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O ETHOS E A ANÁLISE DO DISCURSO – AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES

3 ASPECTOS RETÓRICOS E O ETHOS – A FORMAÇÃO DO SUJEITO

3.2 O ETHOS E A ANÁLISE DO DISCURSO – AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES

Após essa introdução histórica acerca da retórica e de como esta linha teórica concebe o conceito de ethos, passaremos a analisar esse conceito segundo a perspectiva da Análise do Discurso de linha francesa, mais especificamente de acordo com os postulados de Dominique Maingueneau.

O conceito de ethos para Maingueneau tem características compartilhadas com o conceito formulado pela retórica aristotélica e posteriormente pela Nova Retórica, porém com diferentes concepções e organizações conceituais, sem se anularem teoricamente. Para Maingueneau (1995), o termo ethos está intimamente ligado ao que o sujeito mostra para seu público com o seu modo de exprimir e não com o que esse mesmo sujeito afirma a respeito de si. Ou seja, o ato enunciativo é fulcral na caracterização (ethos) desse sujeito como enunciador.

Existe uma distinção teórica entre autor e enunciador. Em oposição a um conceito que determina como consciente o efeito que o enunciador, assemelhado a um autor, escolhe para produzir em seu público, Maingueneau (1989, p. 45) apresenta o ethos como parte constitutiva de uma determinada formação discursiva, assumindo no interior dessa mesma formação um lugar de enunciação. Esse ethos, assim como outras dimensões da discursividade, é imposto, pela própria formação discursiva a esse sujeito-enunciador. É ela quem determina as regras de enunciação e a constituição desse ethos, no momento da enunciação.

Nas palavras do autor:

O ethos está, dessa maneira, vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde a seu discurso, e não ao indivíduo "real", apreendido independentemente de seu desempenho oratório: é, portanto, o sujeito de enunciação enquanto está enunciando que está em jogo aqui. (MAINGUENEAU, 1995, p. 138)

A partir disso, é concebida a imagem que o enunciatário formula de seu enunciador. Verificamos, então, que o co-enunciador tem papel ativo na constituição desse

sujeito enquanto enunciador. Essa imagem (ethos) possui muitos elementos que são constitutivos desse fenômeno discursivo. Tratamos primeiramente da voz discursiva.

Maingueneau trata o fenômeno voz discursiva como uma voz específica que habita a enunciação do texto, não fazendo referência à oralidade ou à escrita. O autor nomeia essa voz como tom, apresentando comparativamente a voz de um texto e a voz de uma pessoa, igualando valorativamente tanto o dito quanto o tom com que é dito. (1989, p. 46). Na tentativa de apresentar o tom com um ideal de entonação que acompanha os lugares de enunciação, o autor atrela intimamente esse fenômeno a dois conceitos discursivos: O conceito de caráter e o de corporalidade.

Em relação ao conceito de corporalidade, Maingueneau determina que esse critério está ligado a uma constituição física do corpo do sujeito enunciador, ou seja, indissociável à maneira de movimentos espaciais no meio social. Portanto, ethos, inseparável a uma maneira global de existir, é um modo de habitar o contexto social (mundo).

Quanto ao caráter, Maingueneau (1989, p. 47) postula que:

corresponde a este conjunto de traços "psicológicos" que o leitor- ouvinte atribui espontaneamente à figura do enunciador, em função de seu modo de dizer. (...) Bem entendido, não se trata aqui de caracterologia, mas de estereótipos que circulam em uma cultura determinada. Deve-se dizer o mesmo a propósito da "corporalidade", que remete a uma representação do corpo do enunciado da formação discursiva. Corpo que não é oferecido ao olhar, que não é uma presença plena, mas uma espécie de fantasma induzido pelo destinatário como correlato de sua leitura. Os discursos se opõem sobre essa dimensão como sobre as outras; há "caracteres" e "corporalidades" específicas dos enunciadores do Fígaro, de l'Humanité ou Libération, (...), e estas divergências remetem aos próprios fundamentos destes discursos.

Ethos está interligado em múltiplas dimensões discursivas, também, com a capacidade de um discurso qualquer em ser aceitável, eficaz e obter a adesão do co-enunciador. Despertar a credulidade no enunciatário é o primeiro objetivo do ethos. Esse processo de adesão perpassa pelo poder discursivo que a voz possui em envolver o enunciatário, manifestando a essência do sujeito-enunciador.

Maingueneau define esse fenômeno como incorporação, e estipula que para que tal sistema ocorra é necessário que, por meio da enunciação, tanto a formação discursiva quanto o ethos específico dessa formação sejam integrados. Segundo o autor (1989, p. 48), a incorporação age de forma diferenciada, caracterizando três inscrições estruturadas de forma conjunta:

- a formação discursiva confere "corporalidade" à figura do enunciador e, correlativamente, àquela do destinatário, ela lhes dá "corpo" textualmente; - esta corporalidade possibilita aos sujeitos a "incorporação" de esquemas que definem uma maneira específica de habitar o mundo, a sociedade; - esses dois primeiros aspectos constituem uma condição da "incorporação" imaginária dos destinatários ao corpo, o grupo dos adeptos do discurso

Mais importante que um conjunto de ideias expostas ao enunciatário, o enunciado apresenta-se permeado pelo modo como o sujeito-enunciador se mostra arraigado a maneira de ser desse mesmo enunciador; daí é que se dá o processo de adesão. A legitimação do discurso na enunciação é papel primordial das formações discursivas que, pela sedução do co-enunciador, autorizam uma identificação de corporalidade.

A partir disso, observa-se que as formações discursivas têm a função de idealizar um modo totalizante do sujeito se apresentar, provendo o que é de necessidade vital para que as formas de subjetividade sejam geradas. Diante disso, verifica-se que para a constituição dos sujeitos, o conceito de incorporação é delimitador no esclarecimento da função das formações discursivas nesse processo.

No próximo capítulo, detalharemos histórica e teoricamente os dois discursos que tomamos como foco na formação discursiva do enunciador apresentado: o discurso de vulgarização científica e o discurso de autoajuda.

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O DISCURSO DE VULGARIZAÇÃO CIENTÍFICA E O DISCURSO