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O fator preço: seduzir o leitor é uma questão de centavos

2. FATORES CRUCIAIS PARA O SUCESSO

2.3 O fator preço: seduzir o leitor é uma questão de centavos

O trabalhador está à espera do transporte coletivo quando um jovem carregando uma pilha de jornais lhe oferece um produto o qual desconhece, até porque não possui o hábito da leitura. A capa multicolorida chama a sua atenção pelo contraste das cores e pela manchete impactante, que anuncia uma morte trágica ocorrida em um

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Na tradução para o português, o nome seria Organização Internacional para Padronização.

Tabela 3: Alguns tablóides populares e suas medidas

Jornal Dimensões

Super Notícia (MG) 27,3 cm (l) x 40,2 cm (a)

Meia Hora de Notícias(RJ) 28 cm (l) x 32 cm (a)

Diário Gaúcho (RS) 29 cm (l) x 38,2 cm (a)

Daqui (GO) 26,5 cm (l) x 29,7 cm (a)

Expresso da Informação (RJ) 24,6 cm (l) x 29 cm (a)

Dez Minutos (AM) 26,5 cm (l) x 32 cm (a)

Aqui MG 27,3 cm (l) x 40,2 cm (a)

Notícia Agora (ES) 28,5 cm (l) x 38 cm (a)

Hora de Santa Catarina 29 cm (l) x 38,2 cm (a)

Notícia Já (SP) 27,5 cm (l) x 32 cm (a)

Expresso Popular (SP) 28 cm (l) x 32 cm (a)

75 bairro vizinho ao da sua residência. Além de simpatizar com o formato, ele é seduzido também pela fotografia de uma atriz de novelas vestindo apenas trajes íntimos e pelo anúncio de uma promoção que oferece um conjunto de panelas em troca de selos publicados no jornal. Os atrativos geram o impulso pela compra, e o consumo se concretiza com a constatação de que uma única moeda possibilita a aquisição de um exemplar.

A cena imaginada, que ilustra um processo de decisão pelo qual passaram milhões de brasileiros em todas as regiões do País, teria outro desfecho se o custo fosse inadequado à realidade das camadas mais amplas. De nada adiantariam os outros elementos de atração. O impulso seria negado pela percepção de um custo-benefício insatisfatório para um produto considerado não essencial. O preço é um elemento de identificação, que comunica valor tanto quanto o formato, o design gráfico e o cardápio de notícias que compõem a primeira página:

(...) O leitor precisa perceber que o dinheiro investido rendeu dividendos, que a informação presente no jornal o ajudou a solucionar problemas, economizar tempo, trouxe um ganho que não seria possível se não lesse determinada matéria. Ou, simplesmente, proporcionou momentos de lazer. O custo-benefício fica ainda mais alto quando este ganho estende-se à família e o jornal consegue agradar e ser útil às esposas e aos filhos. (BATISTA, 2004, p. 172)

O preço extremamente acessível, portanto, é um dos principais ingredientes da receita de sucesso dos tablóides populares. Vendido a R$ 1, o jornal Expresso Popular, de Santos (SP), era o único deste segmento que, em setembro de 2011, custava mais de R$ 0,75 de segunda a sábado45. E só outros seis diários apresentavam preço igual ou superior a R$ 0,60: Meia Hora (R$ 0,70), Diário Gaúcho (R$ 0,75),

Notícia Já (R$ 0,75), Amazônia (R$ 0,75), Notícia Agora (R$ 0,60) e Hora de Santa Catarina (R$ 0,70). Predominavam os impressos

comercializados a R$ 0,25 ou R$ 0,50 (Tabela 4).

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Os jornais Notícia Agora, Amazônia e Meia Hora são os únicos tablóides populares que elevam o seu preço de capa no domingo. Os dois primeiros cobram R$ 1 pela edição dominical. O impresso carioca custa R$ 1,40.

No mês em que realizamos o levantamento dos preços de capa, era possível comprar 12 exemplares do tablóide Dez Minutos com os R$ 3 cobrados, de segunda a sábado, por um exemplar do centenário O

Estado de São Paulo. Levando-se em consideração a edição de

domingo46, o preço de um tablóide popular chegava a ser 18 vezes menor. Os populares compactos deram uma contribuição importante para a democratização do produto jornal no Brasil. Onze dos 30 diários mais vendidos no País em 2010 apresentavam, em setembro de 2011, um preço de capa igual ou inferior a R$ 1 nos dias úteis. Outros oito custavam na faixa de R$ 1,10 a R$ 1,50. Segundo apurou a Associação Nacional de Jornais (ANJ)47, o percentual de periódicos com preço inferior a R$ 1 mais do que dobrou no período de janeiro de 2006 a agosto de 2009, passando de 11% para 27%.

O custo do produto é tão determinante para o público formador desse mercado que a diferença entre o sucesso e o fracasso pode ser uma questão de centavos. A fidelidade do leitor das classes C e D é muito sensível ao bolso. Com um orçamento bastante limitado e sem ter a leitura de jornais como um hábito imprescindível, o consumidor do tablóide popular não hesitará em suspender prontamente o seu consumo

46 A edição de domingo dos jornais O Globo e Folha de São Paulo, por exemplo,

custa R$ 4,00 na venda avulsa. O jornal O Estado de São Paulo, o mais caro do País, cobra R$ 0,50 a mais.

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Dados publicados no Jornal ANJ de agosto de 2010.

Tabela 4: Jornais de R$ 0,25 e R$ 0,50 são maioria no segmento

Jornal Preço de capa

Super Notícia (MG) R$ 0,25

Daqui (GO) R$ 0,50

Expresso da Informação (RJ) R$ 0,50

Dez Minutos (AM) R$ 0,25

Aqui MG R$ 0,25 Aqui MA R$ 0,25 Aqui DF R$ 0,50 Aqui PE R$ 0,25 Aqui Betim (MG) R$ 0,25 Mais (SP) R$ 0,50 Na Hora H (DF) R$ 0,25 Massa (BA) R$ 0,25

77 diário ou migrar para um concorrente com preço de capa inferior, caso o valor cobrado pelo jornal deixe de atender às suas expectativas.

Batista (2004, p. 151-154) recorda, por exemplo, que o impresso capixaba Notícia Agora quase fechou as portas por causa de reajustes mal executados. Impulsionado pelas promoções, o jornal havia sido um sucesso instantâneo de vendas, alcançando a média diária de 29.250 exemplares no primeiro mês e mantendo a circulação acima dos 25 mil nos cinco meses seguintes. A partir de então, com a redução no investimento em brindes para o leitor, os números se estabilizariam na casa dos 20 mil exemplares, um volume significativo para o mercado da Grande Vitória. A Rede Gazeta, no entanto, precisava aumentar a receita com a venda avulsa e, para tal, decidiu aumentar o preço de capa de R$ 0,30 para R$ 0,50 em novembro de 2001. De imediato, a circulação despencaria para a média diária de 15 mil exemplares. Não alcançando o resultado financeiro esperado, a direção do tablóide repetiria o erro, agravando a situação do jornal:

Em dezembro de 2002, o preço foi reajustado de R$ 0,50 para R$ 0,80. A reação dos leitores foi imediata, e, durante um ano e meio, o jornal lutou para não acabar. Em comparação com novembro, as vendas despencaram de 13.500 para 8.577 exemplares, aos domingos, e de 13.940 para 7.522, durante a semana. E não pararam mais de cair até junho de 2003, quando a empresa fez nova mudança no preço, criando uma promoção com o jornal a R$ 0,70. No auge da crise, o Notícia

Agora chega a vender 6.995 exemplares aos

domingos e 6.579 nos dias úteis, em março de 2003. A redução para R$ 0,70 representa um alívio, mas ainda pequeno. (...) Uma possibilidade de saída para crise só veio em agosto de 2004, quando a empresa decidiu lançar um preço promocional de R$ 0,50. (BATISTA, 2004, p. 154)

O que ocorreu com o Notícia Agora é que o patamar de 20 mil exemplares se mostrou insuficiente para que a receita proveniente da circulação cobrisse os custos de produção do jornal. Com a comissão de 30% paga aos jornaleiros, um impresso vendido a R$ 0,30 arrecada apenas R$ 0,21 por exemplar vendido. Portanto, a receita mensal em

torno de R$ 120 mil mal pagava os salários da redação, formada por uma equipe de 30 a 35 profissionais. Sem falar nos gastos com a importação de papel, distribuição do produto e realização de ações de

marketing. A solução seria obter receita através da publicidade, mas o

mercado anunciante não se renderia de imediato aos tablóides populares. A captação de anúncios ficou ainda mais difícil com a drástica redução nas vendas após dois reajustes de preço. Até mesmo o Diário Gaúcho, que já nasceu com uma circulação de 200 mil exemplares, enfrentou a resistência dos anunciantes:

Dois ou três anos após seu lançamento, o Diário

Gaúcho já era um sucesso total de circulação, mas

não emplacava como produto comercial. Decidimos, então, contratar uma empresa para descobrir por que o mercado anunciante rejeitava o nosso produto. A consultoria concluiu que o termo popular, para o mercado publicitário, era sinônimo de baixa qualidade. Os anunciantes não queriam veicular o seu nome com um produto que fosse popular, pois o popular era ruim na concepção deles. Diante disso, criamos o slogan “o jornal da maioria” para fazer o mercado perceber que o popular é a maioria. A classe C responde por mais de 50% da população brasileira. E não há nada de indigno com a maneira de viver dessa classe. Portanto, o que haveria de ruim em fazer negócio com quem é popular? Procuramos mostrar aos anunciantes que o Diário Gaúcho era o melhor caminho para se comunicar com a maioria, que nós tínhamos autenticidade para falar com esse público, que havia um respeito mútuo entre o DG e seus leitores. (BACH, 2009).

Com a redução do preço de capa para R$ 0,50, o tablóide de Vitória (ES) conseguiu, em 2005, voltar a vender mais de 15 mil exemplares por dia (Tabela 5). A recuperação efetiva do jornal como negócio, no entanto, só ocorreu a partir da reformulação gráfica e editorial conduzida pela consultoria espanhola Cases i Associats, de Barcelona, e introduzida em 2006. A reforma buscou ampliar a cobertura de assuntos como saúde e educação e introduziu as colunas do

79 servidor, do aposentado e do professor. A Rede Gazeta também voltou a investir fortemente em promoções, lançando mão, por exemplo, do sorteio de automóveis, da troca de selos por aparelhos celulares, da publicação de encartados gratuitos de álbuns de figurinhas e da venda agregada de colecionáveis como miniaturas de carros e motocicletas. Em 2010, como resultado das medidas adotadas, a circulação diária do

Notícia Agora superou por quatro vezes a média mensal recorde obtida

em maio de 2000: nos meses de abril (30.032 exemplares), maio (31.264), julho (31.774) e agosto (35.799).

No segmento popular, nem mesmo os veículos que se consolidaram entre os dez mais vendidos do País, alcançando um público superior a um milhão de leitores, estão livres do efeito negativo que a elevação de preço exerce sobre a circulação. No início de 2009, o

Meia Hora realizou dois aumentos consecutivos no seu preço de capa48, encarecendo o produto em R$ 20 centavos, e colheu um fruto amargo: o aumento acumulado de 40% não demorou a afetar severamente a circulação do jornal. Em abril, quando ocorreu o segundo reajuste, as vendas no mês já atingiam uma média inferior a 200 mil exemplares por dia, o que não ocorria há dois anos. De 234.253 exemplares diários em dezembro de 2008, a circulação despencou para 151.456 em dezembro de 2009, retornando ao patamar em que se encontrava 40 meses antes.

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O jornal aumentou o seu preço de capa pela primeira vez em 11 de janeiro de 2009. Naquele domingo, o tablóide chegava às bancas custando R$ 0,20 a mais, ou seja, R$ 1,20. No dia seguinte, o jornal já estampava na capa o novo preço de segunda a sábado: R$ 0,60. Três meses depois, o Grupo O Dia decidia elevar o preço outra vez. Novamente em um domingo, desta vez o dia 12, o Meia Hora reajustava o valor cobrado dos leitores: R$ 1,40 aos domingos e R$ 0,70 de segunda a sábado.

Tabela 5: A recuperação do jornal Notícia Agora

Mês Exemplares vendidos Outubro de 2003 4.803 Agosto de 2004 12.475 Novembro de 2005 17.598 Agosto de 2006 22.188 Dezembro de 2007 20.186 Outubro de 2008 29.093 Agosto de 2009 29.218 Agosto de 2010 35.799

No momento em que foram realizados, os dois aumentos eram inevitáveis. O preço da tonelada do papel, no segundo semestre de 2008, passou de US$ 600 para US$ 950. Paralelamente, o real sofreu forte desvalorização frente ao dólar, o que encareceu ainda mais a importação. A cotação da moeda americana passou de R$ 1,60, em agosto, para R$ 2,40, em dezembro. O aumento no custo do papel engoliu a margem de lucro. Sem mencionar que o mercado publicitário encolheu a partir de outubro. Foi por conta desse cenário que a empresa decidiu praticar os reajustes. Não há conta que feche com uma elevação tão grande no custo do insumo básico. Para se ter uma idéia, cada edição do Meia Hora consome, em média, 20 toneladas de papel (FREITAS, 2009).

Após se manter abaixo dos 155 mil exemplares no primeiro semestre de 2010, a média diária apresentou crescimento nos últimos seis meses do ano, mas os números ainda ficaram distantes dos resultados expressivos conquistados pelo diário em 2007 e 2008 (Tabela 6). No que diz respeito à quantidade de exemplares vendidos, o ano de 2010 só foi melhor do que os dois primeiros. Em virtude dos reajustes, o

Meia Hora acabou perdendo 250 mil leitores49, o que favoreceu o tablóide popular da Infoglobo: o concorrente Expresso da Informação elevou a sua circulação média diária de 62.076 exemplares, nos 12 meses de 2008, para 84.285, no mesmo período de 2010.

Imediatamente ao segundo aumento, nós observamos um movimento de diminuição de leitores e migração para outros jornais, principalmente para o Expresso da Informação. Posso afirmar, com toda a segurança, que a única razão para a queda na circulação foi a elevação do preço de capa. O produto continuou o mesmo, não sofreu qualquer mudança gráfica ou editorial. Por ser um jornal muito popular, o Meia Hora alcança sempre um público novo, um público

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Segundo a Ipsos Marplan, o jornal perdeu 250 mil leitores de 2008 a 2010. Nos 12 meses deste ano, o público estimado para o Meia Hora ficou em de 2,35 milhões.

81 entrante nas classes C e D, para quem gastar R$ 0,20 a mais é muito complicado. Para não deixar de se informar e abrir mão de um hábito que havia adquirido e apreciado, o leitor opta, então, por passar a comprar o tablóide concorrente. O preço baixo, para esse público, é fundamental. Além dos concorrentes tradicionais, como o cigarro e o leite, o jornal popular encontra hoje um novo e importante rival na disputa pelos centavos dos leitores: a recarga do celular pré-pago. (FREITAS, 2009).

A receita obtida com a circulação sofreu uma redução mensal de R$ 100 mil a R$ 150 mil. Segundo a direção do tablóide, o ideal teria sido que as vendas não tivessem caído para uma média inferior a 180 mil exemplares diários. O jornal, porém, conseguiu o mais importante: não interromper a expansão da receita publicitária. Além de uma circulação bastante expressiva para o padrão brasileiro atual, o Meia

Hora manteve um público superior a 2 milhões de leitores. Dessa forma,

não perdeu relevância junto ao mercado anunciante.

Um último caso merece ser citado como exemplo da importância do preço para o segmento estudado: o da ascensão meteórica do Aqui PE no ano seguinte ao seu lançamento, ocorrido no dia 11 de agosto de 2008. Ao diminuir o preço de capa pela metade, passando o valor de R$ 0,50 para R$ 0,25 em 10 de março de 2009, o tablóide conseguiu quadruplicar a sua circulação em sete meses: segundo o IVC, a média diária saltou de 5.740, em fevereiro, para 22.466, em setembro seguinte (Tabela 7). As vendas dobraram logo no primeiro mês em que o novo

Tabela 6: Ascensão e queda na circulação do Meia Hora

Mês Exemplares vendidos Dezembro de 2005 91.766 Dezembro de 2006 170.943 Dezembro de 2007 205.251 Setembro de 2008 247.777 Abril de 2009 196.650 Dezembro de 2009 151.456 Junho de 2010 143.268 Outubro de 2010 167.695

preço foi adotado. Ao longo de 2010, o Aqui PE manteve a circulação acima dos 20 mil exemplares em todos os meses, alcançando um feito que parecia inatingível até fevereiro de 2009: superar as vendas do

Diário de Pernambuco50, que também pertence aos Diários Associados. O editor do tablóide pernambucano, Flávio Adriano, confirma que a redução do preço foi determinante para o crescimento abrupto e vertiginoso do Aqui PE :

O objetivo do Grupo era mesmo aumentar a circulação, visando tornar o produto mais atraente ao mercado publicitário. Afinal, o que sustenta o jornal como negócio não é a venda avulsa, mas a publicidade. E um periódico com muitos leitores desperta a atenção dos anunciantes. De qualquer forma, não adianta o produto ser barato se não for relevante para o leitor, que hoje está muito mais exigente. O Aqui PE já nasceu como um jornal interativo, que procura ajudar a resolver os problemas das comunidades que tanto sofrem com os descasos do Poder Público. Além disso, traz notícias de prestação de serviço, esportes e famosos, oferece promoções ao leitor e conta histórias incríveis em que os personagens principais estão no meio do próprio povo. As “gostosas da capa”, juntamente com os comentários maliciosos que acompanham as imagens, também chamam muita atenção. (ADRIANO, 2011)

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