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O falso documentário e o docudrama

No documento Matheus Barbosa Emerito.pdf (páginas 66-69)

2. O FALSO DOCUMENTÁRI O

2.1 Definição

2.1.2 O falso documentário na TV

2.1.2.5 O falso documentário e o docudrama

Entre as variadas formas audiovisuais, o docudrama situa-se como o que mais se assemelha ao falso documentário. A distinção está na dramaticidade dos fatos de acordo com a narrativa ficcional. Por ser uma forma híbrida, possui difusos termos e definições. Embora inúmeros filmes hollywoodianos como Chaplin (Richard Attenborough, 1992), Malcom X (Spike Lee,1992), In the Name of the Father (Jim Sheridan,1993), Ray (Taylor Hackford,2004) obtiverssem muito sucesso nas salas do cinema, o docudrama, no senso comum, não é considerado um gênero como Western, a comédia, o suspense. No entanto, a abordagem do descaso não se faz útil para a comparação a seguir, e sim o seu valor como “pseudocumento”.

O estudioso Derek Paget (PAGET, 1998, p.82-83) lista quatro termos importantes utilizados ao docudrama – o drama-documentary; documentary drama; factions; dramadoc e o docudrama. O drama documentary é um filme ficcional realizado sobre eventos da história real, identificam seus protagonistas e, através de uma estrutura narrativa, introduz o drama. O documentário que utiliza seqüências com reconstituição é denominado documentary drama. Assim como documentários utilizam estruturas dramáticas, o drama utiliza elementos do real. Factions são filmes ficcionais que incorporam imagens reais em forma de figuração. Por fim, Paget cita o dramadoc e o docudrama, que são termos contemporâneos para o uso do drama- documentary na TV. Antes de partir para a análise, vale esclarecer que a expressão “docudrama”, no Brasil, é utilizada tanto no cinema quanto na televisão. Dessa forma, o docudrama abordado neste texto é a junção do “drama-documetary” e “dramadoc” de Paget. O autor descreve artifícios de documentário que compõem alguns docudramas. O primeiro elemento são os captions, que, na linguagem utilizada no Brasil, seriam as “cartelas”. A cartela é o termo dado ao texto inserido no início, durante ou no final do filme, que situa o espectador quanto à sua conexão com o real ou quanto aos acontecimentos de pós-produção. Por exemplo, os textos “Este filme é inspirado em fatos reais vividos por Austregésilo Carrano” e “Hoje, Carrano é um ativista do movimento antimanicomial.”, do filme Bicho de sete cabeças (Lais Bodanzky, 2001).

A voz-over, tão comum ao modo expositivo de representação documentário, também é utilizada por alguns docudramas. No entanto, normalmente, esta voz é de algum personagem inserido na narrativa. Sendo assim, a voz-over deixa de ser a voz de uma figura onisciente que descreve a história e passa a de um elemento do “conto”, configurando a voz-off. Em Garrincha, estrela solitária (Milton Alencar Jr., 2003), sobre a vida do famoso jogador de futebol brasileiro, o próprio personagem (interpretado por André Gonçalves) inicia o drama: “Eu me lembro do céu. Era domingo de carnaval e o Sandro veio me buscar”. O premiado Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), considerado docudrama por retratar a vida de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro e por apresentar alguns personagens que realmente existiram, contém uma voz-off do protagonista que liga o “atual” a lembranças do passado: “Uma fotografia podia mudar minha vida. Mas na Cidade de

Deus se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. E sempre foi assim, desde que eu era criança”. Outro exemplo se faz em Tropa de Elite (José Padilha, 2007), filme que retrata a relação dos policiais em meio ao tráfico de drogas. O personagem principal, capitão Roberto Nascimento (Wagner Moura), em inserções, narra alguns acontecimentos como o acordo entre polícia e traficantes: “A verdade é que a paz no Rio depende de um equilíbrio delicado entre a munição dos bandidos e a corrupção dos policiais. Honestidade não faz parte do jogo”.

Assim como os documentários, os docudramas fazem uso do registro in loco para oferecer valor realístico ao drama, como no filme JFK (Oliver Stone, 1991).

I magens de arquivo do assassinato de John Kennedy são inseridas no filme como parte das evidências no processo de acusação de conspiração emitido pelo promotor público Jim Garrison. Outros elementos como atores sociais, fotografias e simulações podem ser encontrados no docudrama. Vale lembrar que não são compostos em sua totalidade por características documentais, pois assim deixariam de ser drama para passarem a se chamar documentário ou falso documentário. Os autores da possível única obra destinada exclusivamente ao falso documentário, Jane Roscoe e Craig Hight (2001, p.44), a fim de distinguirem o seu objeto de estudo, o falso documentário, do docudrama, definiram três aspectos: quanto à intenção do autor; às convenções textuais; à posição da audiência.

Quanto à intenção do autor, entende-se que o realizador do docudrama, ao utilizar os padrões documentais, pretende validar a sua representação dramatizada de algum aspecto do mundo real. E, muitas vezes, escolhem o docudrama em lugar do documentário, por não terem em mãos material suficiente como evidência. Enquanto o falso documentário utiliza valores documentais para proporcionar reflexão quanto ao gênero ou aspecto social, para ser mais criativo na produção ficcional ou até para provocar um trote deliberativo.

Quanto às convenções textuais, os docudramas, raramente, fazem uso dos códigos do documentário e, quando o fazem, não se aproximam o bastante para Figura 10: JFK (Oliver Stone, 1991).

serem considerados semelhantes. Ao contrário, os falsos documentários, embora ficcionais, parecem filmes documentais. Utilizam padrões, principalmente dos modos expositivo, interativo e observacional. Porque são fáceis de reproduzir e ainda são comumente reconhecidos pelo espectador.

A respeito da obra em relação à audiência, a principal diferença está no nível de realidade exposta. No docudrama, o espectador, apesar de perceber algumas similaridades com o documentário, provavelmente não o entenderia como tal. O texto do docudrama não evoluiu realisticamente para ser considerado documentário. O seu conteúdo promove o contato privilegiado à informação do real, através do drama. Enquanto o falso documentário se aproveita de sua semelhança com o gênero documental para discutir sobre a sua prática. A grande discussão envolve o que está diante da audiência – um documentário ou ficção. O falso documentário, muitas vezes, promove uma distorção, enquanto o docudrama apenas retira do documentário a porção necessária para construir um texto dramático realista. O aspecto do docudrama de aproximar-se do documentário, de fato, implica a dicotomia ficção/ não ficção. Porém, freqüentemente, este não é o objetivo do estilo. Assim como a idéia de que o filme “pode representar a verdade” (uma discussão que suscitou principalmente o período do cinéma verité) não faz parte dos propósitos do docudrama, porque ele, simplesmente, não pretende oferecer a realidade apurada e reproduzida.

No documento Matheus Barbosa Emerito.pdf (páginas 66-69)