[...] pessoas que cotidianamente atuam, transformam, lutam e resistem nos diversos espaços de vivências: em casa, no trabalho, na escola." Reitera que ao ensinar essa disciplina nos anos iniciais, o professor deve buscar as características que ajudem o aluno a ser sujeito da construção de sua própria história.

São grandes os desafios dos professores ao ensinarem História na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, pois cabe a eles contribuírem para que as crianças construam um olhar lúcido sobre o mundo e um sentido crítico no pensamento histórico, na

temporalidade, na historicidade e na consciência histórica. É preciso proporcionar condições de entendimento, compreensão do conteúdo histórico que conduza os alunos a relacionar o passado, o presente e o futuro. Compreendam que não existe uma história única. Façam uma leitura de mundo. Aprendam a debater, a construir suas próprias opiniões, a criticar, a eleger, a interpretar, a argumentar e analisar os fatos. Desenvolvam um sentido de sua identidade, um respeito, empatia frente as demais pessoas e culturas. Rechacem a marginalização das pessoas.

Concordamos com Guimarães (2012) que a história é uma disciplina fundamentalmente educativa, formativa, emancipadora e libertadora. Tem o papel central na formação da consciência histórica dos homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e praxes individuais e coletivas. Nesse sentido, entendemos que é necessário, sim, alfabetizar as crianças, ensinando e aprendendo História. Aprender História é ler e compreender o mundo em que vivemos, no qual outros seres humanos viveram.