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O ESTÍMULO À CRIATIVIDADE: UMA DEMOCRACIA MUSICAL

CAPÍTULO 3: MÚSICA POPULAR E A AULA DE PIANO: UMA REALIDADE EM DEBATE

3.4 O ESTÍMULO À CRIATIVIDADE: UMA DEMOCRACIA MUSICAL

A criatividade pode ser manifesta através de diferentes abordagens com o material musical: ela aparece na forma de composição, de improvisação, bem como através de arranjos e também do “embelezamento”, ou seja, a tendência em variar componentes musicais pré-fixados (GREEN, 2001a, p. 42). Atividades que incluam tais abordagens são comuns na prática da música popular (GREEN, 2001a, p. 41). Todas estas características acima mencionadas, relativas ao tratamento do material musical, foram pontos levantados pelos professores, que procuram abordá-los em suas aulas.

3.4.1 A improvisação

O aspecto mais comum mencionado pelos professores a respeito do exercício da criatividade aparece sob a forma da improvisação, principalmente a improvisação melódica sobre uma determinada escala. As improvisações geralmente são inseridas dentro de músicas nas quais eles estejam trabalhando com seus alunos em sala de aula.

O trabalho com a improvisação pode ser feito através do estabelecimento de uma seqüência harmônica, que pode variar de muito simples (como a utilização de dois acordes apenas), até seqüências mais complexas, de acordo com o objetivo do exercício. As seqüências harmônicas estabelecidas podem ser realizadas tanto pelo aluno como também pelo professor, que usaria o piano ou outro instrumento, como é o caso de André. Este professor costuma realizar seqüências harmônicas no violão

para que seu aluno possa não só vivenciar a prática em conjunto, mas também “[...] exercitar um pouco de improviso [...]” (André).

O incentivo à experimentação de novas melodias, assim como o incentivo para a aquisição do hábito da escuta musical, aparecem como caminhos para capacitar o aluno a desenvolver seus improvisos, permitindo que este possa “cristalizar” idéias para serem aproveitadas durante a performance, como cita Déborah.

De acordo com Swanwick (1994, p. 11), o trabalho com a improvisação não estaria condicionado à aquisição de conhecimentos teóricos prévios, e qualquer pessoa já poderia improvisar desde o primeiro dia de aula com o instrumento. Como princípio básico, seria necessário ter algo fixo e algo livre. Em aula observada do professor André, tanto a pulsação quanto uma determinada seqüência harmônica foram os elementos colocados como fixos, em um treino de improvisação durante a aula. Primeiramente André demonstrou a seu aluno como tocar usando o metrônomo, utilizando uma nota para cada pulso, sugerindo as notas da escala e arpejos, evitando, por enquanto, notas estranhas à escala que estavam trabalhando. Em seguida, seu aluno iniciou o treinamento, primeiramente com uma nota por pulso e, depois de certo domínio, André sugeriu que ele trabalhasse com duas notas por pulso, numa região delimitada do Piano (uma oitava), para só depois ampliar a extensão do improviso, sugerindo sempre que seu aluno experimentasse, sem receio de errar.

Vinícius acredita que o desenvolvimento da criatividade é algo que leva tempo e demanda esforço, por isso seria importante, para ele, que toda a aula abordasse esse aspecto, mesmo que pouco. Este professor também lança mão de demonstrações para sugerir idéias aos alunos de como desenvolver a criatividade e o improviso.

Edgar também mencionou trabalhar muito a improvisação com seus alunos, relatando que incentiva muito esta atividade, pois, segundo ele, o improviso “... faz parte, até, do universo da música popular”. No entanto, o tipo de pensamento em relação ao trabalho com a improvisação se mostrou distinto do pensamento dos demais professores, pois Edgar acredita que seria necessário o cumprimento de

várias “etapas” para chegar ao improviso, como:

[...] aprender relação de escala-acorde, função harmônica, procurar despertar a atenção do aluno pra questão da rítmica da música, por exemplo: ele não vai tocar samba em jazz, jazz em samba. Eu falo assim, a questão do sotaque, tirar o sotaque. (Edgar).

Notamos que, para este professor, a criação estaria condicionada a um conhecimento teórico que guiaria o improviso, retirando da pura experimentação com o instrumento a função de conduzir a descoberta sensório-auditiva para melodias a serem utilizadas na improvisação. Edgar demonstra querer que seus alunos adquiram uma base sólida, preocupando-se com a construção de um conhecimento musical que certamente ajudará em decisões musicais a serem tomadas durante a execução instrumental. Podemos perceber isto principalmente na sua fala:

Deixo, deixo fluir. Mas é lógico, dependendo do nível em que o aluno se encontra. Eu falo assim: ‘ó, a gente pode até tentar trabalhar isso, mas eu acho que você precisa de mais base’. [...] Então não é chegar, sentar e sair fazendo escala, arpejo, não. Não é muito essa história. (Edgar).

Contudo, de acordo com Santiago (2006b, p. 9), a prática da improvisação seria muito indicada já durante a iniciação pianística, pois favorece a integração do bom uso corporal – desde que devidamente orientado – aliada ao bom desenvolvimento de habilidades musicais, como, por exemplo, o desenvolvimento auditivo. Dar prioridade ao pensamento analítico antes da intuição e da percepção auditiva na pedagogia instrumental pode levar, segundo Swanwick (1994), à confusão e à apatia (SWANWICK, 1994, p. 13). Contudo, no caso de alunos que já passaram pela experimentação, propiciando assim a descoberta auditiva por sonoridades geradas a partir de movimentos e gestos ao instrumento, o caminho a seguir poderia incluir a sistematização do conhecimento que foi adquirido empiricamente pela da vivência, na qual o ensino formal entraria com sua contribuição, ajudando os alunos a escrever, nomear, conceituar e refletir sobre o que foi feito (GREEN, 2001a, p. 207).

3.4.2 Harmonia

criações e recriações de novas harmonias para as músicas. Um dos professores, Lucas, acredita que o estímulo à criatividade do aluno poderia partir de uma escuta prévia de várias opções de harmonizações, concedendo-lhe, assim, possibilidades de escolha:

[...] tem pessoas que gostam mais de dissonâncias, tem outras que não. Essa democracia musical acho que é muito boa. (Lucas).

Uma das necessidades para se alcançar a invenção, segundo Swanwick (1994, p. 11), seria a imitação, pois, segundo este autor, o tocar de ouvido, imitando o que se ouve é um esforço criativo.

Outro caminho relatado por Edgar estaria no trabalho voltado ao desenvolvimento da percepção auditiva para as funções harmônicas, para que o aluno possa re- harmonizar músicas, utilizando acordes substitutos para cada função harmônica específica.

3.4.3 Criando coisas diferentes: variações sobre aspectos musicais

Um aspecto que os professores buscam abordar para propiciar a criação musical pode ser verificado no incentivo ao embelezamento de melodias e acompanhamentos. Vinícius relata fazer uso de sugestões aos alunos durante o estudo das músicas:

E eu sempre tento, na medida do possível, mesmo que seja dentro da música, ver e despertar a pessoa: ‘olha, você vai fazer, vai criar alguma coisa diferente nesse momento aqui’; ‘olha, a mão direita parou, movimenta a esquerda, cria um movimento pra mão esquerda. Como é que ela pode se movimentar? ’ Demonstro, e vejo a pessoa tentar atuar. (Vinícius).

Nesta fala podemos perceber, assim como na abordagem de Lucas mencionada logo acima, que o uso de demonstrações de algumas possibilidades de criações aparece como um direcionamento à escolha do aluno. A opção dos professores em sugerir possibilidades, em vez de especificar quais decisões tomar, facilita ao aluno a capacidade para a construção de um pensamento crítico e musical, assim como se faz quando se busca a resolução de um problema (SWANWICK, 1994, p. 11).

Da mesma forma, Roberto incentiva seus alunos a criarem coisas diferentes durante o estudo das músicas, de maneira que eles se sintam livres para tal. Em relação aos alunos com mais dificuldades, atribuídas ao comportamento pessoal – timidez, por exemplo – Roberto lança mão de estímulos verbais, argumentando que

[...] aquele [aluno] que tá muito tímido ainda, acha que não sabe fazer nada, um pouquinho que ele fizer já é um progresso e tanto. Então a gente incentiva. (Roberto).

Green (2001a, p. 205) discute o aspecto do incentivo verbal aos alunos, tais como elogiar e encorajar, por exemplo, como sendo algo a que os jovens respondem bem, e que os professores não deveriam temer este tipo de atitude.