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O falhanço dos Acordos de Parceria Económica

CAPÍTULO 4: O EBA E AS RELAÇÕES COMERCIAIS DOS PAÍSES ACP COM

4.1 O falhanço dos Acordos de Parceria Económica

No plano diferente do arranjo europeu para o comércio com os países mais vulneráveis, os acordos comerciais, devido à sua natureza recíproca, são o grande objetivo das relações comerciais da UE, ainda hoje a região mais rica do mundo e que mais importa produtos originários dos PED (Carbone e Orbie, 2014:6). Enquanto o SPG foi sendo reformado numa ótica de se focar nos países mais vulneráveis, a UE procurou engendrar Acordos de Parceria Económica (APE) com as várias regiões da comunidade ACP. A maioria dos membros da ACP são considerados PMDs e muitas delas foram antigas colónias europeias. Não é por acaso que vários autores desde esse período, avisaram sobre a existência de neocolonialismo nas relações entre as metrópoles e as suas antigas colónias, que se materializariam sobretudo nas relações comerciais assimétricas (Langan, 2008:119).

Foi na primeira Convenção de Lomé (1975) inspirada pela anunciada nova «Ordem Económica Internacional» proclamada na ONU, que a Comunidade Europeia e os países da nova comunidade ACP, procuraram obter uma parceria, baseada em termos mais igualitários (Langan, 2008:122). Nesta primeira Convenção, há a promessa de um comércio não-recíproco, no sentido, de não haver pressão para os países da ACP baixarem as suas tarifas. Mas rapidamente as várias Convenções de Lomé (4 entre 1975-2000) foram preteridas aos impulsos da liberalização dos mercados, como reação à crise das dívidas nos anos 70 e 80 (Langan, 2008:122). O que se seguiu, foi cunhado apenas em 1990 por John Williamson, nomeadamente de Consenso de Washington.48 O saldo final

dos programas de ajustamento estrutural (PAE), implantados na América Latina e na África Subsariana pelo FMI com o aval do Banco Mundial, foram muito penalizadores para essas regiões, sobretudo no aspeto social. O resultado foi o aumento dos níveis de pobreza, desigualdade e retrocesso sociais nos países intervencionados, divergindo ainda mais com os PD (Alves, 2002:20). Ao nível do comércio, em 2000 as trocas comerciais

48 O Consenso de Washington é um conjunto de reformas nomeadas neoliberais, que incluem: 1) disciplina fiscal; 2)

redução de gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) determinação de juros pelo mercado; 5) câmbio dependente igualmente pelo mercado; 6) liberalização do comércio; 7) eliminação de restrições para o investimento estrangeiro direto; 8) privatização das empresas estatais; 9)desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e do trabalho); 10) respeito e acesso regulamentado à propriedade intelectual; Ver em: LOPES, Carlos – op. cit. p. 4.

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entre a UE e os países ACP caíram para metade do nível de 1970 (Carbone, 2013:744). Ainda assim o impulso internacional de liberalização continuou com o fim da Guerra Fria, e depois foi naturalmente materializado na Parceria de Cotonou (2000-2020), que não mais se basearia no princípio de não-reciprocidade, “mas em acordos comerciais livres

com seis regiões (a acordar) até dezembro de 2007” (Carbone, 2013:744).

O aparecimento do EBA em 2001, é a outra face do impulso liberalizador, por isso também, consequência do que ficou acordado no Acordo de Cotonou, no qual se prevê que a UE procure “adotar medidas para ultrapassar os eventuais efeitos negativos da

liberalização, a fim de manter, enquanto tal for viável, um acesso preferencial significativo para os Estados ACP no âmbito do sistema comercial multilateral”49. Deste modo o EBA, sendo compatível com a Clausula de Habilitação da OMC como vimos, obrigou que no Acordo de Cotonou, fosse eliminada a cláusula de não-discriminação do artigo 172, nº. 2b, existente na convenção de Lomé, entre a UE e a comunidade ACP, que estabelecia uma igualdade de tratamento entre todos os países da comunidade de ACP, de modo que o EBA pudesse beneficiar apenas os PMDs da comunidade (Cernat et all, 2003:6). O Acordo de Cotonou cuja durabilidade de 20 anos, a contar da data de 1 de março de 2000, vincula a UE e os países ACP ao seu principal objetivo de redução da pobreza, e a prazo a sua erradicação, cumprindo assim os ODM. Por outro lado, também promove a prazo, o objetivo de integração dos países ACP na economia global (Cotonu, Art. 1).

O Acordo sofreu alterações desde os idos de 2000, sendo as suas maiores revisões em 2005 e 2010, para incluir temas como alterações climáticas, segurança alimentar ou reforço de segurança internacional e na reforma de 2016 a concretização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que substituíram os ODM em 2015.50 Também a importância da coerência das políticas é evidenciada na revisão de 2010, no qual a UE, se compromete adotar políticas internas coerentes com os objetivos do desenvolvimento dos estados ACP, sendo obrigada a informar a implementação de políticas internas suscetíveis de prejudicar os interesses destes estados, nas chamadas políticas «para além da APD» (Cotonou, art. 12).

49 Acordo de Cotonou, artigo 37ºA, n.º 2. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=celex:22000A1215(01) Consultado em: 04 de Junho de 2019.

50 Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=LEGISSUM:r12101&from=PT

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Mas a grande inovação do Acordo do Cotonou e em linha com a liberalização do comércio mundial, foi lançar as bases para os APE entre a UE e os países ACP divididos por sub-regiões, com o objetivo final de substituir gradualmente o SPG Europeu. As negociações ainda estão a decorrer para a maioria dos países ACP ultrapassando largamente o prazo delineado, sendo que o primeiro APE foi acordado em 2008, entre a UE e o Fórum das Caraíbas51, entrando em vigor no ano seguinte, 2009 e revisto em 201552. Os APE têm como objetivo, alcançar maior reciprocidade entre o comércio da UE com os países da ACP, substituindo a unilateralidade do SPG. Na revisão do acordo em 2010, no novo artigo sobre o Desenvolvimento Económico, é promovido novamente o desenvolvimento comercial e equitativo entre os países da ACP com a UE (Cotonou, art. 23, na sigla i). Sendo que o EBA abrange grande parte dos países ACP, que cria por si, problemas de solidariedade internas no grupo (Carbone, 2013:744), compreende-se a relutância destes países e a dificuldade que a UE tem tido, em levar a bom porto, as discussões sobre os APE, com várias regiões e países ACP, devido ao receio que o comércio reciproco, resultará em perda de empregos e desindustrialização (Langan, 2008:125). A UE foi acusada de impor os APE através de chantagem, impondo a data limite de 2014 para a sua ratificação pelos países ACP, para que estes não perdessem o acesso preferencial ao mercado Europeu, caso não sejam abrangidos pelo arranjo SPG (Carbone, 2013:747). Sem sucesso, e com o findar do prazo de vinculação da parceria de Cotonou em 2020, a UE corre o risco de não conseguir acordar APE com a maioria dos estados ACP. À luz desta ineficácia do Acordo, Carbone sugere que apesar deste enfatizar a parceria, o modelo baseado em relações desiguais do século anterior acabou por sair reforçado (Carbone, 2013:748).

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