• Nenhum resultado encontrado

O federalismo brasileiro na Constituição de 1988

2.1 A FORMAÇÃO DO FEDERALISMO BRASILEIRO

2.1.2 O federalismo brasileiro na Constituição de 1988

A Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 marcou a volta dos fundamentos do federalismo brasileiro abandonados durante os anos do regime autoritário, expandindo a autonomia dos Estados-membros e estabelecendo dispositi- vos do federalismo cooperativo, na busca do equilíbrio federativo. A novidade insti- tuída foi o grande reforço dado à autonomia dos municípios, conferindo-lhes defini- tivamente a condição de entidades federativas. Trata-se de experiência inédita no fe- deralismo contemporâneo, como ressalta Bonavides (2008, p. 347):

Não conhecemos uma única forma de união federativa contempo- rânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do novo mo- delo implantado no País com a Carta de 1988 [...].

Deveras, os municípios brasileiros, que já possuíam governo próprio e com- petências exclusivas garantidos pelas Constituições anteriores, adquirem na Constitu- ição de 1988 (art. 29) o poder de editar sua própria lei orgânica – que equivale a uma Constituição Municipal. Assegura-se, assim, a autonomia municipal política, norma-

36

A expressão “Nova República” foi empregada na campanha de Tancredo Neves (então Governador de Minas Gerais e candidato à Presidência da República) para designar o período de transformações institucionais que se sucederiam à sua posse e que se concretizariam na nova Constituição que seria elaborada pela Assembleia Constituinte, livre e soberana, que ele convocaria tão logo assumisse o cargo no Governo Federal. Como se sabe, Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio Eleitoral, mas fa- leceu antes da posse. O Vice-Presidente José Sarney cumpriu o compromisso, convocando a As- sembleia Nacional Constituinte (EC no 26, de 27/11/85). Cf. SILVA, 2007, p. 88-90.

tiva, administrativa e financeira (MEIRELLES, 2006), que, como assinala Silva

(2007, p. 641, grifo do autor), caracteriza-se por quatro capacidades:

(a) capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria;

(b) capacidade de autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais;

(c) capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegisla- ção, mediante a competência de elaboração de leis municipais so- bre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suple- mentar;

(d) capacidade de auto-administração (administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local) [que inclui a capa- cidade de decretação de seus tributos e a aplicação de suas rendas].

Com base nisso, Ferreira Filho (2006, p. 58, grifo do autor) constata que:

[...] Há em nossa Constituição três ordens e não duas, como é normal no Estado federal. Em primeiro lugar, a ordem central – a União – em segundo lugar, ordens regionais – os Estados – e em terceiro lugar, ordens locais – os Municípios.

A Constituição, com efeito, afora organizar a União, prevê e reco- nhece os Estados, dando-lhes competências e rendas, prevê e reco- nhece os Municípios, entidades intra-estaduais, conferindo-lhes competências e rendas.

Na distribuição de competências e rendas entre as três unidades federadas da Constituição de 1988 são empregadas técnicas de repartição horizontal e vertical.

As competências legislativas são repartidas horizontalmente e verticalmente. Na repartição horizontal, são enumeradas as competências exclusivas da União (art. 21 e 22) e as competências dos Municípios (art. 30) e são conferidas aos Estados as competências remanescentes (art. 25, § 1o), ou seja, tudo aquilo que não foi atribuído à União ou aos Municípios e nem incluído no campo das competências concorrentes. Na repartição vertical, são atribuídas competências concorrentes à União e aos Esta- dos (art. 24); nesse caso, há primazia da União para fixar normas gerais (art. 24, § 1o), e os Estados (art. 24, § 2o) e os Municípios (art. 30, II) devem complementar es-

sas normas a fim de adaptá-las a suas especificidades, em conformidade com o prin- cípio da predominância do interesse (ALMEIDA, 1991).37

As competências materiais estão associadas às legislativas, de modo que a en- tidade que exerce atividade normativa em determinada matéria tem também a função administrativa relacionada. Ademais, há um grande número de competências comuns (art. 23), que fixam as áreas em que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal devem atuar conjuntamente, em colaboração mútua e sem hierarquia,38 pois essas matérias não comportam a supremacia da União sobre as demais entidades fe- derativas (FERREIRA FILHO, 2006, p. 60).

A repartição de rendas na Constituição Federal de 1988 assenta-se na divisão das competências tributárias e na repartição das receitas tributárias entre os entes federados, compondo o sistema tributário nacional.

Na repartição das competências tributárias é utilizada a técnica horizontal: são estabelecidas áreas de tributação exclusiva da União (art. 153), dos Estados e do Distrito Federal (art. 155), e dos Municípios (art. 156) de acordo com as fontes. Des- se modo, os impostos, taxas e contribuições sobre os quais as entidades federadas podem dispor, com suas respectivas fontes, estão expressamente definidos no texto constitucional.39

37

O Distrito Federal funciona, nesse caso, como entidade mista, de acordo com o art. 32, § 1o: “Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios”. 38

Alguns autores sustentam que a execução das competências materiais comuns, pelo fato de estar vinculada à atividade normativa, será sempre influenciada pela primazia da União estabelecida para as competências concorrentes (art. 24). Cf. ALMEIDA, 1991, p. 142-144.

39

O sistema tributário brasileiro é composto por (art. 145): impostos, que são tributos arrecadados compulsoriamente, independente de qualquer atividade estatal prestada ao contribuinte; taxas, que são arrecadadas para remuneração de serviços públicos específicos ou em caráter de sanção (exercí- cio do poder de polícia); e contribuições de melhoria, arrecadadas de proprietários de imóveis que se valorizarem em decorrência de obras públicas. Além dessas arrecadações, a União pode instituir

empréstimos compulsórios para o atendimento de despesas extraordinárias, a serem posteriormente

A repartição das receitas tributárias compreende os mecanismos redistributi- vos que permitem a participação de uma entidade na receita da outra, ou seja, a dis- criminação das rendas pelo produto. São três modalidades de redistribuição: a) parti- cipação das esferas subnacionais no produto da arrecadação de impostos da União; b) partilha do montante de impostos em percentagens entre entidade tributante e entida- de beneficiada, em que a percentagem é definida de acordo com a capacidade da en- tidade beneficiada; c) participação em fundos 40 (SILVA, 2007, p. 706-733).

2.2 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO FEDERALISMO