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O Estado no contexto da questão do aborto

1. Aborto – direito reprodutivo, o papel do Estado e da Sociedade Civil

1.2. Papel do Estado – gestor das políticas públicas orientado pela legislação

1.2.2. O Estado no contexto da questão do aborto

Entendido como principal gestor e executor de políticas públicas, em relação à problemática da clandestinidade do aborto e das conseqüências para as mulheres, o Estado tem sido bastante omisso, mesmo havendo exceções para a prática do aborto (nos casos previstos pelo Código Penal) ele ainda criminaliza a prática e a opção por abortar, penaliza...

“(...) e não oferece um serviço de saúde que atenda às necessidades básicas da mulher e não existe um serviço de orientação à contracepção. Os poucos que sobrevivem falam de ‘planejamento familiar’ esquecendo que a contracepção significa também poder vivenciar a sexualidade sem medos, ameaças e riscos. E, embora a sociedade e a mídia estimulem a sexualidade cada vez mais precocemente, não discute de forma educativa e sem preconceito, o significado dessa vivência.” (OLIVEIRA, 1995, p. 10).

Em países onde o aborto é legalizado, podendo ser realizado de forma segura e de fácil acesso, em que a mulher tem a livre escolha pela continuidade ou não da gravidez, baixaram consideravelmente os índices de mortalidade materna, fator que leva a constatar que tornar legal – lei – a possibilidade do aborto é significativamente importante para o Estado na implementação de políticas públicas de saúde eficientes e eficazes.

É, também, no espaço do Estado que se definem as leis, de todas as ordens, inclusive sobre o aborto legal e o ilegal. No Brasil, o Código Penal, é “cópia” do Italiano, é de 1940 e ainda está em vigência. Em seu artigo 124, dita as penalidades passíveis para aqueles que fazem o aborto (os médicos ou aborteiros/as). O artigo 128, coloca sobre as condições em que o médico não será punido ao fazer um aborto, quais sejam: se a gravidez gerar um risco de vida para a gestante ou se a gravidez for decorrente de estupro (KYRIAKOS e FIORINI, 2002, p. 134/135). Entretanto, muitos profissionais que fazem os abortos judicialmente autorizados sofrem discriminações por seus colegas, conforme argumenta uma das entrevistadas da pesquisa:

- “...tem que contar com os médicos, pois nem todos fazem aborto. Entram as aquelas situações de ética,

moralidade, religião e até discriminação na classe médica: o médico que faz abortos, mesmo os permitidos pelos juizes, correm o risco de serem discriminados e rotulados como aquele médico que faz abortos”.

Executar os procedimentos médicos para a realização do aborto é uma opção dos profissionais dessa área, ou seja: lhes é permitido o direito de não fazê-lo. No entanto, quando uma mulher obtém uma ordem judicial para ter atendida a necessidade do aborto, esse direito não pode lhe ser negado sob nenhuma circunstância; assim, existe o direito do profissional médico não fazer o aborto, mas os serviços públicos de saúde/hospitais, devem acima de tudo garantir às mulheres a realização dos mesmos através da busca de médicos/as que estejam dispostos a fazer abortos legais.

Realizar o abordo buscando modos próprios – caseiros, em clínicas clandestinas – já que é ilegal, é uma das maneiras de concretizar essa necessidade para a mulher que optou por ele. Satisfazer uma necessidade individual diante da discussão do aborto significa remetê-lo para o campo

dos direitos reprodutivos da mulher; segundo Kyriakos e Fiorini (2002, p. 143), a personalidade tem integrada a si o corpo humano e, sobre o seu próprio corpo cada um tem autonomia enquanto pessoa, titular do direito à individualidade, à intimidade e à liberdade de decisão.

Para a autora acima, o aborto é um direito individual das mulheres, que decidem quando devem ou não exercê-lo. Sendo o aborto um direito individual ele não poderia ser proibido. Um direito é um direito, podendo existir sempre métodos e formas de cativar e mobilizar as pessoas para tomarem atitudes diferentes – neste caso ter mais filhos – mas nunca colocar em causa a possibilidade de exercício de um direito. No entanto o problema torna-se mais grave quando, o fato de o aborto ser proibido e, simultaneamente, uma prática corrente, desencadeia sérios problemas de saúde pública e especialmente a mortalidade das mulheres.

Neste sentido, o comprometimento do Estado é essencial – tanto com as leis que estão vigentes, por exemplo nos casos de aborto legal, como com a garantia de que lhe prestem atendimento público de saúde para aquelas que têm complicações após um aborto (mesmo clandestino). Na verdade, a liberalização e a garantia do atendimento público ao aborto seria o ideal, uma vez que, sempre houve abortos em todas as sociedades. O que há de mais importante são as condições em que ele é praticado e a forma como é encarado, conforme preceitua Silva:

“Sabe-se que o aborto sempre foi um recurso utilizado por todas as culturas, e continuará sendo. Seria ingenuidade supor que tal prática possa ser erradicada. Contudo, é de surpreender que, no atual estágio da medicina, as mulheres recorram, com considerável freqüência, ao aborto perigoso, apesar de suas restrições morais, e até mesmo dos riscos potenciais dessa prática” (SILVA, 1996, p. 146).

Na medida em que uma mulher, quando decide levar uma gravidez para frente a leva, mesmo que isolada de sua decisão, ela também aborta se assim o entender, apesar de compreender como a menos pior das suas alternativas. Centenas de testemunhos de mulheres anônimas vêm neste sentido. É uma decisão difícil, dolorosa, mas que é tomada em conscientemente, após muita reflexão.

Saindo da particularidade – mulher que necessita fazer o aborto – para a coletividade – a sociedade em que está inserida essa mulher, sua situação e necessidade – a questão torna-se, ainda

mais complexa. O tema “aborto” e sua discussão nos diversos segmentos sociais, como viu-se anteriormente relaciona-se diretamente com a posição da mulher na sociedade.

1.3. Sociedade Civil – A Igreja e o Movimento Feminista como os principais representantes nos