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PARTE II – CONDIÇÕES PÓS-MODERNAS

2.2. O Fim da História da Arte?

Ainda que de formas diversas, atitudes artísticas como o dadaísmo, o surrealismo, os vários expressionismos ou as experiências minimalistas e conceptuais, começam por questionar a visão evolucionista do tempo e da história que ordena a própria história da arte (Fernandes, 2006).

A desconstrução de questões como a originalidade e a identidade do sujeito e do objecto resultaram numa ruptura com a herança historicista do século XIX – ainda partilhada por algumas vanguardas artísticas do século XX, que procuravam autolegitimar-se por reacção a contextos anteriores – e no surgimento de um paradigma de representação que foi renunciando à persistente adaptação entre “antigos” e “modernos”.

No âmbito da discussão sobre o lugar e estatuto da obra de arte é possível traçar um percurso, desde a Antiguidade Clássica e a sua herança cultural, até às rupturas artísticas do século XXI, trajecto pelo qual a obra de arte deixa de ser referenciada em função de uma época, de um género ou de um sujeito, à medida que abandona certos condicionalismos históricos.

Na sua abordagem, João Fernandes afirma que

(...) pela sua evolução etimológica, o termo ‘época’ é mais apropriado para designar um evento pontual do que o período de tempo introduzido por um acontecimento. (...) Torna-se deste modo impossível detectar uma ‘mudança de época’, dado que as suas fronteiras são hoje imperceptíveis, desligadas de qualquer data ou acontecimento essenciais (ibidem: 357-358).

Os efeitos desta mudança de paradigma na história da arte traduzem-se na adopção de narrativas fragmentárias que destacam, acima de tudo, as obras em si mesmas, considerando a grande diversidade dos objectos artísticos contemporâneos.

De acordo com Hans Belting (1989), o modelo geral do estudo da arte ligado a uma concepção única e coerente permite que, mesmo os objectos sem fins estéticos, possam ser entendidos como obras de arte. A sua interpretação no quadro de uma história total da arte converte-os em objectos estéticos, em obras de arte, no sentido que lhes é atribuído desde a Renascença.

A partir do começo do século XIX, uma das principais tarefas da história da arte consistia em organizar a “arte histórica” numa sequência coerente, sem elaborar um conceito muito definido de arte. Como refere Belting, salvo raras

excepções, tratava-se de “integrar as obras reunidas no interior do ‘museu imaginário’, numa sequência de acontecimentos que parecia ser governada por uma evolução da forma, sujeita a leis” (ibidem: 41).

Segundo Arthur C. Danto (1997), importa declarar que a grande narrativa que primeiro definiu a arte tradicional e depois a arte modernista, não só chegou ao fim, como a própria arte contemporânea já não se permite ser representada por grandes narrativas. Estas grandes narrativas excluíram inevitavelmente certas tradições e práticas artísticas, empurrando-as para fora dos limites da história. Esta é uma das evidências que caracteriza o momento contemporâneo da arte, aquilo que Danto designa por “momento pós-histórico”, no sentido em que se trata de um tempo de profundo pluralismo e de total tolerância, em que nada é passível de ser excluído (ibidem: xiii-xiv).

O que distingue a arte contemporânea é o facto de a arte do passado estar disponível para ser utilizada como os artistas entenderem fazê-lo. O que não está disponível, porém, é o espírito dentro do qual a arte foi feita.

O paradigma do contemporâneo é o da collage, ou seja, do encontro entre duas realidades distantes num determinado plano, tal como definiu Max Ernst. Isto deve-se ao facto de o espírito contemporâneo ter sido formado no “princípio de um museu” onde toda a arte tem o seu lugar e onde não existe uma narrativa na qual todos os conteúdos devem caber.

Seguindo a argumentação de Danto, hoje os artistas tratam os museus como se estes estivessem preenchidos, não com arte morta, mas com opções artísticas vivas: “O museu é um campo disponível para rearranjos constantes e, de facto, há uma forma de arte emergente que utiliza o museu como repositório de materiais para uma collage de objectos dispostos para sugerirem ou suportarem uma tese” (ibidem: 6). Significa que, nestes termos, o artista utiliza subjectivamente os recursos do museu para construir narrativas a partir de objectos que não têm conexão histórica entre si, a não ser a que o próprio artista lhes atribui. Desta forma, o museu é causa, efeito e personificação de atitudes e práticas que definem o momento “pós-histórico” da arte.

A história da arte estuda os suportes de representação, as obras de arte, os artistas e as linguagens estilísticas. No entanto, nem sempre temos presente que a própria história da arte pratica a representação.

De facto, a história da arte é uma estrutura de representação que serve muito bem a crítica de arte, que, por sua vez, sabe servir-se das profecias auto- realizadoras daquela. Enquanto discurso académico do modernismo, a história da arte deixa de reivindicar um monopólio interpretativo que a conduziu a uma crise de representação (Belting, 1989).

O modelo conceptual de uma história da arte, até há pouco tempo consensual entre historiadores de arte e artistas, ainda que adoptado de formas diferentes, começa a ser seriamente questionado. O entendimento da disciplina como um curso de acontecimentos, dotado de sentido, ao qual os artistas vão acrescentando novos acontecimentos que, posteriormente, são integrados na história contada pelos historiadores, tem vindo a perder-se desde que as vanguardas históricas, opondo-se à tradição, construíram o seu próprio modelo histórico (idem, ibidem).

Quando Hans Belting e Arthur C. Danto se referem ao “fim da história de arte”, pretendem colocar em debate duas interpretações: A arte contemporânea reflecte a história da arte já conhecida, mas não a prolonga? Ou a história da arte como disciplina deixou definitivamente de oferecer à “arte histórica” o modelo de que ela sempre necessitou?

Segundo o próprio Belting (2003), não parece haver nada de novo nesta relação entre a prática académica da história da arte e a experiência contemporânea da arte. Alguns historiadores consideram a concepção tradicional da história da arte inquestionável e, consequentemente, rejeitam as questões sobre o significado da disciplina e dos seus métodos. Na verdade, a experiência da maioria dos historiadores de arte limita-se às obras artísticas históricas e, em regra, têm um contacto privado com as obras contemporâneas.

Dá-nos sempre a impressão que uma história de arte termina quando uma outra começa. Quando a arte moderna teve o seu primeiro impacto sobre a história da arte, a sua integração parece ter afirmado a adopção de uma perspectiva adequada, talvez nova, sobre a história da arte anterior.

A ruptura entre tradição e modernismo não podia constituir mais do que uma outra fase no ciclo quase infinito das transformações da arte. A noção de uma arte pura, acompanhada de uma anti-arte que se lhe opõe, desaparece quando os produtos artísticos, estejam ou não no museu, começaram a assemelhar-se à arte que se apropria dos objectos do quotidiano (idem, ibidem).

Na verdade, como Danto (1997) advertiu, nem ele, nem Belting nos estavam a falar sobre a “morte da arte”. Noutro sentido, alertavam para o fim de uma narrativa objectivamente realizada na história da arte, mas realçavam que o sujeito dessa narrativa não morreu.

A concepção da história como uma totalidade evolutiva, baseada em grandes narrativas de sentido linear e explicada em termos de previsão ou prognóstico, entrou em crise nos nossos dias e daí o debate sobre a proclamação do “fim da história”, atribuída a Francis Fukuyama com base no seu ensaio matricial de 1989.

Esta proclamação, embora muito ligada às grandes transformações históricas desse período, em especial ao desmoronamento do bloco Soviético e da teleologia socialista que o sustentava, depressa alastrou ao campo epistemológico, inclusivamente aos discursos sobre a história da arte.

A representação do tempo histórico como itinerário, em que o presente seria sempre “qualitativamente superior” ao passado, visão própria da modernidade, tinha manifestas dificuldades em acolher a experiência do “novo” (Catroga, 2003: 159). Esta resistência será ainda mais contundente e conhece outras variáveis no campo da história da arte a partir do momento em que lhe chegam os impactos da proclamação do fim da história. É neste sentido que vários autores, aos quais já nos referimos, também proclamaram o fim da história da arte.

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