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2.2 CASOS DE CONTROLE DE CONTEÚDO PELAS PLATAFORMAS: A TENSÃO

2.2.4 O Facebook e os casos de exclusão de fotos de mães amamentando

Outro assunto em voga diz respeito à grande discussão que se dá online sobre a polêmica de publicação de fotos que apareçam mamilos em redes sociais.

Trata-se de discussão que permeia a Internet e o controle de conteúdo há anos, perpassando por discussões de gênero, com resistência de mães que gostariam de ter fotos amamentando seus filhos publicadas, foi criado um movimento chamado

#freethenipple com a ideia de colar mamilos masculinos em cima de mamilos femininos em fotos como forma de protesto137.

Ainda em 2007, pouco tempo depois da plataforma ter expandido seu acesso para usuários fora do grupo seleto de estudantes de universidades da Ivy League, já existiam relatos do Facebook realizando decisões de controle de conteúdo para a remoção de fotos de amamentação, com suspensão de contas por tais compartilhamentos, inclusive em casos que tais fotos eram compartilhadas especificamente em grupos dirigidos especificamente para mães em busca de apoio na amamentação138.

Como justificativa para as decisões, a plataforma afirmou que tais publicações iriam de encontro com sua política contra “nudez, uso de drogas, ou outros conteúdos obscenos”, categorização essa que, por sua própria abrangência e terminologia usada, trazia uma afronta direta às mães e ao ato da amamentação

135 FACEBOOK fará reunião com drag queens sobre uso de nome real. G1, [s.l.], 16 set. 2014.

Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/09/facebook-fara-reuniao-com-drag-queens-sobre-uso-de-nome-real.html. Acesso em: 20 jun. 2022, s.p.

136 DENARDIS, Laura; HACKL, A. Internet governance by social media platforms.

Telecommunications Policy, [s.l.], v. 39, n. 9, p. 761-770, 2015. Disponível em:

https://econpapers.repec.org/article/eeetelpol/v_3a39_3ay_3a2015_3ai_3a9_3ap_3a761-770.htm.

Acesso em: 24 jul. 2022, p. 764.

137 GILLESPIE, Tarleton. Custodians of the Internet: Platforms, content moderation, and the hidden decisions that shape social media, cit., p. 165-166.

138 GILLESPIE, Tarleton. Custodians of the Internet: Platforms, content moderation, and the hidden decisions that shape social media, cit., p. 147.

como ato importante à saúde do bebê. Ao falar sobre a experiência de terem suas fotos retiradas, algumas mães trouxeram a sensação de serem apagadas e humilhadas139:

[...] Algumas mulheres falaram de se sentirem envergonhadas e humilhadas que suas fotos e experiências, como novas mães foram julgadas como obscenas. A remoção de uma foto era, literalmente, o apagamento da mulher e de sua conquista e poderia ser compreendida facilmente como uma violação de uma convicção pessoal:

[Facebook] Sinceramente, eu tenho estado em péssimo humor sobre toda essa situação. Eu não tirei [a foto] simplesmente porque vocês ficaram ofendidos, mas mais porque eu estou muito desanimada e cansada de toda essa situação.... Vocês me colocaram em uma situação porque me pediram para censurar algo que é muito importante e crucial na minha vida. Vocês me pediram para colocar de lado minhas convicções pessoais e meu orgulho na minha vida e na vida das minhas crianças e escondê-los.... Eu estou muito triste agora, uma vez que sinto que algo muito importante para mim foi roubado e eu não estou falando de apenas uma foto.

Com o intuito de se expressarem contra a política adotada pelo Facebook, diversos grupos surgiram. Dentre eles, o Hey Facebook, Breastfeeding Is Not Obscene!, com centenas de milhares de participantes que dividiam suas experiências e suas opiniões sobre a importância da amamentação na rede social sem que houvesse a censura da plataforma140. A questão foi endereçada pela primeira vez pelo Facebook em 2009, em um pronunciamento público, em que a plataforma não entendeu por alterar sua política, mas apenas por reforçar que a maioria das fotos relacionadas à amamentação não eram removidas do site, entretanto aquelas com imagens de seios claramente expostos violavam os termos de um ambiente seguro para todos os usuários, inclusive para crianças e, por isso, seriam retiradas da rede social141.

O movimento para liberação de tais imagens e manifestações continuou forte através dos anos na plataforma, crescendo naturalmente a partir do engajamento de mães e buscando demonstrar ao Facebook a incongruência da remoção de tal

139 Em tradução livre, no original: “[...] Some women spoke of feeling ashamed and humiliated that their photos, and their experiences as new mothers, were being judged obscene. Removal of a photo was literally an erasure of the woman and her accomplishment, and could easily feel like a particularly personal violation of a deeply held conviction: [Facebook] I’ve been in quite a mood about this whole situation, honestly. I didn’t just take [the photo] sown because you were offended, but more because I am very disheartened and tired of the whole mess…. You have put me in a difficult situation because you have asked me to censor something that is very important and crucial to my life. You have asked me to put aside my personal convictions and pride in my life and my children’s life and hide it…. I am very sad right now as I feel something dear to me has been stolen and I’m not talking about just a picture.” (Ibidem, p. 148).

140 Ibidem, p. 152.

141 Ibidem, p. 160.

conteúdo frente a outros tópicos mantidos na rede social. Apenas em 2014, após forte pressão social, inclusive com a participação de personalidades conhecidas e com a campanha #FreeTheNipple, o Facebook entendeu por alterar sua política para permitir a publicação de imagens relacionadas a fotos de mulheres amamentando, assim como de seios, desde que esses sejam para propósitos de saúde ou artístico142.

A discussão relacionada à nudez feminina na moderação de conteúdo é tópico amplamente discutido e trazido à tona de diferentes formas nas plataformas.

Recentemente, após uma influenciadora digital plus size iniciar um protesto afirmando que suas fotos eram derrubadas enquanto o mesmo não acontecia com mulheres magras, o Instagram atualizou suas políticas sobre a exibição parcial de seios, afirmando que não mais removeria imagens de seios femininos nus caso a pessoa estivesse “abraçando, acariciando ou segurando seus seios”. Além disso, dentre um dos primeiros casos do Conselho de Supervisão Independente do Facebook143, incluiu-se caso no qual o órgão discutia exatamente o assunto144.

142 FACEBOOK altera regras para permitir fotos de mães amamentando. G1, São Paulo, 15 jun.

2014. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/06/facebook-altera-regras-para-permitir-fotos-de-maes-amamentando.html. Acesso em: 21 jun. 2022, s.p.

143 Trata-se do caso 2020-004-IG-UA, no qual uma usuária postou uma foto no Instagram remetendo ao outubro rosa – campanha para aumentar a conscientização sobre o câncer de mama –, contendo oito imagens que mostram sintomas do câncer de mama com descrições, sendo cinco das imagens com mamilos femininos visíveis e outras três com seis com mamilos não enquadrados. A publicação foi retirada por sistema automatizado após denúncia, sendo posteriormente restaurada pela plataforma. O Conselho de Supervisão anulou a decisão original do Facebook e recomendou que a plataforma: (i) Informe quando a aplicação automatizada é usada para moderação e garanta que os usuários possam recorrer de tais decisões para um ser humano, melhorando a detecção automática de imagens ; (ii) Revise as diretrizes da comunidade do Instagram para especificar que mamilos femininos podem ser mostrados para aumentar a conscientização sobre câncer de mama e esclareçam qual deve prevalecer se as Diretrizes de Comunidade do Instagram, ou os Padrões de Comunidade do Facebook (DECISÃO do caso 2020-004-IG-UA. Oversight Board, [s.l.], [s.d.]. Disponível em:

https://www.oversightboard.com/sr/decision/004/Portuguese. Acesso em: 31 jul. 2022).

144 CONSELHO de supervisão do Facebook analisa seus primeiros casos, incluindo post de mamilos do Brasil. G1, [s.l.], 01 dez. 2021. Disponível em:

https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/12/01/conselho-de-supervisao-do-facebook-analisa-seus-primeiros-casos-incluindo-post-de-mamilos-do-brasil.ghtml. Acesso em: 20 jun. 2022, s.p.

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