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5.2. Do regime de competência para o registro da despesa de JCP

5.2.5. O exercício da faculdade de distribuição de JCP

Um segundo argumento que tem sido utilizado pelas autoridades fiscais, ainda que com menor frequência, para questionar a dedutibilidade do JCP pagos em relação a exercícios anteriores é relacionado à existência de uma suposta renúncia do direito de realizar o pagamento

65 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. "Juros sobre o capital próprio: momento de dedução da despesa". Direito tributário atual. São Paulo: IBDT, Dialética, 2012. 28. p.332.

de JCP. Segundo essa linha de argumentação, haveria uma renúncia de direito ao pagamento de JCP quando este não fosse deliberado nas assembleias realizadas nos anos em que os JCP foram calculados.

A esse respeito, cumpre esclarecer que a renúncia de direito só ocorre quando expressamente declarada. A renúncia tácita, isto é, que não decorre de expressa declaração de vontade do detentor do direito, somente pode ocorrer quando expressamente prevista em lei.

O art. 9º da Lei 9.249/95 não fixa prazo para o exercício do direito de distribuição de JCP, de modo que tampouco declara preclusão se esse prazo (inexistente) não for observado.

Sobre este ponto específico, vale citar trecho de acórdão proferido pelo CARF:

JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. REGIME DE COMPETÊNCIA. DIREITO DE DEDUTIBILIDADE EM ANOS POSTERIORES.

O pagamento ou crédito de Juros sobre Capital Próprio – JCP é faculdade concedida pela lei para ser exercida no ano-calendário de apuração do Lucro Real ou em anos posteriores. O não exercício da mencionada faculdade não configura renúncia ao benefício concedido na lei, ou seja, não enseja a preclusão temporal que impediria seu aproveitamento em períodos de apuração de Lucro Real posteriores.66

Portanto, o não pagamento ou crédito individualizadamente a sócio ou acionista em determinado período não implica impossibilidade de dedução desses valores caso venham a ser pagos ou creditados no futuro.

Nesse sentido, vale notar que para que haja uma renúncia a um direito, seja ela tácita ou expressa, é preciso que ele esteja devidamente constituído. No caso dos JCP, conforme exposto, é a deliberação pela assembleia competente que aprova a distribuição de JCP que constitui a obrigação da sociedade realizar o seu pagamento e o direito de os sócios receberem esses valores. Portanto, inexistindo uma deliberação societária nesse sentido, sequer haveria qualquer direito ao recebimento desses valores que poderia ser renunciado pelos sócios ou acionistas.

O argumento de renúncia está intrinsecamente relacionado à outra alegação das autoridades fiscais: a assembleia geral da sociedade, ao decidir anualmente sobre a destinação do lucro do exercício, e tendo deliberado pela sua retenção e destinação à conta de reserva de lucros, não poderia utilizar tais lucros para pagar JCP em exercícios futuros.

66CARF, Acórdão nº 1301-002.738, Rel. Cons. Bianca Felícia Rothschild. Sessão de julgamento realizada em 20.2.2018. (Não destacado no original)

Entendemos que tal argumento é inconsistente com a própria legislação que rege o pagamento e dedução dos JCP. Conforme descrito acima, o artigo 9º, §1º da Lei 9.249/95 prevê expressamente que

o efetivo pagamento ou crédito dos juros [sobre o capital próprio] fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros.67

Ora, se a própria legislação que rege o instituto prevê que os JCP podem ser pagos mediante a existência de lucros acumulados e reservas de lucros, seria incoerente defender que a decisão da assembleia geral que destina os lucros do exercício à conta de reserva de lucros significaria a renúncia ao direito de pagamento dos JCP ou sua impossibilidade jurídica.

Ademais, cumpre notar que as autoridades fiscais, em determinadas situações, também buscam combinar a alegação de renúncia ao direto ao pagamento de JCP relativos a exercícios anteriores à alegação de preclusão do direito a esse pagamento. Esse argumento, assim como o da renúncia, não encontra respaldo em lei. Isso porque a preclusão depende de norma legal que a estipule, a qual não é encontrada no art. 9º da Lei 9.249/95.

Nesse sentido, Mariz coloca muito bem que

a palavra preclusão não tem sido bem empregada, pois se trata de termo precipuamente referido à preclusão processual, no sentido de que um ato do processo deve ser exercido num devido tempo, sob pena de não poder vir a sê-lo posteriormente.68

67 CARF, Acórdão nº 1301-002.738, Rel. Cons. Bianca Felícia Rothschild. Sessão de julgamento realizada em

20.2.2018.

68 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. "Juros sobre o capital próprio: momento de dedução da despesa". Direito tributário atual. São Paulo: IBDT, Dialética, 2012. p. 335.

LIMITES DE DEDUÇÃO – EXISTÊNCIA DE LUCROS NO EXERCÍCIO CORRENTE, LUCROS ACUMULADOS OU RESERVAS DE LUCROS

Em vista de todo o exposto, entendemos que nada obsta que o pagamento de JCP seja feito em relação a exercícios anteriores, desde que respeitem os limites quantitativos de pagamento de JCP.

Apesar disso, a legislação não estabelece de maneira clara se a limitação acima mencionada deveria ser calculada sobre os resultados do exercício em relação ao qual os JCP foram calculados ou sobre os resultados do exercício no qual foram efetivamente pagos.

Considerando os precedentes favoráveis do CARF69 – que foram ou não reformados pela CSRF mais recentemente – é possível estabelecer um modelo prático para orientar a aplicação da deliberação de JCP retroativo, no qual o limite quantitativo deve ser observado tanto em relação ao período no qual seria realizado o pagamento quanto em relação aos períodos anteriores.

Nesse sentido, o exercício em que for realizado o pagamento de JCP retroativamente deve apresentar patrimônio líquido em montante suficiente para fazer face às despesas dos JCP relativos a exercícios anteriores e dos JCP relativos ao ano corrente em que seriam pagos.

Adicionalmente, a TJLP aplicável sobre o resultado do exercício para a determinação do montante de JCP passível de ser pago deve ser aquela vigente no ano em relação ao qual o JCP foi calculado, uma vez que essa é a taxa que aplicada sobre os resultados daquele exercício resultaria no montante ao qual os sócios/acionistas teriam direito a receber naquela época.

Ao se aplicar a TJLP sobre as contas de patrimônio líquido da sociedade, deve-se descontar o valor do JCP pago futuramente, ou seja, o valor de JCP a ser pago não pode ser utilizado para inflar as contas de patrimônio líquido que servirão de base para o cálculo de JCP.

Portanto, entendemos que o cálculo do JCP em relação a exercícios anteriores deve ser feito de modo (i) a respeitar os limites quantitativos70 de dedutibilidade vigentes em cada um dos exercícios anteriores assim como no período corrente (no qual seria realizado o pagamento);

e (ii) aplicar a TJLP vigente no ano em relação ao qual o JCP estaria sendo calculado (TJLP do exercício anterior).

69 Voto vencido do Conselheiro Luís Flavio Neto no acórdão CSRF 9101-002.778 – 1ª Turma, de 6.4.2017 e

acórdão CARF 1402-001.178, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, de 11.9.2012.

70 (i) 50% do lucro líquido do exercício antes da dedução desses juros e após o cômputo da CSL devida; ou (ii)

50% do somatório dos lucros acumulados e reserva de lucros.

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, procuramos abordar, em primeiro lugar, as características específicas e o tratamento fiscal conferido a cada espécie de financiamento disponível às empresas com o objetivo de situar a função dos JCP no ordenamento jurídico-tributário.

Como visto, considerando que a liquidez financeira é uma fator necessário para que uma empresa possa custear as suas atividades e realizar novos investimentos, é imprescindível que tenha acesso à capital, o qual, historicamente, foi democratizado pela criação de instrumentos financeiros que possibilitam a transferência de recursos entre os agentes deficitários e superavitários de uma economia. Considerando as principais características verificadas em instrumentos patrimoniais, é possível classificá-los em dois grandes grupos: instrumentos de dívida e patrimoniais. Enquanto os instrumentos patrimoniais remuneram os seus investidores por meio do pagamento de dividendos, uma forma de distribuição de lucro indedutível na apuração do Lucro Real, os instrumentos de dívida remuneram os investidores por meio do pagamento de juros remuneratórios, despesas potencialmente dedutíveis na apuração do Lucro Real, desde que observados os requisitos gerais para a dedutibilidade de despesas (usualidade, necessidade e normalidade).

Com a publicação da Lei 9.249/95, o legislador pátrio introduziu no ordenamento jurídico os JCP, um instrumento financeiro com características híbridas de capital e de dívida sujeito a tratamento fiscal diferenciado, como uma maneira de promover uma equiparação do tratamento tributário conferido aos diferentes tipos de instrumentos financeiros que, dentre outros efeitos positivos, visava promover o aumento no nível de investimentos nas empresas e reduzir os índices de alavancagem.

Para tanto, o instituto dos JCP foi concebido como uma forma de distribuição de lucros que, em função de uma ficção jurídica, recebe o tratamento de despesa dedutível na apuração do Lucro Real. Isto é, são dispêndios que não participam na formação do lucro propriamente dito, sendo dedutíveis na apuração do Lucro Real em função da autorização legal expressa contida na norma do art. 9º da Lei 9.249/95. Em função da combinação dessas duas caraterística – corresponder a parte do lucro ou renda distribuível e ser dedutível - , a distribuição de JCP representa um benefício fiscal para a sociedade que realiza o seu pagamento, na medida em que possibilita a dedução de dispêndio que não representa um elemento redutor na formação do lucro do exercício.

Em função de apresentar características particulares, a natureza do JCP historicamente tem sido objeto de intensos debates na doutrina e jurisprudência. No âmbito fiscal, tais

particularidades resultaram em uma controvérsia sobre a possibilidade de se deduzir as despesas de JCP pagos em relação a exercícios anteriores.

Nesse contexto, objetivou-se por meio do presente estudo revisitar os principais pontos controvertidos em relação ao pagamento de JCP retroativo à luz dos posicionamentos adotados nas decisões proferidas na esfera administrativa sobre o tema. A relevância desse tema se justifica pelo fato de, apesar de o assunto encontrar-se pacificado na esfera administrativa, as decisões proferidas pela esfera judicial indicam a formação de uma jurisprudência antagônica àquela consolidada na esfera administrativa.

Partindo-se da análise dos principais argumentos apresentados na jurisprudência predominante do CARF, assim como da análise da sistemática de apuração do Lucro Real conforme o regime de competência para as despesas de JCP, a presente dissertação buscou evidenciar que não assiste razão ao entendimento de que haveria qualquer limitação temporal à distribuição de JCP, seja pela inexistência de qualquer previsão em lei nesse sentido, seja porque a referida distribuição não representaria qualquer afronta ao princípio da competência.

Em suma, além de o art. 9 da Lei 9.249/95 não determinar uma limitação ao pagamento de JCP em relação a exercícios anteriores, o argumento de que tal pagamento representaria uma afronta ao regime de competência não se sustenta frente à natureza desse instituto e à norma legal que o fundamenta. Isso porque, os JCP apenas recebem o tratamento de despesa em função de uma ficção jurídica, mas não participam na formação do lucro do exercício, de modo que na estrutura da demonstração dos resultados do exercício representam uma forma de distribuição de lucros. Portanto, não há que se falar em pareamento de receitas e despesas quando sequer se trata de uma despesa propriamente dita.

Assim, em razão de a dedutibilidade dos valores pagos a título de JCP decorrer da existência de uma norma legal que expressamente a autoriza, ao invés de se justificar por ser um elemento cuja participação na formação do lucro permite a captação do verdadeiro acréscimo patrimonial auferido pelo contribuinte, as características dessa despesa e os requisitos de sua dedutibilidade são apenas aqueles expressamente previstos na própria norma que a autoriza (art. 9º da Lei 9.249/95).

Portanto, inexistindo qualquer limitação em lei ao pagamento de JCP em relação a exercício anteriores, desde que observados todas os requisitos estipulados no referido art. 9º da Lei 9.249/95, não há base legal para a imposição de limitações temporais adicionais à dedutibilidade dos dispêndios associados a esses pagamentos.

Ainda, mesmo que se admitisse que os JCP representam despesas propriamente ditas, a “inexatidão quanto ao período de apuração de escrituração de receita, rendimento, custo

ou dedução, ou do reconhecimento de lucro” somente constitui fundamento para lançamento fiscal se dela resultar: (i) a postergação do pagamento do imposto para período de apuração posterior ao em que seria devido; ou (ii) a redução indevida do Lucro Real em qualquer período de apuração. Do contrário, isto é, a antecipação de receitas ou a postergação de custos ou despesas, a princípio, não representariam hipóteses que poderiam ensejar eventual autuação em razão da inobservância do regime de competência.

Desse modo, entendemos ser possível concluir que as decisões que compõem a jurisprudência predominante sobre o tema na esfera administrativa têm apresentado um entendimento que extrapola a disciplina legal prevista em lei para o instituto, criando limitações que não são previstas em lei. Ainda, acabam por realizar uma aplicação do regime de competência para as despesas de JCP que entendemos ser incoerente com a natureza jurídica desse instituto, qual seja: um instituto jurídico com característica híbridas de capital e dívida que, devido a uma ficção jurídica, recebe o tratamento fiscal de uma despesa dedutível na apuração do Lucro Real.

Assim, espera-se que o presente estudo possa contribuir para o debate sobre o tema, sobretudo considerando a existência de uma jurisprudência judicial ainda em formação, que tem o potencial de reverter o cenário observado na esfera administrativa e estabelecer uma orientação que seja mais alinhada com a disciplina legal e natureza jurídica desse instituto particular do ordenamento jurídico brasileiro.

APÊNDICES

8.1. Apêndice I – Relação de julgados citados do CARF