• Nenhum resultado encontrado

7. O dever de fundamentação na Jurisprudência Portuguesa

7.2. O entendimento quanto ao cumprimento do dever de fundamentação do ato

Feito este percurso, inevitavelmente confirmamos que, do ponto de vista teórico e legal, a raiz do conceito de fundamentação dos atos tributários está sobejamente definida, existindo a convicção de que estão reunidas as condições para erradicar com a anulação dos atos tributários, precisamente, devido à falta de fundamentação subjacente aos mesmos.

No entanto, não se querendo descurar o facto de que se tem vindo a observar a um decréscimo do número de decisões judiais que se pronunciam no sentido da

46 Como bem distinguem Campos, Rodrigues, & Sousa (2012), em anotação ao artigo 77.º da LGT, são exemplo da utilização do argumento que vai ao encontro da desnecessidade de fundamentação expressa dos atos administrativos, para os mesmos se considerarem, ainda assim, fundamentados, os Acórdãos do STA n.º 30244, de 1-4-93; n.º 31570, de 4-5-93; n.º 27387, de 25-5-93 e n.º 31016, de 11-10-94, em sentido contrário, considerando como essencial a fundamentação expressa dos atos administrativos, para os mesmos serem considerados legais, vejam-se os Acórdãos do STA n.º 30266, de 1-4-93; n.º 32219, de 6-10-93; n.º 32916, de 10-2-94; n.º 34770, de 4-4-95; n.º 11427, de 19-1-93; n.º 29100 de 6-6-91 e n.º 36830, de 18-4-96.

47 Aprovada e emitida pelo Governo, através do DL n.º 398/98 de 17 de dezembro, no uso da autorização legislativa da Assembleia da República conferida pelo artigo 1.º da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto.

42 procedência das ações, determinando a anulabilidade dos atos tributários devido à falta de fundamentação dos mesmos, certo é que continua a ser recorrente o destinatário do ato lançar mão dos meios graciosos ou judicias ao seu alcance arguindo a falta de fundamentação do ato tributário que lhe é dirigido.

Portanto, continuam a ser atuais as doutas palavras de Sanches & Gama (2006) ao afirmarem que: “

quantificação da obrigação tributária é indispensável para a aplicação da lei tributária, mas a lei procura discipliná-lo e limitá-lo. Os deveres de fundamentação que a lei impõe à Administração fiscal são o núcleo fundamental desta limitação, pois obrigam a Administração a racionalizar a sua conduta, distinguindo entre comportamentos fundados na lei e arbítrio administrativo.”

Os mesmos autores acrescentam ainda que “(...) o parâmetro de

fundamentação exigido não é o mesmo para todo o tipo de atos tributários nem se coloca com a mesma intensidade em relação a todos os itens de uma correção

O que significa que compete, em última instância, aos Tribunais aferir da justa e correta medida da fundamentação inerente aos atos tributários, como se exemplificará de seguida com exemplos de Acórdãos48 proferidos pelo STA.

Primeiro, vejamos o Acórdão do STA, n.º 0500/17, de 21-02-2018, com

48 Também nos pedidos de pronúncia arbitrais, apresentados junto do CAAD, não raras vezes é suscitada a falta de fundamentação dos atos tributários, levando, necessariamente, este Tribunal arbitral a pronunciar-se sobre o vício invocado, como exemplo veja-se o Acórdão arbitral proferido no Processo n.º 120/2015-T, quanto à questão da falta de fundamentação no que diz respeito à parte da liquidação relativa aos juros compensatórios, tendo sido julgado o seguinte: “No que concerne às liquidações de juros compensatórios constata-se que há também falta de fundamentação, pois aquelas limitam-se a referir os períodos e a taxa que foram considerados para calcular os juros e no Relatório da Inspeção Tributária nada se refere sobre juros compensatórios (...)Perante a falta de indicação na liquidação e no Relatório da Inspeção Tributária da razão por que se entendeu que são devidos juros compensatórios, fica-se sem saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a responsabilidade por juros compensatórios é automática, decorrendo do próprio facto de terem sido efetuadas correções, ou se concluiu que se pode formular um juízo de censura em relação à atuação da Requerente, suscetível de preencher o requisito da imputabilidade, situação em que a fundamentação deveria conter indicação dos factos subjacentes a esse juízo de censura.(...) há falta de fundamentação relativa à verificação de todos os requisitos previstos no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, pelo que a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de falta de ”; também quanto à falta de fundamentação dos atos de liquidação, a decisão arbitral no Processo n.º 136/2017-T: “[F] se subsumem a uma ou a outra situação, isto é, quando é que foram rejeitadas por impossibilidade de enquadramento do bem ou da prestação de serviços ou por se tratar de despesas correntes (por oposição a despesas de manutenção e conservação). E, mais relevante ainda, os motivos pelos quais assim se entendeu.(...) verifica-se que os atos de liquidação de IRC e Juros Compensatórios ora contestados padecem ab initio do vício de falta de fundamentação, consubstanciada na insuficiência do Relatório de Inspeção, considerando o Tribunal que esse vício é insuscetível de ser suprido posteriormente à emissão dos próprios atos de ”

43 origem num recurso deduzido pela Fazenda Pública.

Com relevância para a presente exposição, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferiu Sentença no sentido da procedência do pedido da ali Impugnante, essencialmente, com base nos seguintes argumentos:

“3.2. A sentença recorrida anulou a liquidação impugnada, por não se encontrar a mesma fundamentada, afirmando o seguinte:

“ 3 42 administração tributária fundamentou a liquidação pela seguinte forma:

Constatou-se a existência de várias contas correntes entre os sócios e a sociedade relativas a empréstimos efetuados pelos sócios à sociedade passíveis de tributação em Imposto de Selo em conformidade com a verba 17.1.4.

Para cálculo do imposto de selo em falta aplicou-se a taxa de...à média mensal obtida através da soma dos saldos valor...» (...) A administração tributária não classificou os empréstimos dos sócios à sociedade, nem como suprimentos, nem como operações financeiras. Limitou-se a dizer que eram tributadas nos termos do ponto 17.1.4 da Tabela anexa ao CIS esquecendo-se de ver se beneficiavam ou não de isenção. A administração tributária devia ter fundamentado de forma expressa que aquela isenção não tinha lugar. Assim, a liquidação sofre de vício de falta de fundamentação, o que determina a sua anulabilidade nos termos do art. 135º do CPA. O acto administrativo encontra- ”

Com base na Sentença proferida em primeira instância, o douto Tribunal Superior dissecou o conceito do dever de fundamentação, com apoio na letra da lei, nomeadamente, no n.º 3, do artigo 268.º da CRP, dos n.º 1 e 2, do artigo 153.º do CPA e dos n.º 1 e 2, do artigo 77.º da LGT, com o fito de determinar se o ato de liquidação se encontrava ou não fundamentado, concluindo o seguinte:

“ 3 2 fundamentou a liquidação por haver constatado a existência de várias contas correntes entre os sócios e a sociedade relativas a empréstimos efetuados pelos sócios à sociedade, passíveis de tributação em Imposto de Selo em conformidade com a verba 17.1.4, pelo que aplicou, para cálculo do imposto de selo em falta, a taxa identificada à média mensal obtida através da soma dos saldos referidos.

Acrescentou a AT, no Parecer junto no PA, que não havia lugar à aplicação da isenção prevista na alínea g) e h) do artigo 7º do CIS e que seria devido imposto

44

do selo quando aos créditos concedidos pelos seus sócios à sociedade pela circunstância de, relativamente a alguns desses valores, ter havido devolução dos mesmos antes de decorrido um ano.

(...) Como se escreveu na sentença recorrida a administração tributária não classificou os empréstimos dos sócios à sociedade, nem como suprimentos, nem como operações financeiras tendo-se limitado a dizer que eram tributadas nos termos do ponto 17.1.4 da Tabela anexa ao CIS, esquecendo-se de ver se beneficiavam ou não de isenção.

Concorda-se, por isso, com a sentença recorrida quando refere que a administração tributária devia ter fundamentado de forma expressa que aquela isenção não tinha lugar.

Acompanha-se, ainda, a sentença recorrida quando afirma que o ato administrativo se encontra indevidamente fundamentado e que a liquidação sofre de vício de falta de fundamentação, o que determina a sua anulabilidade.

Neste sentido se pronuncia o MP quando afirma que a fundamentação produzida não dá a conhecer, com o detalhe que era exigível, a razão de ser do ato de liquidação do imposto pois que se limita a afirmar no relatório da ação inspetiva, sem concretizar, que se constatou a existência de várias contas correntes entre sócios e a sociedade relativos a empréstimos efetuados pelo sócios à sociedade passíveis de tributação em imposto de selo em conformidade com a verba 17.1.4, circunstância que levou a impugnante a estruturar a sua argumentação impugnatória com base em meras hipóteses e deduções que formulou a partir do que vem referido no relatório da ação inspetiva, sem deixar de invocar a insuficiência deste ao nível da fundamentação.

Acompanha-se, ainda, o MP quando afirma que a insuficiente fundamentação, equivalente à falta de fundamentação, determina a anulação do ato que dele padece(...) Entende-se, por isso, que o recurso não merece provimento.

Ocorre falta de fundamentação se a AT não classificou os empréstimos dos sócios à sociedade, nem como suprimentos, nem como operações financeiras e se limitou a afirmar que eram tributadas nos termos do ponto 17.1.4 da Tabela anexa S ” (sublinhados nossos).

De seguida, também com interesse, embora limitemos a apreciação do douto Acórdão apenas à questão emergente da fundamentação, neste caso

45

fundamentação a posteriori, consubstanciando mais um exemplo da sua

inadmissibilidade, expomos o Acórdão do STA, n.º 0208/17, de 22-03-2018, com origem, num recurso interposto pela Fazenda Pública.

em saber se as liquidações em causa enfermam dos vícios que lhes são imputados pela Impugnante, nomeadamente, a conformidade legal da desconsideração para efeitos de IRC de gastos incorridos com o financiamento da aquisição de uma sociedade na ocorrência de uma fusão inversa na esfera tributária da incorporante.

(...) Ou seja, na sentença recorrida analisou-se a questão tal como colocada pela AT no relatório da inspeção, isto é, na relação (in)existente entre os custos dos "B…………"

No presente recurso a recorrente AT pede ao tribunal que aprecie um fundamento diferente para a não aceitação dos custos daquele que serviu de fundamento às correções efetuadas e sobre o qual a sentença recorrida se debruçou (na verdade, já na sentença recorrida se faz referência a diferente fundamento que a AT alegou na contestação (...))

Nas conclusões K) a LL) a recorrente AT explana as razões pelas quais discorda do decidido pelo tribunal a quo, adiantando razões e argumentos que não levou atempadamente ao relatório de inspeção e que serviu de fundamento às correções propostas.

(...) Ou seja, o acervo dos fundamentos e argumentos agora esgrimidos em sede de recurso não constam expressamente do relatório da inspeção, indo mais além do que ali ficou dito. Sabendo nós que a fundamentação dos atos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do ato terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados", podemos concluir sem margem para dúvida que, ainda que fosse reconhecida razão à recorrente com base nos fundamentos agora esgrimidos tal não poderia ser determinante para a manutenção do ato anulado pelo tribunal a quo e, logicamente, também não poderia conduzir à revogação da sentença recorrida.

46

Efetivamente, no relatório da inspeção apenas se colocou a questão da indispensabilidade dos custos de forma singela, por não terem relação com a atividade operacional da impugnante (...) nunca se colocou a questão tal como agora vem colocada e, nessa medida, conhecer-se agora de tais fundamentos constituiria uma verdadeira decisão inovatória que se afasta do próprio ato tributário em apreciação. Pelo exposto, não restam dúvidas que a questão trazida agora para apreciação deste Supremo Tribunal não pode determinar a manutenção ou anulação

Por fim, não se podia concluir este périplo jurisprudencial sem chamar à liça uma decisão com origem num ato praticado no âmbito de um processo de execução fiscal, domínio onde proliferam as ações judiciais cujos pedidos jazem, precisamente, na falta de fundamentação dos atos ali praticados.

Sendo disto exemplo o Acórdão do STA n.º 0954/13, de 09-04-2014, vejamos: “No caso presente, emerge clara e expressamente do teor do despacho de

reversão [transcrito na alínea D) do probatório] que o oponente é responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda face à qualidade de «administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, …» por

(i) «Ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa coletiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo»,

(ii) «Ter sida feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o prazo legal de pagamento/entrega terminou depois do exercício do cargo»;

(iii) «Não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo».

Corresponde tal fundamentação, no essencial, ao próprio teor normativo das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 24º da LGT que versam sobre a responsabilidade subsidiária

É, assim, inequívoco que o despacho de reversão se fundamenta simultaneamente nas duas normas contidas no enunciado preceito legal, pese embora cada uma delas tenha um âmbito de aplicação próprio e específico:

47

(...)O que significa que, no caso, e face ao teor do despacho de reversão, não se sabe qual delas determinou a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, ora recorrido, isto é, não se sabe se recaía sobre este o ónus de prova de que não tinha tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para pagamento das dívidas tributárias ou se esse ónus de prova recaía sobre a administração tributária.

E essa imputação também não se extrai do restante contexto fundamentador do despacho de reversão, porque dele não consta, ainda que por mera remissão, o período em que o revertido exerceu a gerência da sociedade devedora originária – se no período da constituição das dívidas, se no período do pagamento ou entrega do tributo, se em ambos os períodos.

Ora, como se sabe, um dos requisitos constitutivos do direito à reversão é o exercício efetivo da gerência, o qual, se estiverem em causa situações susceptíveis de enquadramento na previsão do nº 1 do art. 24º da LGT, impõe a circunstanciada indicação do período do exercício do cargo: se na data da constituição das dívidas, se na data do pagamento ou entrega do respectivo tributo, se em ambos os períodos.

Tais pressupostos têm de ser alegados/incorporados no despacho de reversão, com a obrigatoriedade de indicação das concretas normas legais em que o órgão da execução faz apoiar a responsabilidade subsidiária imputada ao revertido, para lhe permitir conhecer e questionar, atacando se necessário, os concretos pressupostos determinantes da reversão da execução contra si, habilitando-o a reagir eficazmente, pelas vias legais, contra a lesividade do acto caso com a mesma não se conforme.

(...)não merece censura a sentença recorrida quando decidiu pela falta de fundamentação do despacho que determinou a reversão contra o oponente por se reversão reproduz todo o artigo 24º da LGT sem subsumir a situação do revertido ” (sublinhado nosso).

Concretizando o que se pretende com os Acórdãos explanados, as diferentes situações evidenciadas exemplificam as falhas de fundamentação inerentes aos atos tributários, na medida em que, não raras vezes, o destinatário dos mesmos não se encontra apto a percorrer o que a jurisprudência e a doutrina correntemente apelidam de “ ”

48 Ou seja, a compreender, sem necessidade de recorrer a raciocínios hipotéticos ou dedutíveis, a motivação subjacente às decisões que enformam os atos tributários que lhe são dirigidos, de modo a poderem esgrimir a sua defesa através do recurso aos fundamentos que eventualmente possam ser os mais corretos e consentâneos com a lei.

8. Consequências da procedência da ação por falta de fundamentação do ato