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CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 19 19 19

2.6 O Ensino Precisa Valorizar o Conhecimento Prévio dos Alunos

Práticas comuns no ensino de Matemática deixam, por vezes, de levar em conta os conhecimentos prévios dos alunos, negando-os ou descartando-os como inúteis. Ao abordar a matemática de forma abstrata, principalmente quando da introdução dos conhecimentos por meio da álgebra, sem associação com a realidade vivenciada pelo aluno, inclusive as trazidas do seu cotidiano extraescolar, cria-se uma “distância” entre o que é aprendido na escola e as suas possíveis aplicações em situações fora desse ambiente.

Essas técnicas mais usuais consistem em apresentar a matemática escolar por meio de algoritmos, primeiro resolvendo alguns exemplos e em seguida colocando o aluno para resolver exercícios semelhantes, para que este reproduza de forma mecânica o que foi exposto. Alro e Skovsmose Apud SILVA e DALTO (2011) se referem ao ensino de matemática convencional caracterizado por certas formas de organização da sala de aula, influenciadas pelo que denominam de paradigma do exercício:

[...] as aulas costumam ser divididas em duas partes: primeiro, o professor apresenta algumas ideias e técnicas matemáticas [...] Em seguida, os alunos fazem alguns exercícios pela aplicação direta das técnicas apresentadas. [...] os padrões de comunicação entre professor e alunos se tornaram repetitivos. Alro e Skovsmose Apud SILVA e DALTO (2011, p. 185).

Defendendo a mudança desse paradigma, estes autores propõem as abordagens investigativas, designando resolução de problemas, abordagens temáticas, trabalho com projetos, entre outras. Estas levariam os professores a sair de uma zona de conforto, em que procedimentos e regras são apenas repetidos, para uma zona de risco, onde há imprevisibilidade, em que questões novas podem ser colocadas e conteúdos inesperados podem surgir, gerando incerteza, dúvida sobre o que possa aparecer em sala de aula.

Os professores já foram alunos, e quando discentes, observando seus mestres atuarem, adquiriram certa inclinação em repetir métodos utilizados por eles quando atuam como professores. Estando acostumados a utilizar certos métodos, o ensino de matemática empregado com mudanças torna-se difícil de ser executado.

Segundo CALDEIRA, SILVEIRA e MAGNUS (2011),

A Matemática vista como uma disciplina escolar deve transcender a ideia de um conhecimento isolado, pronto e acabado, concepção tão comum nas práticas de sala de aula, e passar a desempenhar um papel muito mais abrangente, assumindo a posição de possível orientadora no processo de formação do ser humano autônomo. Para atingir tal objetivo, seu ensino e aprendizagem devem estar comprometidos com o contexto4 histórico, social, econômico, político e ambiental dos educandos. Dessa forma, uma das possibilidades é inserir, nas atividades escolares, elementos das demandas locais, advindas da cotidianidade dos alunos, permitindo que eles, em conjunto com o professor, desenvolvam práticas que reflitam essa cotidianidade [...]. Uma das formas para o desenvolvimento dessa concepção de ensino e aprendizagem da Matemática é a Modelagem Matemática na Educação Matemática. CALDEIRA, SILVEIRA e MAGNUS (2011, p. 65).

Os PCN (1998), também trazem referências à importância de dar significado ao que é aprendido, valorizando a autonomia do educando, para que possa reinventar o conhecimento com base no que foi assimilado anteriormente. Desta forma, eles terão capacidade em aprender com seus próprios recursos, tendo melhores condições de enfrentar as mudanças contemporâneas. Para tanto, faz-se necessário investir na Matemática aplicada, contextualizada, interdisciplinar e em metodologias que os habituem a utilizar conhecimentos prévios, sob o prisma de encontrar por si próprios, respostas às questões que surgirem, tanto no âmbito escolar quanto fora dele.

Um dos problemas existentes na educação brasileira, no que se refere ao ensino básico, é o pensamento generalizado de que os conteúdos estudados neste nível têm como meta possibilitar estudos posteriores em cursos técnicos ou de graduação. Todavia, os PCN (1998, p. 07) incluem entre seus objetivos gerais, comuns a todas as disciplinas, o

ensino direcionado a formação cidadã. Entre eles, podemos destacar que o aluno precisa ser capaz de:

• Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

• Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

• Questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação;

Já entre as finalidades do ensino da Matemática, visando à construção da cidadania, citado pelos PCN (1998, p. 47), temos:

• Identificar os conhecimentos matemáticos como meios para compreender e transformar o mundo à sua volta e perceber o caráter de jogo intelectual, característico da Matemática, como aspecto que estimula o interesse, a curiosidade, o espírito de investigação e o desenvolvimento da capacidade para resolver problemas;

• Estabelecer conexões entre temas matemáticos de diferentes campos e entre esses temas e conhecimentos de outras áreas curriculares;

• Sentir-se seguro da própria capacidade de construir conhecimentos matemáticos, desenvolvendo a autoestima e a perseverança na busca de soluções;

• Interagir com seus pares de forma cooperativa, trabalhando coletivamente na busca de soluções para problemas propostos, identificando aspectos consensuais ou não na discussão de um assunto, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles.

Para obtermos sucesso junto a esses objetivos, o ensino precisa focar as competências5 básicas necessárias, dando ênfase em problemas matemáticos associados a situações do cotidiano e de outras disciplinas. Desta forma, o aprendiz estará tornando-se consciente do que pode fazer para transformar sua realidade.

Os conteúdos matemáticos, quando são trabalhados sem relação com situações do cotidiano extraescolar do aluno, criam uma distancia considerável entre o que ele aprende e o que ele vivencia fora da sala de aula. Alunos da escola pública, em muitos casos, vivem uma dura realidade, não tendo acesso a necessidades básicas, com alguns tendo que trabalhar em serviços inadequados para sua idade ou com problemas familiares, onde às vezes não há nenhuma estrutura.

A Modelagem Matemática pode contribuir para um menor distanciamento do conhecimento escolar e os conhecimentos adquiridos em situações fora deste contexto, levando os alunos a relacioná-los. O desenvolvimento de conceitos e procedimentos matemáticos utilizando situações fora do contexto escolar é denominado por LESH e ZAWOJEWSKI (2007) de cognição situada.

Para eles, a cognição situada está associada à aprendizagem e resolução de problemas em contextos. Os estudos sobre esta ótica apontam desde situações simples do cotidiano até as associadas ao setor produtivo que requerem um nível elevado da utilização de matemática. No contexto do dia a dia, as pessoas como vendedores, consumidores, necessitam de pensamentos matemáticos significativos para responder problemas momentâneos, sendo diferentes dos conhecimentos e habilidades desenvolvidas nas escolas.

Na escola, os conteúdos desenvolvidos pelos alunos são geralmente organizados em um grau de abstração correspondente ao nível de maturidade do mesmo e aos conteúdos abordados no programa curricular, enquanto as situações que as pessoas necessitam resolver nas experiências do dia a dia tendem a integrar ideias e experiências que deveriam ser adquiridas na abordagem de diferentes tópicos dos livros textos, utilizando para isto diferentes representações.

Será que alunos, ao estudarem a matemática curricular e trabalharem no comércio, por exemplo, são capazes de associar a matemática apresentada em um destes ambientes com a do outro? As pesquisas realizadas por CARRAHER e SCHLIEMANN (1988) com

5 Entendemos por competência a perspectiva adotada pelos PCN (2011) que, utilizando Perrenoud, define competência como sendo a “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiando- se em conhecimentos, mas sem se limitar a eles”.

alunos que vendiam nas ruas do Recife, mostram que os conhecimentos extraescolares dos alunos não são explorados em sala de aula. A questão que se coloca é: o que é preciso para diminuir essa distância, levando o conhecimento escolar aos alunos, mas dando a oportunidade deles associarem o que estão estudando com sua vida fora da escola?

LESH e ZAWOJEWSKI (2007) afirmam que da mesma forma, em ambientes que requerem conhecimentos matemáticos avançados, tais como engenharia, finanças, nutrição e outras profissões envolvendo tecnologias de base matemática, as pessoas tendem a organizar os conhecimentos em torno de situações e problemas contextualizados. A principal diferença entre estas tarefas e as do dia a dia, é que elas requerem dos usuários conhecimentos adquiridos em ambientes profissionais, ou em cursos profissionalizantes. Mas, esses conhecimentos precisam ser constantemente readaptados ou simplesmente descartados para poderem ser eficientes frente às mudanças constantes que fazem parte do mundo contemporâneo.

As pesquisas em cognição situada demonstram que mesmo as pessoas fazendo uso constante da matemática escolar aprendida de forma tradicional, seja em situações comuns do dia-a-dia ou em níveis de matemática mais elevados, como na engenharia, não conseguem associar a matemática dessas situações com a matemática ensinada na escola. A percepção destes pesquisadores indica que a matemática utilizada em situações profissionais ou cotidianas apresentam conceitos e procedimentos diferentes dos enfatizados na escola. Isto conduz a ideia de que a matemática aplicada nas profissões é de alguma forma diferente daquela que é aprendida na escola.

Estes estudos também levantam questões sobre o papel da transferência dos conhecimentos para novas situações. Ao resolverem problemas em situações cotidianas ou profissionais, as pessoas dificilmente se incomodam em desenvolver ferramentas conceituais para que os conhecimentos sejam transferíveis para outras situações. Limitam- se apenas as necessidades de chegar a uma solução para o problema proposto. Por outro lado, se o problema requer que uma ferramenta seja desenvolvida para ser reaplicada em outra situação ou por outra pessoa, será necessário conceber uma ferramenta matemática de maneira que irá além do conhecimento envolvido na tarefa especifica.

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