CAPÍTULO II – INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS
2.3. O estudo sobre a educação nas famílias de pescadores
A pesca artesanal é uma atividade tradicional e presente há séculos nas
comunidades costeiras e ribeirinhas. Esta atividade se caracteriza pela “simplicidade da
tecnologia” e pelo “baixo custo da produção” (MALDONADO, 1986) ainda que estes
grupos busquem, atualmente, modernizar a atividade. Outra característica que prevalece
entre os pescadores artesanais é “a importância da família como unidade de produção e
consumo” (ibidem, p.18).
As famílias de pescadores artesanais são grupos que possuem uma cultura
específica. Em geral, estas populações possuem conhecimentos sobre a natureza e sua
dinâmica que atravessam várias gerações (PAIOLA & TOMANIK, 2002). As práticas
artesanais são aprendidas no convívio familiar e no contato direto com a natureza e são
utilizadas por pescadores e suas famílias para a subsistência com impacto limitado sobre o
ambiente natural (DIEGUES, 1996).
Na pesquisa realizada por Costa (2004) sobre as condições de vida dos pescadores e
a sustentabilidade da pesca artesanal, os resultados apontam para a importância da
educaçãonasfamílias no que tange o aprendizado da atividade pesqueira. No município de
Rio Grande/ RS, esta atividade tem um caráter transgeracional (as concepções/ crenças são
passadas através das gerações familiares), pois 81,69% dos pescadores entrevistados no
estudo de Costa (2004) afirmaram que aprenderam essa atividade no ambiente familiar.
Percebe-se com isso, que os conhecimentos sobre as práticas da pesca artesanal são
construídos e compartilhados no cotidiano destes grupos familiares e fornecem a base da
convivência dos indivíduos entre si e com o seu ambiente (PAIOLA & TOMANIK, 2002).
“(...) através do conhecimento que tem da natureza que explora para sobreviver e
do seu trabalho no mar, o homem se apropria, de determinadas maneiras, dos
ambientes produtivos e do mundo em que vive. Essa apropriação se realiza no
processo de trabalho e o ultrapassa, pois inspira modos de ser e de estabelecer
relações sociais, de constituir família, de organizar o trabalho” (MALDONADO,
1986, p.07).
Em contrapartida, Costa (2004) apresenta em sua pesquisa outros dados
preocupantes que trazem a ênfase sobre a sustentabilidade dessa atividade no município e a
continuidade da pesca artesanal pelas futuras gerações. O autor afirma que “existe uma
tendência à diminuição do número de pescadores pelo fato dos mesmos não quererem que
seus filhos permaneçam na atividade” (p. 171).
Sendo assim, existe uma antinomia no que se refere à educação nestes grupos
familiares para o trabalho na pesca artesanal, pois, ao mesmo tempo que a cultura
pesqueira é transmitida na sua maioria de pai para filho, esses pais não querem que os seus
filhos reproduzam essa cultura. Torna-se imprescindível, portanto, buscar e compreender
que variáveis estariam mobilizando neste tempo histórico tais ambivalências.
A pesquisa de Costa (2004) aponta também dados relevantes para se pensar os
fatores sociais que apontam para situação de vulnerabilidade socioambiental no cotidiano
de grupos familiares de pescadores artesanais no município de Rio Grande/ RS e que
podem interferir negativamente no desenvolvimento dessa população.
O conceito de vulnerabilidade é “um termo geralmente usado na referência de
predisposições e desordens ou de suscetibilidade ao estresse” (YUNES & SZYMANSKI,
2001, p.28). Este conceito é mais utilizado para definir as suscetibilidades individuais e as
alterações aparentes no desenvolvimento físico e/ ou psicológico de uma pessoa que
submeteu-se a situações de risco (RUTTER, 1987). Mas o termo vulnerabilidade também
pode ser associado a grupos, já que abrange tanto as predisposições genéticas como os
condicionantes externos ao indivíduo (COWAN & COWAN & SCHULZ, 1996).
O termo “vulnerabilidade socioambiental” (LOUREIRO, 2003) faz referência a
condicionantes sociais e ambientais que podem significar predisposições ao risco para
determinados indivíduos ou grupos. O autor caracteriza como vulnerabilidade
socioambiental1a situação de grupos específicos que se encontram:
“(1) em maior grau de dependência direta dos recursos naturais para produzir,
trabalhar e melhorar as condições objetivas de vida; (2) excluídos do acesso aos
bens públicos socialmente produzidos, e (3) ausentes de participação legítima em
processos decisórios no que se refere à definição de políticas públicas que
interferem na qualidade do ambiente em que se vive”(p.48).
No que tange à primeira questão sobre a dependência dos recursos naturais
apontada por Loureiro (2003) podemos relacionar com o que Costa (2004) afirma ser a
atividade da pesca artesanal uma “atividade com dedicação exclusiva” para maior parte dos
pescadores (p.257) e “praticada para a subsistência” desses grupos (p.256). Com relação a
segunda proposição sobre a exclusão de acesso aos bens públicos pode-se relacionar aos
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