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O flagelo do fenómeno das insolvências num cenário de crise

Em 2007 despoletou nos Estados Unidos uma crise financeira de cariz bancário96

que, pelos ductos da globalização, rapidamente se estendeu à Europa no ano subsequente97. Pese embora se tenha iniciado no sistema financeiro, esta crise

repercutiu-se nos mercados bolsistas e de capitais em geral, alastrando-se posteriormente a toda a atividade económica.

A elevada liquidez disponível foi exponencialmente aumentada pelos sistemas financeiros dos diversos países, mais especificamente por meio da técnica da titulação e das facilidades de concessão de crédito98. Ora facilmente se vê que a ambição pelo

sucesso acarreta, inexoravelmente, o pertinaz apetite pelo risco. Incontestavelmente as baixas taxas de juros, a proliferação dos cartões de crédito, o perigoso mercado das hipotecas imobiliárias, os empréstimos para as compras de automóveis, culminaram, naquilo a que VÍTOR BENTO denominou de “loucura colectiva”99.

Nesta senda, os comportamentos passaram a ser orientados tendo em conta apenas o presente, incitando-se o endividamento e o excesso. Estas condutas repercutiram-se no aumento desmesurado do consumo, do crédito e, consequentemente, do endividamento100.

96 Trata-se da crise do “subprime” desencadeada a partir da quebra de instituições de crédito dos Estados Unidos, que concediam

empréstimos hipotecários de alto risco (“subprime loan ou subprime mortgage”), tendo conduzido vários bancos à situação de insolvência e repercutindo-se mundialmente nas bolsas de valores.

97 A este respeito recordemo-nos de uma famosa frase proferida por um jornalista no momento em que a crise se começou a

manifestar na Europa – “quando os Estados Unidos tossem a Europa constipa-se”. Tal metáfora visa apenas aludir à grande influência dos E.U.A. na Europa, ressaltando-se que se recebemos influências positivas, também recebemos as influências negativas.

98 Vide. CAROLYN V. CURRIE, The Banking Crisis of New Millenium – Why It was inevitable in Greg N. Gregoriu, The Banking Crisis

Handbook, 2010, pp. 13-19.

99 Cfr. VÍTOR BENTO, Crise económica ou mais do que isso? in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1 (2008), n.o 4. p. 21. 100 Nas palavras de VÍTOR BENTO “A riqueza e a sua ostentação tornaram-se nos objectivos dominantes do reconhecimento social,

orientando os comportamentos na sua direcção (…) Descurou-se a prudente visão da vida baseada na durabilidade e na sustentação da existência, incluindo a dos descendentes, em benefício de uma visão baseada na egoística satisfação do bem-estar individual imediato e com ela arriscando o bem futuro, incluindo o dos descendentes. E enquanto a primeira visão fomenta comportamentos

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A combinação dos fatores supra descritos culminou no despoletar de um forte cenário de crise. Efetivamente, as flutuações dos mercados, as baixas do investimento, as quebras do PIB, a diminuição da procura conduziram a um crash da economia norte- americana, e, consequentemente, dos países europeus ao qual, naturalmente, Portugal não escapou101.

Ora, no seguimento das considerações enredadas não será difícil estabelecer uma relação de causa-efeito entre o surgimento da crise e o significativo aumento do número de insolvências de empresas desde 2008 em diante.

Em Portugal a crise consubstanciou-se numa verdadeira estagnação por falta de liquidez. Face à ausência de liquidez as instituições de crédito passaram a restringir fortemente o acesso ao crédito por parte das empresas e, contudo, quando o concedem praticam taxas de juro bastante elevadas. Como sustenta ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO “Sem liquidez as empresas não investem e não criam emprego. Pior:

definham, incapazes de honrar os seus compromissos laborais, sociais, fiscais e bancários”102.

As empresas caem, assim, numa espiral fortemente recessiva passando a debater- se pela sua sobrevivência financeira, logrando evitar a sua asfixia. Todavia, apesar dos esforços concertados muitas delas não conseguem “reanimar-se” não tendo opção senão declarar o “óbito” e requerer a insolvência.

Para uma visão mais esclarecedora e expressiva da realidade atente-se que no período compreendido entre 2007 e 2012 assistiu-se a uma subida vertiginosa dos processos de falência, insolvência e recuperação de empresas nos tribunais judiciais de primeira instância. A comparação entre o primeiro semestre de 2007 (pré-crise) e o primeiro trimestre de 2012 revela um aumento de 451,7% no número de processo

favoráveis à poupança e à moderação, a segunda fomenta comportamentos favoráveis ao endividamento e ao excesso". Cfr. VÍTOR

BENTO, Crise económica ou mais do que isso?, ob. cit., pp. 26-29.

101 Na Europa, ao longo de 2010, assistiu-se a uma retoma fabulosa da economia alemã, assente num incremento da procura interna

o que lhe permitiu obviar a grandes dramas seguindo-se uma expansão sem precedentes nas exportações. Contudo a crise manteve- se e assumiu sintomas mais dramáticos e agudos nos países periféricos da Europa, nomeadamente em Portugal, na Irlanda, na Grécia, em Espanha e em Itália.

102 Vide ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Perspectivas Evolutivas do Direito da Insolvência in Revista de Direito das Sociedades, Ano

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entrados103. Esta percentagem não deixa margem para dúvida acerca da assombrosa

depressão económica que se instalou sobre o nosso país.

Nesta linha expositiva, atentando-se que o escopo fulcral do processo de insolvência é o ressarcimento dos credores, questiona-se então como fica a sua situação. Mais uma vez socorremo-nos dos dados para demonstrar que os números são impressionantemente avassaladores: 94,1% dos montantes de créditos reconhecidos não são pagos104. A insolvência afigura-se, assim, como um verdadeiro “cemitério de

empresas e de riqueza”105.

Dito isto estamos cientes que o problema de liquidez não é uma causa mas sim uma consequência da crise atual. Consoante se escreveu no Global Europe Anticipation

Bulletin “é um problema de solvência que cria os "buracos negros" nos quais desaparecem as liquidezes, quer se chamem insolvências de empresas, endividamentos das famílias, balanços dos bancos ou défices públicos”106.

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