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III. O futebol na “tela da TV”

3.1 O escândalo da arbitragem na TV

Mais um escândalo envolvendo o futebol brasileiro veio à tona no Campeonato Brasileiro de 2005. Foi descoberta uma armação de resultados, proveniente de um árbitro (Edílson Pereira de Carvalho), que recebeu dinheiro para influenciar no resultado em partidas apitadas por ele no Campeonato.

o “BBT” (Big Brother Timão) que consistiria em câmeras para vigiar o árbitro durante os 90 minutos do jogo (LANCENET, 2005, “Big Brother do Timão para flagrar árbitros”).

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“Atenção, nação corintiana em todo o Brasil” e “Torcedor sãopaulino de todo o Brasil” são frases exemplares ditas em transmissões de jogos analisados.

Rapidamente os 11 jogos apitados por esse árbitro foram cancelados pelo presidente do STJD e remarcados para uma outra ocasião. Alguns clubes acabaram sendo beneficiados, enquanto outros foram prejudicados com a anulação. Muitas dúvidas surgiram e embalaram as discussões nos programas televisivos. Em quais jogos houve realmente interferência do árbitro? Como ele conseguiu enganar tantos torcedores? Existiam mais árbitros envolvidos no escândalo? Qual a credibilidade desse campeonato, diante de tal escândalo?

A primeira impressão observada nos programas esportivos, logo após a confirmação do escândalo da arbitragem, foi uma incredibilidade diante dos fatos. Numa época de intensa denúncia de corrupção no meio político brasileiro, os jornalistas esportivos pareciam não acreditar que isso também pudesse ocorrer no âmbito do futebol.

“Corrupção chega até no futebol”, “Até o futebol é atingido pela imoralidade” foram frases de jornalistas esportivos expressando o espanto. Como se o futebol estivesse envolvido por uma “áureola” que o deixasse impassível e imune aos acontecimentos ao seu redor. Na política, devido principalmente ao descrédito atual da população com problemas políticos e um descontentamento com seus governantes, bem como à banalização da corrupção nesse meio, aliada com a impunidade aos verdadeiros infratores, a corrupção já se tornou “normalizada”, como se a população já a aceitasse de antemão na política. Mas no futebol, a famosa “alegria do povo”, isso não poderia ocorrer, segundo a crença da maioria dos jornalistas, ignorando na realidade, os também escândalos ocorridos no futebol brasileiro, com duas CPIs instaladas sobre o assunto (REBELO E TORRES, 2001).

Porém, se consideramos o futebol como uma expressão da sociedade atual, e se consideramos que a corrupção infelizmente já faz parte do cotidiano brasileiro, o espanto não seria tão grande. Isso não quer dizer que aceitamos e nos acostumamos com essa prática no futebol, mas somente com essa análise mais ampla é que poderíamos combater tal prejuízo.

Na verdade, o real apelo e o interesse da mídia nesse fato mostraram a mobilização em torno de um tema, relacionada ao principal fenômeno cultural brasileiro – o futebol. Tal mobilização dificilmente é encontrada em outros âmbitos sociais, dado principalmente o descrédito e a banalização a que já nos referimos.

Muito provavelmente para mostrar que no futebol as coisas seriam diferentes da impunidade que vemos na política, o STJD rapidamente, e no nosso

entender precipitadamente, anulou as 11 partidas que o árbitro tinha apitado durante a competição.

Atitude precipitada porque não considerou os aspectos simbólicos de uma decisão como essa. Com uma atitude autoritária do presidente do STJD, as partidas foram canceladas, mesmo sem a comprovação da interferência do árbitro em todas elas. Com a credibilidade do campeonato abalada, com a ausência de investigações sobre a influência do árbitro Edílson Pereira em todos os jogos, ou mesmo, a participação de mais árbitros no escândalo, a atitude precipitada de cancelar as partidas só poderia trazer mais confusão, e demonstra a desconsideração com os torcedores que foram aos estádios.

Com a impossibilidade de paralisação do campeonato, em virtude das diversas repercussões econômicas que isso traria41, a anulação dessas 11 partidas não deu a moralidade de volta para o campeonato. Torcedores de todo o país demonstraram o descontentamento com o fato. Pela ainda impossibilidade de sses torcedores manifestarem sua indignação de outra forma, que não a do uso da violência, diversas confusões ocorreram até o término do campeonato.

Considerando o futebol, como já dissemos, como fonte quase que exclusiva de sentido para muitas pessoas, a anulação dessas partidas, nas quais os torcedores compareceram, torceram, vibraram, só poderia gerar insatisfação e indignação de todos eles.

A ausência de fatos que comprovassem a interferência do árbitro em diversas partidas, alarmada pelas “discussões” televisivas, contribuiu para a exacerbação do fato.

As “discussões” televisivas posteriormente à anulação dos jogos se pautavam na correção das partidas anuladas. Os programas televisivos mostravam os lances dessas partidas novamente. Muitas dúvidas surgiam. Diversas partidas não demonstraram erros explícitos do árbitro, ou de qualquer manipulação de resultado. Essas partidas deveriam ser mesmo anuladas? Será que o árbitro conseguiu enganar até as “infalíveis” imagens televisivas, que nada conseguiram mostrar?

Outro ponto importante a ser realçado, na análise do espetáculo televisivo, é a constante polarização do discurso da televisão. Com as confusões

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Uma fala de um apresentador de programa esportivo, nas inúmeras discussões sobre o caso, explicita bem o caso: “Se o campeonato acabar, o que nós jornalistas esportivos iremos fazer? E todo o investimento das redes de televisão?”.

presentes nos estádios, e nos seus arredores, após a anulação e remarcação das partidas, o discurso televisivo, além de sempre tentar menosprezar a sua influência, é de tentar minimizar a importância do futebol.

A atitude é polarizada e contraditória, pois, para garantir a audiência aos seus programas esportivos, a ênfase da TV é sempre se espetacularizar e exacerbar a paixão clubística, com seus excedentes e suas rivalidades. Para garantir a identidade com a transmissão televisiva, e logicamente com seus produtos, a televisão supervaloriza o aspecto simbólico do futebol. E torna-se contraditória quando reprime os torcedores que assumem esse aspecto simbólico em suas vidas agindo, muitas vezes, de forma violenta. “É só um esporte, minha gente”. “É só futebol”, são falas então proferidas. Desconsiderando o que o “só” futebol representa para essas pessoas.

O discurso televisivo, tão menosprezado pelos próprios produtores desse discurso, contribui para as modificações mais recentes do futebol, com seu processo de virtualização e de transformação em telespetáculo. Um exemplo deste processo foi a realização de diversas partidas com portões fechados para os torcedores, sendo transmitido somente pela televisão. É exatamente a isso que o próximo tópico se dedica.