• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – REFLEXÕES SOBRE A PNEUMATOLOGIA ATUAL

3.3. O fenômeno do cristomonismo

Outro fenômeno igualmente nocivo a uma pneumatologia saudável, positiva e que possa contribui para a percepção do importante papel do Espírito Santo na história, na Igreja, nas pessoas e em todas as realidades criadas é o cristomonismo, trata-se da absolutização da segunda Pessoa (Filho) em detrimento dos demais participantes da Trindade. Congar se refere a este fenômeno também como o “esquecimento do Espírito”. Foi o período em que houve uma exagerada “insistência sobre o homem, sobre a pessoa de Cristo “homem para os outros”, mas uma ausência muito inquietadora do Espírito e da Igreja”.308 Segundo Congar, quem eleva uma crítica radical à Igreja devido a esta realidade é o ortodoxo e professor de teologia Nikos Nissiotis. Segundo ele, no cristomonismo que esteve em prática na Igreja Católica “tudo seria visto e mostrado em referência a Cristo. O Espírito Santo seria apenas “algo” acrescentado a uma Igreja, a seus ministérios e seus sacramentos, Igreja já constituída. O

306

Congar irá abordar outras inspirações joaquinitas e linhas de pensamento filosófico/social que possuem proximidade ao pensamento de Joaquim em: Ibid. p. 173-180.

307

CONGAR, Yves. A Palavra e o Espírito, São Paulo, Loyola, 1989. p. 74.

308

Espírito Santo exerceria a função de Cristo”.309 Houve também no processo do cristomonismo o esquecimento ou a substituição do Espírito Santo em “locais” que são específicos a ele, Segundo Congar, quatro são os lugares onde isto ocorreu efetivamente segundo as críticas e as conclusões que podem ser feitas da realidade:

1- Na Liturgia. Houve a exagerada centralidade litúrgica na no Jesus histórico, humano, mas também e por outro extremo, a preocupação exagerada na questão salvífica. Aponta-se, dentro destas duas realidades, que a “liturgia está centrada na presença eucarística, portanto, na Encarnação e na Redenção, na relação entre a segunda e a primeiro Pessoa. Roma teria substituído o Espírito Santo, deixado um pouco na sombra, em troca do Papa, da Virgem Maria e do culto ao Santíssimo Sacramento”.310 Obviamente que Congar considera estas críticas exageradas, mas ele não as descarta totalmente, principalmente devido tentativas desastrosas de explicação para alguns dogmas da Igreja, principalmente sobre os três apontados.

2- Na Eucaristia. Sobre a Eucaristia, Congar afirma que Ph. Pare levanta sua crítica com uma direção em mente e ela é a questão da presença real de Cristo na Eucaristia. Apesar de Congar desenvolver uma reflexão aprofundada sobre este tema,311 ele assume que “a função do Espírito Santo na Eucaristia – não somente na conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue do Senhor, mas na comunhão – é pouco desenvolvida pela Igreja. A Eucaristia é vista e vivida numa perspectiva essencialmente cristológica: a presença íntima é a de Cristo”.312 Deixa-se de refletir sobre a ação do Espírito Santo na questão sacramental da Igreja.

3- o Papa. A crítica feita à Igreja é que em muitos momentos o Papa tomar o lugar do Espírito Santo, Congar lembra que “existe um vínculo de aliança fundada na fidelidade de Deus, entre o Espírito Santo e o ministério apostólico”. Sabe-se também que “os papas ensinam expressamente a doutrina a respeito da presença e da ação do Espírito Santo em nossas vidas pessoais e na Igreja (cf. encíclica Divinum illud munusI de Leão XIII; Mystici

Corporis de Pio XII). Mas Congar pondera pois, “com frequência os enunciados mais

309

CONGAR, Yves. A Palavra e o Espírito, p. 130.

310

Idem. Creio no Espírito Santo I: Revelação e Experiência do Espírito, São Paulo, Paulinas, 2005. p. 208-209. Neste caso Congar está se referindo às críticas formuladas por Ph. Pare.

311

Cf. para aprofundamento ao tema: CONGAR, Yves. Creio no Espírito Santo III: O Rio da Vida Corre no

Oriente e no Ocidente, São Paulo, Paulinas, 2005. p. 301-362

312

CONGAR, Yves. Creio no Espírito Santo I: Revelação e Experiência do Espírito, São Paulo, Paulinas, 2005. p. 211.

oficiais acentuam de maneira pesada os princípios externos, visíveis e jurídicos de unidade, com insistência sobre o ‘magistério’ e principalmente sobre a autoridade do papal”. A autoridade do Papa supera a autonomia do Espírito Santo e muitas vezes a controla. Porém, neste ponto o Vaticano II foi mais explicito em dar espaço ao Espírito Santo.313

4- Maria. Sobre a atribuição a Maria as funções do Espírito Santo, Congar atenta para a seriedade da crítica, pois, “se atribui à Maria o que pertence ao Espírito Santo; em última instância, ela ocupa o lugar do Paráclito” e suas funções: “consoladora, advogada, defensora dos fiéis diante de Cristo, que seria temível juiz”. Sua maternidade é tão profunda que nos filia a Deus; ela revela Jesus, que por sua vez revela o Pai. Ela forma Jesus em nós, função atribuída ao Espírito Santo.314 Um exagero por vezes denunciado, sobretudo pelos movimentos evangélicos e Igreja cristas irmãs, mas uma questão pastoral dificílima de ser superada.315

Ao Concílio Vaticano II foi direcionado estas questões referentes ao cristomonismo pelos observadores ao longo de todo o Concílio. A pneumatologia do Concílio será aborda a seguir, porém, é preciso indicar que houve, Congar interpreta um avanço significativo nesta questão nas conclusões do Concílio Vaticano II. Tais conclusões, segundo Congar, responderam às necessidades de resposta, tanto sobre o cristomonismo, quanto em relação ao pneumacentrismo. Ele diz: “O movimento das idéias que preparou o Vaticano II e depois o próprio Concílio, e finalmente o que desenvolveu a partir dele e o que continua sendo elaborado, tudo isso nos traz uma correção dos unilateralismos passados, se os houve, e abre acesso a uma verdadeira pneumatologia”.316 Mesmo sob a crítica insistente dos observadores do Concílio de que se manteve a linha critomonista nas conclusões conciliares, Congar rebate dizendo que, “mesmo conservando a referência cristológica, pois é de Cristo o Espírito Santo (cf. LG 7,1), o Concílio não faz da ideia do Corpo Místico a definição da Igreja. rejeitando o esquema da “encarnação continuada”.317

313

CONGAR, Yves. Creio no Espírito Santo I: Revelação e Experiência do Espírito, São Paulo, Paulinas, 2005. p. 211-212.

314

Ibid. p. 213.

315

Uma posição sóbria e positiva sobre os “novos” dogmas marianos, no qual a pessoa de Maria está diretamente relativa à Cristo e não ao Espírito Santo, ou até mesmo no lugar deste, Rahner apresenta em: RAHNER, Karl.

Curso Fundamental da Fé, São Paulo, Paulus, 2004. p. 449-451.

316

CONGAR, Yves. A Palavra e o Espírito, São Paulo, Loyola, 1989. p. 132.

317

Cf. Ibid. p. 133-134. Cf. também: Idem. Creio no Espírito Santo I: Revelação e Experiência do Espírito, São Paulo, Paulinas, 2005. p. 217-225.