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O Escritor de Longo Curso e os Intelectuais Pastores da Noite

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O Deputado Jorge Amado no 2º Congresso Brasileiro de Escritores

Nem bem iniciados os trabalhos da Constituinte, o processo político brasileiro entra em rota descendente e passa a ser vivido sob o signo do retrocesso. As conseqüências de se manter em vigência a Constituição de 1937 rapidamente serão sentidas tendo grande influência nos debates dos constituintes. A partir de março já se faz sentir a campanha pela cassação do Partido Comunista (PCB) e mesmo a União Democrática Nacional (UDN) que se dizia “eqüidistante entre o comunismo e a reação” defendendo a liberdade partidária, ligaria a existência de supostos abusos no movimento operário à infiltração comunista. A partir do início de abril há uma tendência a que se acirrem as posições porque passa a prevalecer na UDN à orientação que aceita uma aproximação com o governo.

Em 15 de agosto de 1946 é suspenso por quinze dias o jornal comunista Tribuna Popular com base em lei do Estado Novo. Todos os partidos, com exceção do Partido Social Democrático (PSD) protestam, mas a suspensão é mantida. No final de agosto ocorrem passeatas e depredações que não tinham uma conexão com o episódio. Entretanto, a policia responsabilizou o PCB e tomou medidas repressivas: cercamentos e invasões de residências, prisões, entre outros barbarismos de cepa autoritária. Há um protesto generalizado dos parlamentares, travam-se debates na Assembléia Constituinte sobre as causas do incidente e, ao final, prevalece a interpretação de que era preciso apoiar o governo na manutenção da ordem. O fortalecimento do Executivo possibilita o aumento da perseguição policial, de modo que, ainda em setembro, antes de entrar em vigor a nova Constituição, é fechada com o apoio de todos os partidos (menos o PCB, evidentemente) a União da Juventude Comunista138.

Tamanha radicalidade no tratamento dado ao Partido Comunista não encontrava correspondência em sua prática política, que se mantinha dentro da linha de unidade nacional com ordem e tranqüilidade.

Nesse período poderíamos dizer que havia relativa semelhança entre as posições do PC e os ideais democráticos e mesmo liberais. Ao propor a defesa da ordem democrática, buscando soluções pacificas para os problemas, apostava-se no reforço das instituições democráticas, colocando como pontos fundamentais à luta pelos direitos individuais e a exigência de afastar definitivamente o fascismo. Tais ideais eram compartilhados pela Esquerda Democrática, por certos liberais católicos, pela corrente da UDN liderada por Virgilio de Mello Franco e pelo

Partido Comunista. Todos aceitavam que a democracia era um regime que deveria colocar à prova suas próprias instituições. Entretanto, o pensamento dominante achava que a democracia deveria impedir a qualquer custo a ação de partidos ou movimentos que ameaçassem suas instituições. Portanto, o pensamento majoritário, alojado inclusive dentro da UDN, vai trabalhar para a marginalização do PC do sistema político visando o controle e a repressão dos movimentos (principalmente o operário-sindical) supostamente manipulados por ele.

Desse tipo de investida a Associação Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro (ABDE-RJ) não ficará imune. Ao longo do primeiro semestre de 1947, com a conjuntura se radicalizando, no Rio de Janeiro desencadeia-se ampla campanha de imprensa no sentido de vincular a Associação Brasileira de Escritores (ABDE) com o comunismo, chamando-na de “criptocomunista” ou no mínimo de “vítima da infiltração comunista”139. Oswald de Andrade,

visitando o Rio de Janeiro em agosto, refere-se à situação de modo bastante irônico:

Encontro aqui o sempre jovem morubixaba Osório Borba desmascarando as manobras que, no pacífico bocejo do momento nacional, tendem a pôr no index a Associação Brasileira de Escritores. A acusação que se vai buscar no dicionário resumido mas fecundo dos tabus policialescos, é de que a ABDE é comunista. A situação com que o partido de Prestes empolgava o Brasil, em 45, tornou-se uma espécie de má companhia ecumênica fichada como total perdição - para adultos de todas as idades. De várias dúzias de pessoas graúdas tenho ouvido que lutar pela democracia é ser comunista.

E ser comunista, já se sabe, é ser petroleiro, ladrão e pau-d'água.140

O pretexto mais significativo encontrado para o desenrolar da peça inquisitorial sobre a ABDE, foi o fato de alguns vereadores comunistas terem apresentado, no início de 1947, à Câmara Municipal do Rio de Janeiro um projeto de lei solicitando a Prefeitura a doação de um terreno, no qual seria construída a sede social da entidade.

Em agosto também, Astrojildo Pereira ironizava a situação dizendo que, com tal raciocínio, o metrô e o estádio municipal de futebol, seriam ambos, bem como as atividades que neles se desenvolveriam, “comunistas”, já que propostos por vereadores desse partido.

Para rebater esse tipo de argumentação, Astrojildo posiciona-se publicamente. E, como membro da diretoria da ABDE, chama a atenção para as dificuldades do momento e procura

139 Cf. PEREIRA, Astrojildo. (1963), Crítica impura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 300-310. 140 Cf. ANDRADE, Oswald. (1974), Telefonema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 142-143.

definir como concebia a associação dos escritores e em torno de que eixo estes deveriam se agregar. Para ele, a ABDE havia sido fundada e era mantida por escritores para defesa de seus interesses. Só por isso já se caracterizava como uma associação essencialmente democrática, pois o mais elementar interesse do escritor consistiria em viver e trabalhar em regime democrático, no gozo pleno e intransferível da liberdade de criação literária, artística ou cientifica. Nesses termos, para ser sócio da ABDE bastava ser escritor, escrever livros de qualquer natureza, colaborar em jornais e revistas, receber direitos autorais em pagamento daquilo que escreve e publica. Os seus estatutos não indagavam da posição filosófica, religiosa ou política dos associados, e, por isso, havia nessa instituição, associados comunistas e anticomunistas. Suas normas estatutárias não estabeleciam nenhuma discriminação sendo todos os associados iguais em direitos e deveres, independente de quais fossem suas convicções, crenças ou ideologias. Donde enfatizava que “uma associação dessa natureza não pode impedir a filiação de escritores comunistas, nem tampouco os escritores comunistas, que são membros dela, podem sofrer limita nos seus direitos e deveres sociais porque sejam comunistas” 141.

Na ABDE existiriam aderentes de vários tipos de crença, das políticas até às espiritualistas, portanto, não havia nenhum sentido em aceitar nem muito menos se assustar com esse tipo de propaganda.

Para Astrojildo era necessário estar atento para essa argumentação porque no fundo ela visava o enfraquecimento e a destruição de “toda e qualquer espécie de organização de cunho democrático”. Por isso o ataque à ABDE, exatamente por ser ela “uma associação democrática, se bem que estritamente não partidária”. O motivo da investida, em seu modo de ver, era o anúncio da realização de um segundo congresso, que certamente haveria de “querer continuar e completar a obra do primeiro. Razões de sobra para que a reação tente desde já reduzir o prestígio e o alcance da próxima grande assembléia de escritores brasileiros promovida pela ABDE. Agita-se, estão, mais uma vez o espantalho comunista”.

Frente a tais circunstâncias, Astrojildo radicaliza o tom grave, que já vinha adotando há algum tempo, e faz um chamamento exatamente quando se comemora um ano da Constituição de 1946: “os escritores, os intelectuais em geral, sócios ou não da ABDE, necessitam mais do que nunca de manter-se vigilantes e ativos, ao lado do povo na defesa da nossa ainda débil

democracia” 142.

Mas, a preocupação explícita com a “grande política” de Astrojildo, aparentemente, não encontrava correspondência no universo intelectual carioca, muito recortado por querelas provincianas (Carlos Drummond de Andrade revela esse clima de confraria diletante que mantinha os intelectuais, de um modo ou de outro, em contato permanente).

Cultivando vida de vizinhança, freqüentando os mesmos bares, realizando jantares de homenagem, os homens e mulheres que compunham o universo intelectual carioca desse período eram também atormentados por dilemas éticos que, bem ou mal, os colocavam frente às questões propriamente políticas, mas isso se dava com muitas mediações.

A questão era bastante problemática, pois diante das mazelas que o socialismo real começava a revelar, diminuía em muito, o fascínio que exercera entre os intelectuais, levando- os a se pensar como militantes (os processos de Moscou e a leitura de livros como Le Zéro et l'Infini de Artur Koestler eram sintoma e combustível para essa situação). A problematização do socialismo entre os intelectuais de certo modo colocava em questão toda atividade política, no limite identificada como perda da individualidade em prol de uma causa coletiva, pública e social. E se traduzia, como “uma das tragédias modernas, a tragédia do homem que se imola à política, sacrificado por aquilo mesmo que enchera toda a sua vida, e que se volta inexoravelmente contra ele”.

Mesmo assim, às vésperas do Congresso, até o escritor mais renitentemente apolítico se vê, como em 1945, transformado em ativista. Drummond, referindo-se à última semana de setembro, descreve o clima de embate:

Toda uma semana aplicada ao inútil esforço para conseguirmos uma boa delegação ao 2º Congresso de Escritores em BH. Volto a transformar-me em político, na área da literatura, contra o meu gosto, improvisando- me em executor quase solitário de breve e intensa campanha eleitoral. Sou ajudado quase exclusivamente por Francisco de Assis Barbosa. A princípio, eu não pretendia meter-me de modo algum nessa história, mas acabei arrastado por uma tendência obscura para a agitação que ao mesmo tempo me atrai e me desencanta. Em casa, a família acha-me outro. Telefonando de manhã à noite, entregue ao preparo das cédulas, ao ajuste de nomes, pedindo, negociando, mexendo - e tudo por um assunto que, afinal, não me interessa muito.143

142 Idem, ibidem, p. 309.

Drummond explicita a razão que o levara a assumir com tanto empenho o papel de doublé de político:

Tive o prazer de causar uma pequenina apreensão aos comunas com a minha resolução de lutar pelo caráter não político da Associação Brasileira de Escritores, isto é, para convertê-la em órgão profissional, que congregue os intelectuais em torno de interesses até hoje não defendidos e até negados. Minha impressão é que, com um pouco mais de calma e método, eu os teria derrotado.144

Nas páginas de seu diário, Drummond dá informações a respeito da composição política da delegação do Rio de Janeiro para o Congresso. Segundo ele, o resultado se constituirá em vitória relativa do PC, que em 40 nomes contava com 18 ou 19. Entretanto, Drummond achava que “eles ambicionavam representação ainda maior” só aceitando o resultado diante da resistência encontrada. Na guerra dos votos por procura os “esquerdistas” da diretoria tentaram impedir que fossem apurados. O que só foi resolvido em votação da Diretoria por 5 votos contra 4, quando tiveram de retroceder sob a ameaça de renúncia coletiva dos delegados eleitos pelo grupo de Drummond, que assegurava não ter nenhum preconceito anticomunista. Em suas palavras, apenas queriam “ver a ABDE liberta do controle partidário”. Sua avaliação era otimista: “levaremos a Belo Horizonte um bom número de escritores independentes, de forma democrática, e dispostos a impedir o desenvolvimento sectário dos debates” 145.

O tom em São Paulo era diferente porque os comunistas eram francamente minoritários entre os escritores, mas não deixava de refletir a situação carioca. Mesmo que em São Paulo a questão da ABDE fosse sempre tratada com um relativo grau de autonomia, é evidente na escolha dos delegados que representariam o Estado no encontro de Belo Horizonte houvesse uma certa discriminação dos escritores diretamente ligados ao PCB ou identificados com posição mais esquerdistas.

Oswald de Andrade em artigo de 8 de agosto de 1947, dá interessantes informações sobre o processo de escolha de delegados que deixara na suplência além dele próprio (terceiro suplente), a Caio Prado Jr. (quinto suplente). Recusando a pecha de que a ABDE seria comunista, Oswald relata que enviara carta pública a Sérgio Buarque de Holanda, presidente local, rompendo com a entidade

144 Idem.

por não concordar com os métodos fascistas que manipulam as suas eleições. Acontece que, se o Brasil inteiro tem uma dúzia de escritores, só São Paulo conseguiu fichar quatrocentos.

E que o conceito de ‘escritor’, para fins gremiais, passou de qualitativo a quantitativo. O que interessa é a quantidade de numerário que entra nos cofres sociais, a dez cruzeiros por cabeça. Se essa extensão favorece a vida financeira da sociedade, incluindo no rol de escritores a todos os que escrevem artigos com remuneração, traz o perigo de, como acontece em São Paulo, fazer ingressar em seus quadros qualquer espécie de aventureiro, mesmo analfabeto, que tenha conseguido assinar um artigo, seu ou não, publicado no mais afastado interior. Além disso, essas centúrias de escritores de carteirinha depositam, nas mãos de um funcionário da sociedade, procurações irrestritas, entregando-lhe o destino de suas diretorias e delegações.146

Oswald estava se referindo a Mário Neme (o “funcionário referido”), que o teria vetado, e a Caio Prado Jr., como delegados efetivos ao Congresso de Belo Horizonte, chamando-o de “dono da ABDE de São Paulo” e dizendo, que quando secretário do jornalista Abner Mour, “teve diversos negocinhos com o DIP durante a ditadura, o que não o impediu de excluir da sociedade, por escrúpulos democráticos, o grande poeta Cassiano Ricardo e um dos mais dinâmicos participantes da Semana de 22, Menotti del Picchia”. Atacava também Sérgio Milliet e Sérgio Buarque de Holanda respectivamente ex-presidente e presidente da ABDE-SP, por sua “maneirosa covardia” aceitando a “desvirtuadora inflação de poder nas mãos do procurador Neme”, sob o argumento de que ele traria “dinheiro para a Sociedade” e porque no Brasil as eleições seriam “assim mesmo”. Sobre a delegação que iria para Belo Horizonte, Oswald diria que “entre os vinte e cinco delegados natos ou eleitos, além de alguns nomes de projeção, seguem para representar os escritores de São Paulo vários funcionários, comerciantes e industriais das relações do sr. Mário Neme. Todos de carteirinha”.147

Portanto definida a realização do encontro, desencadeia-se um processo de escolha de delegados para representarem os Estados no decorrer do qual, ficará óbvio que os intelectuais tinham outras divergências além daquelas anunciadas. Tanto em São Paulo quanto no Rio de

146Cf. ANDRADE, Oswald. (1974), Telefonema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 143-144. A Delegação Paulista foi a seguinte: Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Mendes de Almeida, Mário Neme, Lurdes Santos Machado, Arnaldo Pedroso d’Horta, Almiro Rolmes Barbosa (membros natos); Antonio Candido de Melo Souza, Lourival Gomes Machado, João Cruz Costa, Júlio de Mesquita Filho, João de Souza Ferraz, Luiz Martins, Décio de Almeida Prado, José Geraldo Vieira, Carlos Burlamaqui Kopke, Roger Bastide, Domingos Carvalho da Silva, Fernando Azevedo, Havanir de Alcântara Silveira, Jamil Almansur Haddad, Ernani Silva Bruno, Pedro Santiago Chacair, João Amoroso Neto, Albertino Moreira e Alessio Ciccarini.

Janeiro, vão se tornando cada vez mais evidentes as escaramuças contrapondo comunistas e aliados versus udenistas e aliados (esquerda democrática, inclusive).

No Rio de Janeiro a polarização dentro da ABDE era mais explícita. Em São Paulo, o núcleo hegemônico articulado em torno da chamada esquerda democrática, também mantinha com os comunistas uma relação conflitiva: mesmo se pondo à esquerda do PCB estadual, no plano nacional a “esquerda democrática” aliava-se com os escritores assumidamente udenistas. E interessante considerar que em São Paulo a principal liderança que se contrapunha a este grupo era exatamente Caio Prado Jr. eterno oposicionista da direção do PCB.

Seja como for, os indícios da guerra fria já se faziam sentir com o Presidente Dutra comandando a radicalização da repressão sobre o PCB. E o caráter unitário que aproximara o liberalismo e a esquerda em torno da perspectiva de se construir uma cultura democrática a essa altura se via bastante abalado. Em maio de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral cassa o registro do PCB; em outubro o governo brasileiro rompe relações com a URSS; e por fim, em janeiro de 1948, são cassados os mandatos dos parlamentares comunistas.

A progressiva truculência do sistema político inclusivo não teria obrigatoriamente de levar à ruptura os dois campos intelectuais oposicionistas ao Estado Novo. O fato é que se estabeleceu a divisão entre os intelectuais, em larga medida derivada do clima característico da “guerra fria”, mas resultante também, da incapacidade desses setores formularem melhor a relação entre cultura e política.

Não foram poucos os que apostaram na ruptura entre os dois campos, sem perceber que suas conseqüências seriam muito mais profundas do que o imaginado. Do lado da esquerda prevaleceu a lógica conspirativa e o dogmatismo descambando em sua versão majoritariamente para um acentuado “esquerdismo”.

Do lado liberal prevaleceu à versão mais radicalizada da UDN; o estimulo para a ruptura foi dado por gente do porte de Carlos Lacerda, cujo estilo veemente se não revela tudo, dá a medida do tom elevado dos embates. Em realidade, a polarização das relações internacionais gerara nos dois campos os seus próprios radicais, que atuavam como se entre eles houvesse uma guerra. No 2º Congresso Brasileiro de Escritores essa mudança começaria a se tornar explícita.

Óbvio que entre os escritores a divergência ideológica num primeiro momento não se colocou em termos tão diretos. Afinal, no universo da cultura tudo tem múltiplos sentidos e é sempre cheio mediações. Mas, de qualquer modo, nesse primeiro semestre de 1947, politicamente tão relevante para a continuidade da democracia, a ABDE do Rio de Janeiro se

viu colocada na mira dos conservadores que passariam a atacá-la como comunista ou controlada por comunistas. E isso apesar da composição da Diretoria, com Guilherme Figueiredo na Presidência da entidade e Aníbal Machado no Conselho Fiscal, desautorizar qualquer juízo semelhante.

Neste contexto que se iniciam os preparativos para a realização do 2º Congresso Brasileiro de Escritores, em Belo Horizonte. Durante todo o mês de setembro a imprensa do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Belo Horizonte, de Salvador, vinha noticiando a realização do encontro. Além disso, desde o início do ano, intelectuais conhecidos insistiam na necessidade de um congresso nacional de escritores. E mesma que não houvesse consenso quanto às razões que o tornavam tão relevante, concordavam quanto à urgência de sua realização. Para alguns, o eixo principal deveria ser a discussão das ameaças à ordem democrática que estariam assolando o cenário político nacional. Para outros, a urgência, se impunha face à necessidade de se dar uma solução definitiva e satisfatória para a questão dos direitos autorais.

Na medida em que a data do encontro se aproxima, mesmo com o desinteresse de parte da grande imprensa, aumenta o destaque à questão dos direitos autorais, que para muitos dos que se posicionavam nos jornais deveria ser o eixo principal das discussões.

A ênfase é compreensível, já que estava em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei a esse respeito148. Não é de se estranhar, portanto, que o ângulo considerado prioritário para travar a discussão entre os intelectuais envolvesse exatamente a relação entre a ABDE (gestão Guilherme de Figueiredo) e os editores em torna da regulamentação pela Câmara dos Deputados da lei sobre os direitos autorais149.

A outra ênfase com que se procurou encaminhar o debate preparatório do Congresso dava prioridade absoluta à preocupação com a democracia e com a defesa das liberdades democráticas. Os que estavam apostando nisto - a maioria comunista ou ligada aos comunistas - pretendiam estar em linha direta e ininterrupta com a Declaração de Princípios do 1º Congresso realizado em 1945 e que havia insistido na necessidade de se manter o caráter público e mesmo, politizado.

Não apenas da Associação dos Escritores como também do trabalho intelectual. Astrojildo Pereira vinha batendo nessa tecla em sua atuação como publicista e também como

148 Cf. JURANDIR, D. (1947), “O silencio da imprensa sobre o Congresso de Escritores”, In: Literatura, N.° 6, Rio de Janeiro, outubro-dezembro, pp. 38-39.

membro da diretoria da ABDE-RJ. Suas intervenções na imprensa partidária, o trabalho em Literatura e a atuação como membro da diretoria da ABDE, atestam isso.

Desde o inicio de 1946 que Astrojildo insistia - contra aqueles que viam na relação do intelectual com a política uma perda da especificidade de seu trabalho - que não seria com a

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