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O estudo de “uma das ciências pedagógicas”: Fundamentos Sociológicos da

Manuel Cabral Machado83 era o docente de Fundamentos Sociológicos da Educação84. Em entrevista declara: “Fui professor da Faculdade de Filosofia, sendo

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Manuel Cabral Machado, nascido em 1916 em Rosário do Catete – SE, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Bahia no ano de 1942, exerceu vários cargos na administração pública do Estado, inclusive de vice-governador. Vale ressaltar ainda suas importantes contribuições na fundação das Faculdades de Ciências Econômicas, Direito, Serviço Social e Filosofia, como também nas discussões da fundação da Universidade Federal de Sergipe. Foi membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Brasileira de Ciências Sociais (MACHADO, 2007).

minhas cadeiras sociologia e filosofia [...] na Faculdade de Filosofia, onde ensinei Sociologia. Fui professor de sociologia nessa Faculdade onde eu fiquei até ser criada a Universidade Federal de Sergipe” (MACHADO, 1998, p. 18).

No programa de ensino85 da disciplina, observa-se uma divisão dos conteúdos em seis unidades, sendo essas repartidas em subitens, numa variação de três a seis em cada unidade. Essas unidades são assim denominadas: “A Sociologia e as Ciências Sociais”; “A educação como um fenômeno social”; “Funções sociais da escola”; “As instituições sociais e a educação”; “A organização social da escola”; “Problemas sociais pedagógicos” e “Sistemas sociológicos de educação” (FCFS, Programa de Ensino de Fundamentos Sociológicos da Educação − FCFS, Relatórios Semestrais, 1954−1962).

Na primeira unidade, cinco tópicos discutiam aspectos da Sociologia em um sentido mais amplo, como objeto, método, teoria e pesquisa, e somente no sexto e último item dessa unidade aparecia a Sociologia da Educação, de maneira mais evidente. Cotejando as cadernetas e os programas, percebe-se que o primeiro semestre geralmente detinha-se basicamente nos assuntos daquela que seria a primeira unidade. Assim, constantemente a disciplina começava com um estudo da “Sociologia e as ciências sociais”, abordando “Objeto”, “Conceito”, “Classificação” e “Problemas” da Sociologia. Os estudos prosseguiam com aulas sobre “O fato social”, “O método social”, “Principais pensadores da Sociologia”, aqui discutindo os “Precursores” e depois “Fundadores”, ou mesmo a “Sociologia Alemã”, “Sociologia Anglo-americana” e “Sociologia Brasileira”, todas em diferentes momentos históricos. Depois dessas “aulas introdutórias”, os conteúdos listados tratavam da “Sociologia Educacional: conceito”, “A educação como um fenômeno social” ou “A educação como um processo social geral’. Os assuntos versavam ainda sobre a “História da Sociologia”, “Educação nas sociedades primitivas”, “Origem e evolução da escola”, “O Estado e a educação”, “Religião e educação”, “O trabalho, a ciência e a educação’, “Funções sociais da Escola: socialização do indivíduo”, “Centralização e descentralização do ensino”, “Problemas sociais da escola: a liberdade e a disciplina. Progresso contínuo”; “Educação e vida social” (FCFS, Cadernetas de Fundamentos da Sociologia da Educação, 1954-1962).

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O nome de Manuel Ribeiro consta na primeira lista de docentes da instituição como professor de Sociologia, mas não localizamos nenhum registro da sua atuação como docente na Faculdade, apenas como membro de bancas examinadoras de provas orais.

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No caderno de Maria Lígia Madureira Pina (s/d), aluna do professor Manuel Cabral Machado em 1958, esta fez anotações do que possivelmente seriam três aulas de Fundamentos Sociológicos da Educação, a saber: “Metodologia da Sociologia”, “Sociologia Educacional” e “Educação como processo social geral – coesão social – tradição”. Como foram localizadas poucas cadernetas da disciplina do mencionado ano, não foi possível confrontar tais aulas; contudo, esses “títulos” aparecem em outros anos nas cadernetas analisadas.

Nos escritos de Pina (s/d) referentes à aula “Metodologia da Sociologia”, localiza-se uma exposição de diferentes tipos de métodos, a começar por Auguste Comte, “o fundador da Sociologia” e o “método positivo”. Prosseguindo pelos métodos “psíquico”, “marxista”, “objetivo”, “etnográfico”, “comparativo”, “da observação participante”, “do inquérito” e “do estudo de caso”. A aula contou também com uma observação na qual a “Sociologia Moderna não tem mais preocupação com leis, sistemas doutrinários, sua preocupação é a pesquisa, estudar a realidade e sugerir. O perigo é perder-se como a Sociologia Americana na multiplicidade” (PINA, s/d, s/p). Dessa forma, possivelmente o docente não seria um adepto da Sociologia Americana; todavia notamos uma aula com um estudo de diferentes métodos, complementada com a citação das “escolas” e/ou autores desses métodos.

Outra aula anotada com o “título” de “Sociologia Educacional” deveria estudar “[...] o fato social educacional. Os modos de pensar, sentir e agir [...]”. Ainda segundo os escritos de Pina (s/d) “entre os fatos sociais existe o fato educacional que é o fato de transferência de cultura de uma geração a outra. Transmite o modo de ser, pensar, sentir e agir, por conseguinte a sua cultura, isto assegura a continuidade e unidade do grupo”.

As aulas tinham também conceituações:

A Sociologia Educacional é uma das ciências pedagógicas das quais a Estatística Educacional, Filosofia Ed., Biologia Ed., Higiene Ed., Didática Escolar e tantas outras formam o sistema das ciências pedagógicas que estuda o aspecto social educacional (PINA, s/d, s/p, grifo nosso).

Nesse sentido, estava explícita para os discentes a existência de algumas “ciências pedagógicas” dentre as quais a Sociologia da Educação somava-se àquelas que analisavam a educação em seus diferentes aspectos. O programa de ensino assim como o docente foram mantidos de 1954 a 1962 sem sofrer nenhuma alteração. Pelos

conteúdos listados, infere-se que a disciplina conferia uma formação ampla aos seus alunos e futuros docentes. Tratava da Sociologia de maneira mais geral, como também apresentava algumas noções mais específicas da Sociologia Educacional. Nas palavras do professor, a Sociologia “naquele tempo ela era uma cadeira de formação geral” (MACHADO, 1998, p. 17). Esta era a opinião do professor de Fundamentos Sociológicos da Educação formado pela Faculdade de Direito da Bahia, o qual, além de vasta atuação na área jurídica e política, no ano de 1954 já tinha experiência como docente da mesma disciplina no Colégio Nossa Senhora de Lourdes.

Manuel Cabral Machado (1998) fala da sua formação na Bahia e do contato com a sociologia francesa por meio do professor Herbert Parente Fortes. Quando aluno, leu pensadores como Simon Deployage, Émile Durkheim, Célestin Bouglé, Paul Bureu, Georges David, Armand Cuvillier e outros. Tal descrição da formação do docente constitui-se como indício das influências teóricas recebidas por ele e como estas podem ter alcançado o ensino de Fundamentos Sociológicos da Educação na faculdade sergipana.

Vale ressaltar que, contrapondo tais autores e a bibliografia adotada na cadeira de Sociologia da USP, exposta por Katsios (1999), localizam-se em ambas os nomes Émile Durkheim, Célestin Bouglé e Armand Cuvillier. A citada autora também explica que a cadeira de Sociologia Educacional foi extinta da USP em 1941 e substituída por duas cadeiras de Sociologia, com os professores Roger Bastide e Fernando de Azevedo. No segundo ano, os alunos do curso de Pedagogia cursavam a cadeira conjuntamente com os de Didática; assim, em 1953, a cadeira estava dividida em seis partes com vários tópicos cada: Considerações preliminares; Escola secundária tradicional, As transformações de estrutura; As soluções propostas; Educação secundária e seus problemas e por fim temas e trabalhos para pesquisas a serem realizadas (KATSIOS, 1999).

Pelo exposto, percebe-se uma nítida diferença entre os conteúdos trabalhados para os futuros professores do ensino secundário na Sociologia da FFCL da USP e os Fundamentos Sociológicos da Educação ministrados na FCFS. Este dado deve ser ressaltado levando em consideração que todas as instituições de ensino superior tinham um currículo padrão a ser seguido. Deste modo, diante do discutido, observa-se mais uma vez que o mesmo currículo era lecionado de formas díspares em alguns pontos do país.

Com as reformas ocorridas nos cursos da FCFS, Fundamentos Sociológicos da Educação, o estudo de “uma das ciências pedagógicas”, como consta no caderno de Pina (s/ d), deixa de existir, da mesma forma que o curso de Didática, em que ela está alocada, e alguns dos seus conteúdos migram para a disciplina de “Sociologia”, integrando, a partir de então, o primeiro ano dos cursos daquela instituição.